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Crítica | Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez

30 anos depois, mas o que mudou?

por Felipe Oliveira
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Faltava pouco para a virada de mais um ano quando a atriz e bailarina Daniella Perez foi assassinada na noite de 28 de dezembro de 1992. Estrelando sua terceira novela, a carreira da artista seguia em ascensão com a prestigiada De Corpo e Alma em fase final na rede Globo quando o seu colega de elenco que complementava o arco de triângulo amoroso na trama, Guilherme De Pádua, foi descoberto como um dos autores do crime ao lado de sua ex-esposa Paula Thomaz. Na vez, a revelação da tragédia sofreu com o efeito imediato da repercussão midiática por envolver a morte de uma atriz pelas mãos do seu colega de cena, o que serviu de fácil combustível de discutir não a natureza do crime, e sim, espelhar o imaginário da audiência pela dramaturgia e o teor chocante do crime como comoção para alimentar as narrativas trazidas pela mídia em cima da tragédia, fazendo da vítima o seu objeto de pauta.

Lançado em julho de 2022, na HBO Max, o documentário de cinco episódios Pacto Brutal: Assassinato de Daniella Perez revisita o crime 30 anos depois com uma versão longe do tratamento compartilhado pela mídia durante todo o processo de investigação justamente para expor a exploração da imprensa no caso. Em um momento em que produções sobre true crime estão cada vez mais em alta, a minissérie chega para chamar a atenção para outros pontos pertinentes além de criticar o show entre tragédia e celebridades proposto pela mídia, mas também para falar de jurisdição e impunidade, e dar a voz um lado que foi abafado: a família, amigos e Gloria Perez. Afinal, parecia muito fácil se apoiar na repercussão narrativa dos veículos de mídia e esquecer da vítima, o que envolvia também o desleixo por parte da investigação.

Não demora muito para o telespectador se deparar com as fotos chocantes de quando Daniella foi encontrada, coisa que Gloria fez questão de revelar como forma de deixar claro a gravidade do crime e também ser uma das bases de discussão para sua natureza, detalhe que não era debatido na época além de tratar como um crime passional. Há pouco mais de sete anos desde que o feminicídio passou a integrar a legislação brasileira, e ainda assim, demorou e é um processo em evolução para as pessoas enxergarem a configuração do crime longe da perspectiva machista que são influenciadas, e em 1993, o termo sequer era conhecido, e o que a mídia fez foi se apropriar da narrativa da novela, do romance entre os personagens e aplicar sobre a difusão do caso, o que fazia as pessoas se perguntam: como ela ela foi parar lá? Eles tinham mesmo um relacionamento?

Em um momento da minissérie, Gloria relata que, para ela, as fotos publicadas nas capas de revistas com Daniella e Guilherme como Yasmin e Bira, seus respectivos personagens em De Corpo e Alma, eram muito mais agressivas do que as imagens do corpo morto da filha, porque ali era mídia fazendo seu palco, simplesmente fixando no imaginário de inúmeros consumidores a narrativa de que ambos os colegas de cena viviam um romance na vida real, isso durante o desdobramento da investigação. Isso serve como demonstração de como a mídia se aproveita de qualquer ângulo que seja de um acontecimento e faz dele o seu meio de exploração. Nesse caso, a notícia do crime dividia espaço com o alvoroço e holofotes de um crime brutal: de um lado, a família e membros próximos lidando com o choque de uma tragédia que não demoraria a achar o culpado, de outro, a imprensa e as pessoas  vestindo da comoção “para fazer parte” da dor.

Em cada episódio, a produção foca em uma etapa da investigação, e os dois últimos são excelentes exemplos de como a presença da mídia influenciava constantemente o andamento do caso, uma vez que toda nova informação se tornava uma desculpa que dificultava a resolução. A consequência disso foi ter a dupla de assassinos trilhando um estrelato em cima do caso, haja vista que recebiam os holofotes para falar sobre o que fizeram, então, enquanto os esforços da investigação pareciam desviar de um fechamento, a cobertura do imprensa se tornou sobre o que os réus tinham a dizer. Era tudo sobre o momento, menos sobre a vítima. Assim a minissérie revela as muitas visitas que Guilherme recebia durante a prisão, as imagens de ensaio fotográficos, as entrevistas. De todo modo, a mídia o fez atingir o objetivo do crime por ganância: a fama e atenção imediata — o documentário veio para narrar um outro lado sufocado na época do crime, mas a internet está refletindo aquele mesmo cenário com os á vários conteúdos brotando na web.

Contando com vários relatos, o roteiro de Guto Barra foi essencial por dar liberdade a Gloria Perez de trazer informações exclusivas, com uma sinceridade e vulnerabilidade ao se abrir que preenche a produção. No episódio 3, ficamos a par do papel desempenhado pela autora como uma mãe que não cessaria até ter todas as respostas sobre o crime brutal que tirou do nada sua filha. Nesse exemplo, o material revela o desleixo e frouxidão da justiça para se comprometer com a investigação, o que coube a Gloria não só reunir provas com testemunhas que fechariam como e o porquê o crime aconteceu, mas protagonizar um momento de mudança ao lado de parceiras, mãe afetadas pela impunidade ao fazer o crime por homicídio qualificado ser considerado na Lei de Crimes Hediondos. Em 1997, após longos quatro anos o julgamento veio, o que é relatado no capítulo final deixando um questionamento direto: justiça?

Isso é uma resposta que o telespectador terá ao conferir o documentário, vendo de fora como a repercussão rebate: de um lado a reação chocante e revoltante por um crime frio, brutal e sua impunidade, de outro, a mídia e o sistema de redes mantendo o forro de holofotes e sensacionalismo.

Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez (Brasil, 2022)
Direção: Guto Barra, Tatiana Issa
Roteiro: Guto Barra
Elenco: Gloria Perez, Raul Gazolla, Fabio Assunção, Eri Johnson, Alexandre Frota, Claudia Raia, Caco Coelho, Glória Maria, Maurício Mattar, Wolf Maya, Cristiana Oliveira
Duração: 60 min (5 episódios, cada)

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