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Crítica | Pacificador – 1X01 a 03: A Whole New Whirled / Best Friends For Never / Better Goff Dead

Pacificador pacificado.

por Ritter Fan
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Pacificador é a primeira série do que potencialmente será a versão da Warner/DC para o que a Marvel Studios começou a fazer em 2021: usar o cada vez mais onipresente streaming para complementar e ampliar a experiência audiovisual cinematográfica de seu universo de super-heróis, caminho mais do que natural e perfeitamente esperado no mundo conectado e multiplataforma de hoje em dia. E o sempre divertido e cuidadoso James Gunn foi, para todos os efeitos, a escolha acertada para abrir essas portas, com a criação de uma série diretamente derivada – e que também é uma continuação – de seu O Esquadrão Suicida focada no violento personagem-título interpretado por John Cena, mais um da longa linhagem de lutadores/halterofilistas que tentam a sorte em Hollywood.

No fundo, a premissa é exatamente a mesma do longa de Gunn: o recrutamento de super-heróis/super-vilões – no caso apenas um – por Amanda Waller (Viola Davis, apenas em vídeo), ou seus minions, para ser mais exato, para uma missão perigosa que, aqui, é o assassinato de misteriosos alvos chamados, apenas, de Borboletas. E o diretor e roteirista faz isso sem firulas, partindo diretamente de seu filme, explicando sem enrolações como o Pacificador sobreviveu e se recuperou e já colocando-o na missão, mas não sem antes alargar um pouco esse universo ao apresentar seu pai August “Auggie” Smith, que é o obscuro vilão Dragão Branco (o sempre T-1000 Robert Patrick), um supremacista branco que fabrica armamentos e o uniforme de seu filho em um quartel-general que parece a Matrix, além da equipe que cerca o protagonista, composta de Clemson Murn (Chukwudi Iwuji), o líder, Leota Adebayo (Danielle Brooks, de Orange is the New Black), a novata e secretamente filha de Amanda Waller e Emilia Harcourt (Jennifer Holland), os músculos, e John Economos (Steve Agee), supostamente o técnico, estes últimos dois os mesmos personagens e atores do filme.

Enquanto o primeiro episódio faz essas introduções – o que inclui Eagly, a águia-de-cabeça-branca digitalmente muito bem-criada que é o “bichinho” de estimação do Pacificador – ele também trata de humanizar o protagonista. Ele continua sendo o machista e misógino de sempre, mas ele decididamente ganha atenuações narrativas que o tiram um pouco daquela pura caricatura do machão valentão que Gunn estabelece no filme. Na verdade, talvez a questão, aqui, seja que o Christopher Smith de Cena não tenha, em relação antitética, alguém como o Robert DuBois de Idris Elba ou mesmo o Rick Flag de Joel Kinnaman para criar aquela atmosfera oitentista de “bros” que permeou pelo menos dois terços do longa-metragem e, com isso, ele perde em relevância e em graça, com Gunn não conseguindo, em momento algum, fazer do Pacificador um personagem realmente interessante, nem que seja apenas por sua comicidade inerente de grandalhão musculoso fantasiado de forma espalhafatosa.

Esse é, diria, o ponto nodal problemático da trinca inicial de episódios. Gunn tenta se inspirar nos longos diálogos verborrágicos de Quentin Tarantino para criar a voz de seu Pacificador – e, não demora muito, também do insuportavelmente chato Vigilante vivido por Freddie Stroma -, mas falhando miseravelmente. Gunn não sabe – nunca soube, na verdade – trabalhar diálogos pop mais relevantes do que algumas frases de efeito aqui e ali que criam situações memoráveis por todos os cinco segundos que se seguem a elas. Não que ele não consiga criar filmes memoráveis, pois ele consegue, mas falta a ele a verve de Tarantino para ele manter uma estrutura narrativa que é quase que completamente baseada em diálogos supostamente transgressores e ousadamente engraçados.

Uso o “supostamente” logo acima porque é exatamente isso. Pacificador, nesse começo, sofre os problemas do terço final de O Esquadrão Suicida, em que Gunn desacelera e trai a promessa de tudo o que fez antes. E, na série, a coisa é ainda mais estranha, pois o que o roteirista e diretor parece fazer é seguir um formulário de “assuntos do momento que precisam ser tratados” e ele sai ticando cada um deles na base de uma frase ou uma situação por assunto que, então, ganham repetições infinitas pelos diversos minutos seguintes. Pela janela vão as críticas ao militarismo e patriotiso do personagem e todo o foco ficam em sua insensibilidade cultural que é usada ad nauseam nesse início, mas sem que Gunn ofereça qualquer elemento mais profundo do que o proverbial pires. O criador confunde abordagem transgressora com abordagem didática. Confunde paródia de um gênero, que ele fez tão bem em boa parte do filme, com comentários diluídos e, portanto, sem força. Peguem como exemplo a cena no restaurante em que o Pacificador chama a garçonete de “sweet cheeks”. Quando ele faz isso, todo mundo ali na mesa o olha horrorizado e ele não entende o porquê. A graça está aí, até esse ponto. Mas Gunn não para por aí e parte da premissa que mais ninguém entendeu o porquê e, então, faz o que nenhum comediante pode fazer: ele explica a piada. E não explica em poucas palavras não, ele cria toda uma seção de diálogo resultante desse “elogio” e quase desenha um gráfico sobre as razões de isso não ser apropriado (tem gente que reclamada do didatismo de Christopher Nolan, mas o que Nolan faz é hermético e críptico perto do que Gunn entrega aqui e na maioria das outras sequências semelhantes.

