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Crítica | Ozark – 4ª Temporada (Parte 2)

O final da história dos Byrdes.

por Kevin Rick
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Gostaria de começar a crítica dizendo algo: o final de Ozark é um dos mais perfeitos e corajosos desfechos na história televisiva. Não irei me debruçar sobre a conclusão da obra ainda, mas quis fazer esta afirmação logo de cara porque notei que grande parte da audiência não apreciou o encerramento da série. Acredito que a recepção divisiva venha de uma falta de ponderação sobre o que os roteiristas sempre idealizaram na forma de contar a história dos Byrdes: cinismo e anticlímax. Normalmente, quando classificamos um momento ou uma obra como “anticlimática”, estamos dando um sentido pejorativo, mas não no caso da linguagem narrativa de Ozark.

Peguemos, por exemplo, a abertura da segunda parte da temporada final em torno de Ruth procurando sua vingança contra Elizonndro. A personagem mata o personagem no final do episódio, mas percebam como o momento é banal e súbito, quase como se ele não importasse. Existe um impacto, com certeza, mas a direção é simples, o corte da cena é rápido e até a forma como acontece é meio trivial (Wendy liga, Elizonndro vem, Ruth atira). O que realmente importa para o roteiro é o antes e o depois do ato. Passamos o episódio todo assistindo Ruth refletindo sobre sua decisão, muitas sequências com ela simplesmente parada na camionete, tendo flashbacks com Wyatt, e até um momento quase alegórico na lanchonete com um rapper em que Ruth reflete sua posição no mundo (afinal, Ozark também fala muito sobre pirâmide social com crime e capitalismo).

O ponto é: o episódio inteiro é uma bolha de estresse emocional. Como disse na crítica da primeira parte da quarta temporada, Ozark é mais interessante tensa do que intensa, cheia de situações impossíveis mergulhadas em angústia e apreensão. É por isso que há esta sensação (positivamente) anticlimática na obra, vista desde a queima lenta narrativa até a fotografia azulada visualmente sem ambição. A parte mais interessante disso tudo é como os roteiristas pontualmente espalham doses de explosão pela narrativa para servirem tanto de estopim, como a morte de Elizonndro que desencadeia um efeito dominó de problemas, quanto como um lembrete do caos durante o ritmo cadenciado e direção dilatada da história, especialmente quando “tudo parece bem” – a cena do acidente de carro é a maior metáfora para isto, mas também há as duas reviravoltas no último episódio, da morte de Ruth e a cena final com o investigador.

Como sempre, a série procura diferentes antagonistas, sendo que nesta reta final o texto é mais voltado para o meio familiar, desde a briga com o pai de Wendy até o papel ativo da mãe de Elizonndro. Tenho, porém, algumas ressalvas com o retorno de tantos personagens antigos, algumas tramas que não dão em lugar nenhum (principalmente o lado político) e alguns flashbacks desnecessários – a cena da morte de Ben é emocionalmente avassaladora, mas parece sem propósito e sem organicidade narrativa. Também existe uma certa fixação dramática com a maldade de Wendy que me desagradou, ainda que a mudança hierárquica entre ela e Marty seja inteligente nas relações de poder que a série debate –  gosto das performances dos atores em torno disso, com Bateman assumindo mais emoção e Linney mais dissimulação e psicose.

Tirando os pequenos incômodos, o enredo faz um ótimo trabalho na convergência de tramas (a descoberta da Camila é fantástica, por exemplo) e na sensação caótica de um problema sobrepondo um novo problema (os Byrdes estão manipulando chefes de cartéis enquanto lutam pela custódia dos filhos; fazem jogos políticos com figurões e o FBI, mas ainda sofrem com escolhas morais). Também é de se apreciar os diferentes cenários estressantes nos últimos sete episódios, como Marty no México ou então a sequência comicamente ácida da briga de trânsito culminando na fiança. Esta última situação, aliás, faz parte do pacote de cenas satíricas da obra, demonstrando que Ozark é mais Beleza Americana do que Breaking Bad.

Aproveito esse gancho para retornar ao tópico de cinismo que citei no começo da crítica. Tematicamente, a segunda parte da temporada, especialmente o último episódio, encapsula perfeitamente a narrativa imoral e cínica de Ozark. Os vilões vencem, fazendo um pacto numa funerária (simbologia é eufemismo), incluindo no meio a vitória parcial do pai de Wendy. E as vítimas perdem, desde Sam abraçando o diabo, os representantes da lei (Maya e Mel) fracassando e, claro, a morte da personagem mais humana que acompanhamos. É por isso que o final é perfeito e corajoso, seguindo a linguagem narrativa estressante e cadenciada da série ao negar uma grande clímax (notem como Wendy e Marty não fazem nada no desfecho), assim como passa seu retrato ácido do sonho americano, dinâmicas de poder, jogo de ambição e estrutura social ao matar o coração da série. Acredito que Ozark sofra com alguns errinhos de abordagem narrativa e o momento final perde força representativa pela falta de desenvolvimento de Jonah e Charlotte, mas finaliza a história proposta com perfeição: a transformação dos Byrdes em monstros… vencedores. Não à toa um dos temas recorrentes no ato final seja o amor perturbado e sádico da família.

Ozark – 4ª Temporada — EUA, 2022
Criação: Bill Dubuque, Mark Williams
Direção: Jason Bateman Andrew Bernstein, Alik Sakharov, Robin Wright
Roteiro: Bill Dubuque, Paul Kolsby, Mark Williams, Chris Mundy, Miki Johnson
Elenco: Jason Bateman, Laura Linney, Sofia Hublitz, Skylar Gaertner, Julia Garner, Lisa Emery, Charlie Tahan, Tom Pelphrey, Damian Young, Alfonso Herrera
Duração: 07 episódios de aprox. 60 min.

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