- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios da série.
Que Mais Porta Dizer?, episódio que marca a metade da segunda temporada de Pacificador, contém uma cena que é quase um exemplo eficaz de metalinguagem se o objetivo dela fosse ser um exemplo de metalinguagem, o que muito obviamente ela não é. Falo da sequência em que John Economos, daquele seu jeito sem jeito, faz o que pode para atrasar a decodificação da fechadura eletrônica da porta da Câmara Quântica da casa de seu amigo Chris. Afinal, o que foi o capítulo que não James Gunn, daquele seu jeito sem jeito, fazendo o que pode para atrasar mais uma vez o começo efetivo da temporada? Se pelo menos a enrolação tivesse momentos que valessem a espera, nada a reclamar (tanto), mas não é isso o que acontece e, se Outro Rick na Manga prometia algo de interessante, tudo o que ganhamos aqui foi a mequetrefíssima “história de origem” do gadget multidimensional do pai do Pacificador.
Gunn, quando se propõe a fazer comédia, acerta muito mais quando a comédia é um elemento de uma narrativa de cunho mais dramático e não como seu foco. Suas tentativas de manter o mesmo nível de comicidade por toda a duração de seguidos episódios é falha no nascedouro, com diálogos e situações que muito mais parecem fluxo de consciência de alguém que acabou de experimentar LSD do que de alguém que realmente tenta escrever algo engraçado. Quando, porém, o humor é adjacente à narrativa central, como acontece, por exemplo, na Trilogia Guardiões da Galáxia ou no recente Superman, tudo melhora, pois o problema está em sustentar por tempo demais algo que só tem graça por poucos segundos. E eu compreendo que muitos achem Pacificador engraçado, mas eu não consigo deixar de pensar que é quase como uma tentativa de se agarrar com todas as forças em algo que se vende como humor adulto, mas que é só humor infantil com palavrões e com gente pelada.
O episódio só acerta no tom cômico – e ele acerta – quando o texto abraça de verdade o completo absurdo, o exagero imbecil, quase agressivo, e isso só acontece nas sequências em que o caçador de águias Red St. Wild, personagem de Michael Rooker, está em cena, da mesma maneira que aconteceu quando Langston Fleury foi introduzido (falando em sustentação de piadas, acabou a graça de Fleury, não é mesmo?). A sana matadora politicamente incorreta do sujeito, seu uniforme indígena mais politicamente incorreto ainda, seus comentários idiotas e completamente sem sentido, e, depois, sua conclusão insana sobre o significado das “duas águias” e, ao final, a revelação de seu poder de projeção astral para localizar Eagly formam um conjunto inegavelmente inspirado, com Rooker divertindo-se demais no papel justamente por todo o absurdo que é a coisa assim como a “cegueira aviária” de Fleury foi por uns minutos. Red St. Wild é Gunn no alto de sua inspiração, mas o personagem e suas ações encapsulam a natureza de esquete de força cômica que marca o humor do roteirista.
O que por outro lado irritou demais no que se refere a St. Wild foi a necessidade que Gunn sentiu de explicar tudo o que fez, usando Economos como seu porta-voz. Não é insuportável quando alguém precisa explicar a piada? Afinal, ou ela não é engraçada o suficiente ou o piadista acha que seu interlocutor é burro demais para entender. Para que Economos precisa verbalizar questões de apropriação cultural, caça cruel aos animais e demais problemas evidentes que são justamente o coração do personagem de Rooker? E porque Economos precisa repetir isso não uma, não duas, mas três vezes? Só faltou uma narração em off ao final para explicar o que St. Wild estava fazendo no meio do mato com aquele encantamento. Explicou a piada, perdeu a piada.
E o resto? Bem, é o cachorro correndo atrás do rabo que tem sido a marca da temporada. Somos relembrados que Harcourt é problemática e autodestrutiva somente para que Rick Flag Sr. entre no jogo e use isso para fazê-la trair o Pacificador (se, claro, ela não tiver outro plano para aquela reviravolta “esperta”) e, mais ainda, ganhamos uma recapitulação detalhada sobre dimensões paralelas em geral e do suposto “mundo melhor” que Chris achou na Câmara Quântica pelo próprio Chris para uma descrente Adebayo em uma participação nessa temporada que simplesmente desperdiça Danielle Brooks, tudo, provavelmente, para a revelação de que esse mundo melhor não é melhor coisíssima nenhuma.
Por último e sempre tem algo por último em uma crítica, pois é necessário redigir uma conclusão que não introduza ideias novas, mas resuma o que veio antes de forma a entregar um fechamento ao leitor, fechamento esse que fica potencialmente mais interessante se houver circularidade na narrativa, chegamos ao fato inegável que Que Mais Porta Dizer? é uma enrolação infinita que parece esse parágrafo aqui que, diferente da cena de Economos abrindo a fechadura, tenta ser metalinguístico, mas que não consegue cumprir sua missão com eficácia pela incompetência de quem o escreve, exatamente como acontece com o roteiro do episódio. Mas pelo menos temos Red St. John para rir um pouco que seja…
Pacificador – 2X04: Que Mais Porta Dizer? (Peacemaker – 2X04: Need I Say Door – EUA, 11 de setembro de 2025)
Criação: James Gunn
Direção: Peter Sollett
Roteiro: James Gunn
Elenco: John Cena, Danielle Brooks, Freddie Stroma, Jennifer Holland, Steve Agee, Robert Patrick, David Denman, Frank Grillo, Sol Rodríguez, Tim Meadows, Michael Rooker, Nhut Le
Duração: 39 min.