Outro exemplo? A sequência no bar com Harcourt. Nela, não só o Pacificador dá uma de stalker (que, claro, precisa ser citado com todas as letras no diálogo), como ela é importunada por um bando de idiotas que ela arrebenta em seguida e, ato contínuo, explica tudo nos seus mínimos detalhes para o panaca musculoso ao seu lado. Isso me lembra um pouco Adam McKay em Não Olhe para Cima, em que nada, absolutamente nada é deixado subentendido, com o diretor precisando pegar na mão do espectador para dizer algo como “Viu? É isso aqui que eu quis dizer com essa cena”. Será que o caminho é esse agora? Usar diálogos para explicar o que vemos como se todos nós fôssemos completos parvos incapazes de entender uma simples “série de super-herói”? Não é física quântica, Gunn, e sim, apenas, uma série escrachada para divertir e não para servir de lousa de sala de aula em que a própria definição de lousa é escrita pelo professor todos os dias no começo da lição…

Mas então porque é que eu disse que James Gunn é a escolha certa para começar a desbravar os caminhos de séries de TV para a DC? Simples: ele sabe explorar um microcosmo como ninguém e não precisa de conexões mirabolantes com o que veio antes ou com o que poderá vir no futuro para criar sua própria história. Sim, ele insere um caminhão de referências – mas eu me surpreendi com o quão poucas ele realmente usa, o que é bom – e sim, ele tem consciência de que Pacificador é a parte de um todo, mas sua capacidade de criar universos dentro de universos é patente e ele repete aqui com vontade e, não tem como negar, amor pelo que faz.

E tem mais, pois Pacificador não é horrível como meus vários parágrafos acima talvez deixem entrever. Trata-se de uma série boa que, mesmo batendo na mesma tecla infinitas vezes, conta com John Cena sendo apenas John Cena, o que é engraçado por si só, Danielle Brooks mais uma vez mostrando a excelente atriz que é, só faltando seu personagem ganhar mais desenvolvimento, o que tenho certeza de que acontecerá, uma história simples, sem dúvida, mas eficiente e objetiva que pode ter desdobramentos interessantes ao longo dos demais capítulos e, claro, uma águia de estimação. Não há como errar com uma águia de estimação, evidentemente.

Além disso, não podemos esquecer das sequências de ação. Elas são muito boas, especialmente a pancadaria com a meta-humana que fecha o primeiro episódio e a fuga idiota do Pacificador pelo prédio dela. A luta é muito bem coreografada e a direção de Gunn não só coloca o espectador no meio do conflito, como faz com que cada soco, chute ou facada realmente valham e tenham efetivo peso dramático. Não é aquele tipo de lutinha limpa que tanto vemos por aí, mas sim uma explosão de visceralidade que ainda tem a função de mostrar o quão despreparado é o protagonista. E a fuga do prédio tem excelentes momentos, como quando ele sequestra o casal e a mulher começa a brigar com o marido e a flertar com Chris e, claro, os pulos de balcão em balcão em que a dor que nós sentimos consegue ser maior do que a do personagem se estatelando a todo momento. Aqui, Gunn consegue reunir muito bem, em um conjunto coeso, a seriedade e o pastelão, o que ele infelizmente não consegue repetir nos diálogos.

Pacificador diverte. Mas só. Não deveria ser o suficiente para a primeira série da DC nessa nova fase do streaming conversando com o cinema. E sim, tenho plena consciência de que o Pacificador é um personagem trash que tinha que ter uma abordagem trash. Mas acontece que esse nem de longe é o problema, pois o problema é justamente Gunn não conseguir dar a ele essa abordagem, em linha semelhante ao que vemos no começo de O Esquadrão Suicida. Até o final do terceiro episódio, o que vemos é um Pacificador completamente pacificado e domesticado, fazendo apenas o mínimo necessário para nos lembrar de sua versão muito superior no longa. Ainda há muitos episódios pela frente, porém, e, com eles, espaço amplo para melhorias, mas Gunn precisa parar de querer ser bonzinho e mergulhar de verdade no escracho para realmente fazer sua série funcionar para além da superfície envernizada com transgressão para inglês ver.

Pacificador – 1X01, 1X02 e 1X03: A Whole New Whirled / Best Friends For Never / Better Goff Dead (Peacemaker – EUA, 13 de janeiro de 2022)
Criação: James Gunn
Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn
Elenco: John Cena, Danielle Brooks, Freddie Stroma, Chukwudi Iwuji, Jennifer Holland, Steve Agee, Robert Patrick, Annie Chang, Lochlyn Munro, Elizabeth Ludlow, Rizwan Manji, Alison Araya, Lenny Jacobson, Nhut Le, Antonio Cupo, Viola Davis
Duração: 46 min. (1X01), 40 min. (1X02), 39 min. (1X03)

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