Ouija: Origem do Mal é o típico filme que chega com tudo contra ele, por ser uma pré-sequência de uma obra que pouca gente defende. Mas foi só entrar Mike Flanagan na jogada que as expectativas mudaram de figura. Com um currículo que já indicava talento para narrativas psicológicas e atmosferas densas, o diretor transforma uma franquia desacreditada num exercício técnico elegante, cheio de cuidado com ritmo, visual e construção dramática.
A história se passa em Los Angeles, nos anos 1960, e acompanha uma médium viúva que, junto das filhas, realiza sessões espíritas duvidosas. Quando elas decidem usar um tabuleiro Ouija para dar mais “credibilidade” ao trabalho, o que começa como um truque acaba despertando forças reais e perigosas. A trama é simples na superfície, mas o filme faz questão de tratar seus personagens com atenção rara no gênero. Em vez de correr para sustos, Flanagan dá tempo para conhecermos aquela família, entendermos suas dores e nos importarmos com o que vai se perder.
E é aí que o terror funciona: o medo, aqui, nasce da tensão bem construída e da vulnerabilidade dos personagens, e não da explosão de trilha ou de monstros que pulam na tela. A câmera de Flanagan é paciente e precisa. Há planos longos, que deixam o desconforto se acumular; há cenas silenciosas, em que o perigo está apenas sugerido, e momentos em que o foco recai sobre o fundo do quadro, onde algo estranho se move: tudo isso sem precisar gritar para ser notado.
Tecnicamente, o filme entrega coisas muito boas. A fotografia de Michael Fimognari recria o visual dos anos 60 com efeito de granulação simulada e luzes amareladas, fazendo parecer que estamos assistindo a uma projeção analógica, mesmo sendo filmado em digital. As “marcas de troca de rolo” aparecem propositalmente, como homenagem ao cinema clássico. E o desenho de som também se destaca, fazendo da trilha uma ferramenta de surpresa e não de manipulação: ela aparece quando não esperamos e se cala nos momentos de maior tensão, potencializando o medo.
O elenco contribui bastante para que tudo isso funcione. Lulu Wilson, com pouco mais de 10 anos na época, impressiona com sua entrega fria e assustadora. Seu olhar carrega mais ameaça do que qualquer efeito digital poderia criar. Annalise Basso, como a irmã mais velha, é sólida e tem carisma suficiente para sustentar a transição do segundo para o terceiro ato. Elizabeth Reaser compõe uma mãe crível e frágil, enquanto Henry Thomas vive um padre sensível que foge dos estereótipos cansados, não sendo usado como figura de ceticismo, como ocorre em outros filmes do gênero.
O último ato talvez seja o ponto mais fraquinho do filme, cedendo um pouco aos clichês ruins e acelerando demais onde antes havia cuidado com o tempo. Mas mesmo com algumas decisões previsíveis, Ouija: Origem do Mal sustenta sua qualidade. É um trabalho de direção consciente, fotografia impecável, montagem inteligente e atuações acima da média. Nada aqui foi feito no automático, e isso se nota em cada plano.
Flanagan prova que não é preciso fugir dos formatos para fazer bom terror, basta tratá-los com respeito, técnica e um mínimo de ambição artística. Esse filme é prova de que, com mãos certas, até uma franquia desacreditada pode render algo honesto, bem feito e bom de se ver.
Ouija: Origem do Mal (Ouija: Origin of Evil) EUA, 2016
Direção: Mike Flanagan
Roteiro: Mike Flanagan, Jeff Howard, Juliet Snowden
Elenco: Elizabeth Reaser, Lulu Wilson, Annalise Basso, Henry Thomas, Parker Mack, Doug Jones, Kate Siegel, Sam Anderson, Chelsea Gonzalez, Lincoln Melcher, Alexis G. Zall, Halle Charlton, Nicholas Keenan, Michael Weaver, Ele Keats, Eve Gordon, Nina Mansker, John Prosky, Lin Shaye, Emily Brobst
Duração: 99 min.