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Crítica | Ozark – 3ª Temporada

O custo da ambição.

por Kevin Rick
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Ozark é uma série que tem tido uma trajetória extremamente interessante na Netflix. A obra começou de maneira relativamente tímida, sem muito buzz no seu lançamento, e sendo constantemente comparada com Breaking Bad como uma versão menos primorosa da famosa série protagonizada por Walter White. Avançamos para alguns anos depois e Ozark se consolidou como uma das melhores séries dramáticas da última década, se tornando figurinha carimbada em premiações e ganhando lugar de destaque no insano catálogo da Netflix. Sua terceira temporada, aliás, vem sendo coroada pelo público e pela crítica como o melhor ano da obra, enquanto a 4ª temporada está batendo às portas com um hype gigantesco.

Confesso que, em relação a 3ª temporada, estou na contramão da maioria. Eu diria que é o ano mais fraco da série, ainda que, como a nota acima expõe, tem uma baita qualidade. Depois que o segundo ano focou na construção de um cassino no lago Ozark, com muito jogo de suspense (e morte) entre os diferentes grupos que circulam essa empreitada (os Byrdes, a família Langmore, o casal criminoso dos Snell, os agentes Petty e Evans, o empresário Wilkes, e, claro, o cartel), esta temporada faz um salto temporal de seis meses, com o cassino em pleno funcionamento e uma guerra de cartéis acontecendo no México. Além disso, o irmão de Wendy, Ben Davis (Tom Pelphrey, soberbo no papel), um homem com problemas mentais e emocionais, entra em cena para passar um tempo na casa da família Byrde.

A guerra entre Navarro e um cartel inimigo, assim como a entrada de Ben, simplificam muito bem a maneira que Bill Dubuque constrói sua narrativa. Por um lado, temos conflitos externos de grande antagonismo e perigo, e por outro conflitos internos no seio familiar, com ambos se ligando e retroalimentando para pintar o caos de situações-limites e escolhas extremistas. Diferente de Família Soprano, por exemplo, que usa a máfia como pano de fundo para fazer um estudo de personagem introspectivo, e também diferente de Breaking Bad, mais focado em seus protagonistas mergulhando no crime do que no meio doméstico, Ozark gosta muito mais do equilíbrio entre drama familiar e crime. Até essa temporada, pelo menos.

O terceiro ano da série foca bastante no campo familiar, apesar de tirar os filhos do casal protagonista de cena. A inserção de Ben na narrativa funciona espetacularmente nesse sentido, pois depois de duas temporadas normalizando essa situação anormal para a família Byrde – os filhos são parte do negócio -, o irmão de Wendy entra na história como uma personificação de inocência mesclada com impulsividade. Chegar a ser engraçado de uma maneira trágica como um personagem bipolar com ímpeto violento é o indivíduo mais humano da obra, mas a ideia é exatamente essa. Com sua ingenuidade, sinceridade e espontaneidade, Ben serve à história como um fio condutor para o estudo de moralidade do elenco principal, confrontando Wendy (especialmente na morte) e fazendo com que Ruth (e em menor medida Jonah) reflitam sua realidade – notem como os dois personagens começam a série cínicos e adaptados, mas terminam mais empáticos e vulneráveis.

A aparição de Ben também funciona muito bem para problematizar o arco de Wendy, que circula uma ascensão ambiciosa e corruptível, procurando expandir o empreendimento familiar e entrando em contato direto com Navarro. Os episódios finais da temporada são soberbos em criar um conflito impossível para Wendy – e Laura Linney explora com esmero a ambiguidade da sua personagem. Também gostaria de pontuar como, por vários momentos, fiquei irritado com a impulsividade de Ben, o que demonstra a sensacional maneira que Dubuque arquiteta seu ambiente e reações, transformando Ben em um personagem que realmente não pertence a este universo. Além disso, ainda no assunto do drama familiar, Dubuque continua se aprofundando na pauta matrimonial de Marty e Wendy, com os momentos de terapia e a briga para quem conduz as decisões sendo construídas com extremo cuidado narrativo. Para a família Byrde, assim como Ruth, esta é a temporada mais emocional, e o roteiro consegue oferecer esse sentimentalismo sem cair num melodrama.

Os deslizes, para mim, estão no balanceamento do drama familiar com a narrativa macro de crime. O núcleo político, por exemplo, entre Wendy e Wilkes é totalmente excluído da história, sendo sugerido aqui e ali quando convém a Dubuque encontrar saídas fáceis para o enredo – Jim (Damian Young) é quase um Deus Ex Machina na temporada. O mesmo acontece com a Máfia KFC, o papel de Darlene e a auditoria do FBI nos cassinos, diluídos na narrativa sem um bom desenvolvimento. E temos oportunidades perdidas, como a Fundação Byrde que serviria como uma ótima linha para continuar o estilo sarcástico com o american way of life da temporada anterior. Tudo parece sempre voltar para o meio doméstico, com grande porção da história sendo os Byrde resolvendo seus próprios problemas.

Para o mérito do showrunner, a série “esconde” seu roteiro menos bem bolado com um encadeamento mais dinâmico, fazendo um vai-e-vem intenso entre as várias linhas narrativas. É de longe a temporada mais agitada da série, com um peso dramático e emocional explícito por causa de Ben e um tremendo senso de urgência através do papel ativo do imponente Navarro. Mesmo priorizando uma história criminosa mais superficial, e quase tangencial para a saga familiar, a 3ª temporada contém um ritmo imparável e vários desdobramentos que tornam a obra uma experiência frenética em seu constante estado de ansiedade. Eu tenho preferência pela maneira cadenciada das temporadas anteriores, priorizando um progresso metódico para suas resoluções dramáticas e construção ambiente bem lenta do suspense, mas Ozark continua sendo excepcional e surpreendente no seu terceiro ano eletrizante. E o enfoque pessoal realmente ressoa com a temporada que melhor trabalha suas figuras complexas de moralidade duvidosa. Com sua fotografia azulada e fria, Ozark continua sendo um universo visualmente único e narrativamente fascinante para visitarmos, terminando com um twist que nos deixa ansiosos para onde Marty e Wendy vão agora.

Ozark – 3ª Temporada — EUA, 2020
Showrunner: Bill Dubuque
Direção: Jason Bateman, Cherien Dabis, Amanda Marsalis, Benjamin Semanoff, Alik Sakharov
Roteiro: Bill Dubuque, Paul Kolsby, Mark Williams, Chris Mundy, Miki Johnson
Elenco: Jason Bateman, Laura Linney, Sofia Hublitz, Skylar Gaertner, Julia Garner, Lisa Emery, Charlie Tahan, Janet McTeer, Tom Pelphrey, Damian Young
Duração: 10 episódios de aprox. 60 min.

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