Home TVTemporadas Crítica | Ozark – 4ª Temporada (Parte 1)

Crítica | Ozark – 4ª Temporada (Parte 1)

O início do fim.

por Kevin Rick
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Ozark retorna para sua última temporada, e junto dela, a contínua desgraça dos Byrde e das outras figuras do Lago de Ozarks, como rapidamente exposto na cena de abertura da série com o acidente de carro da família protagonista. Eles não têm uma pausa, não é mesmo? Após isto, a série volta quase imediatamente para o plot twist da terceira temporada, logo depois de Omar Navarro matar Helen Pierce, deixando Marty e Wendy sujos de sangue e de pedaços de cérebro. Em meio a uma festa na casa de Navarro, o narcotraficante ordena sua próxima tarefa para o casal ainda assustado. Ele quer fazer um acordo com o FBI para se mudar para os EUA e viver em meio a riqueza lícita construída pelos protagonistas. É o sonho americano, não é mesmo?

Essa atribuição de Navarro é o mote da temporada, com os protagonistas se desdobrando para firmar um acordo que satisfaça seu chefão do crime, o FBI, o governo americano e até uma indústria farmacêutica. Tudo enquanto precisam sobreviver ao perigoso Javi Elizonndro (Alfonso Herrera), o sobrinho impulsivo de Navarro que quer tomar o poder e vê em Wendy e Byrde uma ameaça. Como sempre, a promessa que mantém os protagonistas trabalhando para o cartel é o sonho de liberdade, uma fuga ilusória que nas três temporadas anteriores foi utilizada para fazer um estudo de moralidade, sob o questionamento de até onde essa família iria para sair das garras do crime. No desenrolar dessa história cheia de situações-limites e escolhas impossíveis, pudemos ver também a natureza ambígua dos Byrde, suas ambições e egoísmos, com o ápice do debate moral da série sendo o emocionalmente soberbo ato de Wendy entregando o próprio irmão à morte.

Nesta quarta temporada, porém, há um sentimento de aceitação da família e seus princípios imorais. Existe, claro, um nível de conflito familiar bem desenvolvido como é frequente na obra, desde a rebeldia de Jonah (finalmente ganhando os merecidos holofotes) até o interessante drama psicológico de Wendy usando o irmão como publicidade para reabilitação de drogas (com uma curiosa camada de conflito interno entre culpa, interesse e negação), mas os personagens estão em tal grau afundados nesse universo que a série começa a se tornar cínica. Continua muito emocional, afinal luto é um tema constante na série, mas há menos um conflito moral, e mais um abraço do cinismo, especialmente com Wendy e Byrde. Eles realmente desdobraram todo nível ético e moral para sobreviver ou eles gostam desse mundo? A sequência que Navarro questiona Wendy sobre o “medo do silêncio” sintetiza a abordagem. Nesse sentido, Wendy é mais Walter White, e menos Skyler, por assim dizer. E Marty não é muito diferente.

Logo, trazer uma temporada mais política com o acordo do Navarro é uma escolha inteligente do roteiro. Na crítica do terceiro ano, eu reclamei do desperdício desse núcleo, com a temporada circulando em grande parte o drama familiar e o arco de Ben, e, aqui, isso é retificado. Existe um equilíbrio maior entre o âmbito íntimo dos Byrde (e dos Langmore) com a narrativa macro do crime, mantendo um tom satírico no desenrolar de negociações com políticos corruptos, a repugnante indústria farmacêutica, o governo federal hipócrita e, claro, as mentiras de Wendy na sua Fundação de fachada. E o desenvolvimento tangencial de Darlene e da Máfia KFC são mais orgânicos dentro do enredo, diferente de como achei eles deslocados na temporada anterior.

A série contém muitos momentos irônicos nessa abordagem sarcástica, como Javi dizendo para a CEO de uma indústria farmacêutica que sua família matou mais pessoas que a dele ou então a manipulação de votos. Ainda assim, não acho que seja uma sátira necessariamente cômica, e sim com um subtexto crítico e dramático para pintar o panorama cínico da realidade, e principalmente para trabalhar Wendy e Byrde nesse lamaçal de podridão. Se tenho uma ressalva na trama, é a facilidade narrativa em torno do inexplicável poder político do casal protagonista, mas é uma conveniência que estou disposto a aceitar. Além disso, gosto bastante de como Navarro é pintado como vítima em alguns momentos e também de como a grande virada narrativa é a agente Maya vencendo (por pouco tempo) o sistema.

Ademais, é preciso pontuar o ritmo e encadeamento narrativo da temporada. Eu prefiro Ozark na queima lenta, borbulhando até estourar, como acontece no sétimo episódio. A terceira temporada não foge completamente deste aspecto, mas certamente foi mais ágil. Para mim, Ozark é mais interessante quando é mais tensa do que intensa, se vocês me entendem. Leves doses de apreensão espalhadas na história, pequenos núcleos que vão se misturando como um quebra-cabeça caótico, que vão pintando o estilo de suspense e nervosismo característico da série. A adição do imprevisível Javi é um elemento que reforça isso, trazendo um antagonista à espreita com senso de urgência à la Dell no início da série.

Ozark está de volta, tão cínica e fria como seu design de produção e a gradação de cores azuladas, assim como os figurinos tendendo ao cinza, preto e azul. O ambiente da série sempre teve uma estética melancólica em meio ao suspense, e a primeira parte da temporada final toma seu tempo construindo a história mais desoladora e cínica do programa, com tons de sátira, thriller, drama familiar e suspense amarrados por um roteiro metódico, uma direção dilatada, grandes performances e um desfecho avassalador, encapsulado pelo poço de emoção que é Julia Garner. Que venha a segunda parte e o final de uma série extraordinária.

Ozark – 4ª Temporada — EUA, 21 de janeiro de 2021
Criação: Bill Dubuque, Mark Williams
Direção: Jason Bateman Andrew Bernstein, Alik Sakharov, Robin Wright
Roteiro: Bill Dubuque, Paul Kolsby, Mark Williams, Chris Mundy, Miki Johnson
Elenco: Jason Bateman, Laura Linney, Sofia Hublitz, Skylar Gaertner, Julia Garner, Lisa Emery, Charlie Tahan, Tom Pelphrey, Damian Young, Alfonso Herrera
Duração: 07 episódios de aprox. 60 min.

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