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Crítica | Padre Brown: A Cruz Azul, de G. K. Chesterton

A estreia de um importante personagem da literatura policial.

por Luiz Santiago
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Eu já comentei isso aqui no Plano Crítico, mas este é um bom momento para repetir: a escrita de P. G. Wodehouse e a escrita de G. K. Chesterton estão em posições bem altas naquela seleta lista dos autores com estilo e conteúdo mais elegantes e gostosos de se ler. Tendo oficializado o seu ofício de escritor após o sucesso de O Defensor (1901), Chesterton criaria um personagem que o colocaria entre os grandes autores da literatura policial no mundo, personagem este que nasceu na coletânea de contos A Inocência do Padre Brown (1911), onde o autor apresenta ao mundo a figura de um sacerdote baixinho, com cara de pudim de Norfolk e olhos tão vazios quanto o Mar do Norte. Vale ainda dizer que esse personagem foi inspirado em John O’Connor (1870 – 1952), um pároco em Bradford que esteve envolvido na conversão de Chesterton ao catolicismo, em 1922. Inteligente, corajoso, irônico, compassivo e entendedor das coisas divinas e das muitas misérias humanas, padre Brown resolverá casos baseados em sua interessantíssima intuição e através de um método investigativo que é uma verdadeira caixinha de surpresas.

Originalmente publicado em 23 de julho de 1910, sob o título de Valentin Follows a Curious Trail, no Saturday Evening Post (EUA) este primeiro conto do clérigo detetive só chegou ao Reino Unido em setembro daquele ano, na revista The Story-Teller, já com o título pelo qual ficou definitivamente conhecido: A Cruz Azul. Por ocasião de um Congresso Eucarístico em Londres, o padre Brown está na cidade, assim como o famoso ladrão Hercule Flambeau e o também famoso detetive Aristide Valentin. A caçada ao ladrão (cujo senso de humor, o cinismo e as ações nos lembram imediatamente Arsène Lupin, criado cinco anos antes) é o ponto de partida do conto e, na maior parte do tempo, o leitor não tem o prazer da presença do religioso rechonchudo investigando o caso. O que descobrimos depois é que Brown estava o tempo inteiro lá, agindo indiretamente e com um propósito muito claro, mas que só conseguimos entender quando chegamos ao fim da aventura.

Uma das marcas da literatura de Chesterton é o humor que ele consegue trazer para o enredo através de uma abordagem física, simbólica e também literal (pelos diálogos entre os personagens ou pelas descrições do narrador). Em A Cruz Azul o humor está presente desde o início, seja pelas observações inocentes que colocam Valentin em contato inicial com o padre Brown, ainda no trem; seja pelo desenvolvimento da caçada a Flambeau, cercada de misteriosos acontecimentos engraçados e inocentes. Esse inquieto desenvolvimento traz algumas perguntas para o leitor, que se preocupa se haverá tempo para um bom encerramento da história ou mesmo para a demonstração de alguma habilidade investigativa do padre Brown. O que Chesterton nos entrega, porém, vai muito além disso.

Os ingredientes esperados de uma narrativa policial estão todos aqui. Por esperá-los, somos bem recompensados. Em adição a esse bom mistério, porém, o autor demonstra com imenso carisma o pensamento do padre Brown, sua dedicação ao evangelho e o que ele representa nessa trama, unindo um homem simbolicamente alquebrado e que “ainda tem salvação” (o bandido) e um homem apaixonado demais por seu amor à razão (o detetive). Os símbolos em torno dessa história são ainda mais marcantes. A cruz coberta de pedras preciosas é o item de desejo do bandido, mas assume o óbvio sentido de salvação, da vontade divina que “jamais pode ser roubada“. Os artifícios utilizados pelo padre para enganar seu oponente são ingênuos, no melhor sentido da definição, e ao mesmo tempo quase evangelizadores.

Terminar uma história policial com uma belíssima conversa sobre a difícil costura entre fé e razão, entre filosofia e teologia, entre o pensamento prático e empírico sobre o Universo em oposição ao pensamento espiritual sobre tudo o que nos cerca não é para todo mundo. Chesterton faz de A Cruz Azul um excelente palco para a exibição total do padre Brown, de suas ideias e habilidades à sua visão religiosa e atitudes numa situação de crise. É muito difícil não ficar impressionado com as observações dedutivas do religioso (a visão do bracelete foi o único elemento forçado, embora seja bastante realista) e com tudo o que ele conhece do lado mais sombrio do homem e da sociedade onde vive. Uma daqueles estreias que deixam o leitor perdidamente apaixonado pelo personagem e pelo seu Universo.

Padre Brown: A Cruz Azul (Father Brown: The Blue Cross)
Autor:
G. K. Chesterton
Publicação original – EUA:
Saturday Evening Post, 23 de julho de 1910
Publicação original – UK: The Story-Teller, setembro de 1910
Primeira publicação em coletânea: A Inocência do Padre Brown (The Innocence of Father Brown, 1911)
No Brasil: L&PM (2010) e Sociedade Chesterton Brasil (2018)
Tradução: Grupo organizado por Beatriz Viégas-Faria (L&PM) e Carlos Nougué (Sociedade Chesterton Brasil)
30 páginas

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