Para os amantes de música, poucas coisas são mais divertidas do que escutar em sequência a discografia de um artista e perceber as mudanças, amadurecimentos e reformulações que eles passam ao longo dos anos. Escutar o primeiro álbum dos Beatles, e comparar com Let It Be é entender um pouco do processo criativo de John, Paul, George e Ringo. O mesmo vale para outras bandas com longa discografia. Porém é difícil encontrar um grupo que teve mudança tão radical de estilo de um trabalho para o outro quanto Radiohead.
A grande maioria do público conhece a banda de Thom Yorke por seus passeios em uma música mais experimental, recheada de elementos eletrônicos unidos a melancolia única da voz e composição de seu cantor. Aos desavisados, escutar Pablo Honey, primeiro álbum do grupo, é esbarrar na estranheza de um disco que é ímpar na carreira da banda, que traz um som adolescente, cru e sem pretensões.
Sim, Pablo Honey mostra em suas 12 faixas experimentações e sonoridades que não tem correspondência com nada que o Radiohead fez no resto da carreira. Se a partir de The Bends a banda navegou pela música eletrônica fazendo um som mais alternativo, em Pablo Honey o Radiohead parecia uma banda adolescente recém formada querendo fazer uma música crua e cheia de referências. E não deixa de ser verdade.
Logo na primeira faixa, You, o Radiohead deixa claro que essa obra tem como grande foco um som simples, cheio de guitarras atacando nos power chords, que se não fossem pelas letras e voz de Thom Yorke poderiam entrar em uma lista de sons genéricos do pós-grunge.
Mas não se engane com o que a crítica especializada diz sobre o álbum: quase sempre colocado como o pior da banda, Pablo Honey na verdade sofre com o fato de ter sido feito pelo Radiohead, banda que se consagrou por fazer um som diametralmente oposto. Esqueça um pouco do artista e escute o álbum sem preconceitos. Ele diverte e cumpre o que propõe, não é primoroso, mas também não é ruim, só simples.
Apostando na dinâmica calmo/rápido nas músicas, o Radiohead mostra que ainda bebia muito na fonte do grunge, mesmo que em alguns momentos tenham dados leves mostras do que viriam a fazer ao longo da carreira. Em Anyone Can Play Guitar a intro com o forte baixo de Colin Greenwood traz um pouco do clima sombrio que as músicas da banda iriam receber a partir dos trabalhos seguintes, mas logo depois disso a música cresce em um refrão good vibes que faria jus ao REM em sua fase alegre.
Se na questão musical a banda era outra, tinham na pegada a característica que iria continuar com a banda durante toda a carreira. Thom Yorke sempre foi um cara visceral, seja na maneira de compor, cantar e fazer os arranjos nas músicas e o Radiohead sempre foi conhecido por suas músicas com carga emocional pesada, sendo tocadas como se aquela performance fosse decidir o futuro da banda. Em Pablo Honey não é diferente, principalmente por seu principal hit, Creep. Todo millennial que se preze já teve uma fase em que se sentiu deslocado do mundo, e teve em Creep um hino para fugir da fase complicada. A mistura da guitarra cortante de Johny Greenwood com a voz deprimida de Thom Yorke unida a letra mezzo autodepreciativa mezzo apaixonada fez com a música se tornasse um clássico. Tudo isso é claro, sendo tocada da maneira mais visceral possível para que a carga dramática quase exploda das caixas de som.
É curioso notar também que desde o primeiro trabalho, Thom Yorke parece querer se colocar no hall dos cantores ingleses representante dos jovens desajeitados. Se outrora esse cargo era de Robert Smith e Ian Curtis, Yorke mostra desde a primeira faixa do álbum, You, que pretende assumir essa posição, com declarações de amores tortas e um descrença com o mundo.
Escutar Pablo Honey é uma experiência curiosa, que deixa claro como uma banda pode crescer e mudar dentro da carreira mantendo sua essência musical. Se a obra não é um primor, é pelo menos coerente no que se propõe, mesmo que sendo algo simples e sem muitas novidades. Essas estavam por vir nos trabalhos seguintes.
Pablo Honey
Artista: Radiohead
País: Inglaterra
Lançamento: 22 de fevereiro de 1993
Gravadora: Parlophone, Capitol
Estilo: Rock alternativo