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Crítica | Paisà

por Roberto Honorato
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No começo da primavera, a guerra tinha acabado.

O termo “paisàn” vem da língua napolitana, uma denominação afetiva para aqueles “vindo da mesma vila”, o tipo de pessoa na qual pode confiar, um amigo. É uma decisão de título conveniente para o segundo filme da trilogia da guerra de Roberto Rossellini, um que aborda a relação entre a Itália e os Estados Unidos durante a ocupação nazista. Ao contrário de Roma, Cidade Aberta, onde o diretor utiliza uma ótica mais íntima do cotidiano e aborda questões sociais pertinentes ao país, Paisà segue uma perspectiva mais ampla, focando bastante nas tentativas de comunicação entre os aliados. Para isso, o filme é dividido em seis segmentos, histórias individuais sem conexão, com exceção do tema central da obra: representar a Itália durante sua libertação de um regime fascista.

O filme se compromete em explorar os obstáculos culturais, cada segmento tem seu próprio tom, muitas vezes mostrando o contraste entre os povos e a ironia em assumir que devemos ter uma reação universal a todo tipo de conflito. A estrutura em antologia é uma que costuma me incomodar por conta da maneira como involuntariamente acabamos tendo reações diferentes a cada história apresentada, o que pode afetar negativamente a experiência de um segmento ou outro por conta de comparações.

Felizmente, Paisà tem um bom ritmo capaz de manter sua atenção até mesmo nas partes mais distintas, aquelas onde nos distanciamos do campo de batalha e temos uma trama quase obscura, como acontece na história sobre três capelães militares norte-americanos lidando com as reações preconceituosas de um monastério católico. Rossellini faz um ótimo trabalho com as sombras e as instalações do local (graças ao orçamento maior que do filme anterior), e a interpretação de William Tubbs, como o Capitão Bill Martin, é impressionante. O mais curioso e fascinante é lembrar que o elenco é composto em sua maioria por atores iniciantes (para ser mais exato, pessoas que sequer tinham a intenção de atuar), o que mais uma vez revela a genialidade do diretor em capturar performances comoventes no ordinário. 

Explorando as histórias podemos ver como é necessário para o diretor a comunicação, logo no primeiro segmento, talvez o mais deprimente, envolvendo uma patrulha de reconhecimento em uma pequena vila na Sicília, procurando por um habitante capaz de ajudá-los como guia pela ilha. Eles encontram a jovem Carmela, que tenta se comunicar com Joe, um dos soldados, mas há um fim trágico para os dois lados. Outro caso onde o desentendimento move a trama é na narrativa do relacionamento entre o soldado Fred e a prostituta, Francesca. Enquanto Fred devaneia sobre uma antiga paixão, não percebe estar falando da mulher com quem passou a noite inteira. 

Além destas relações mais íntimas, partimos para Nápoles e seguimos Joe (mais um, sem relação com o anterior, talvez uma brincadeira com a expressão “regular joe”, que significa algo como “um cara qualquer”), um militar negro sem intenções de voltar para seu país, onde o racismo faz parte do seu cotidiano. Ele confessa isso para um garoto de rua chamado Pasquale, que aproveita a embriaguez de Joe e rouba seus sapatos. Quando percebemos que a situação do garoto é mais desoladora que imaginamos, temos uma das críticas aos próprios aliados, responsáveis pela tragédia de Pasquale. O que se destaca aqui é a representação não-estereotípica de um personagem negro em uma época pela qual o cinema tenta compensar até hoje. 

Assim chegamos aos dois capítulos de maior impacto visual, um deles envolvendo uma enfermeira e um partisan tentando atravessar uma das zonas mais perigosas de Florença, o outro sobre como a relação entre os americanos e italianos evoluiu e agora lutam juntos (encerrar o filme com este curta foi uma jogada inteligente para mostrar o desenvolvimento entre segmentos). Ainda que o primeiro caso tenha uma linha narrativa mais clara e o segundo seja bem similar à história de Carmela, envolvendo problemas de interpretação, os dois tem as composições mais estarrecedoras do filme, mesmo que possuam a beleza da fotografia, principalmente na sequência onde vemos uma criança chorando entre os corpos dos soldados. 

Paisà é outra obra indispensável de Rossellini, com um estilo mais documental, incluindo narrações e imagens de arquivo, que mostra o poder do neo-realismo italiano em assumir o papel de retratar as marcas da guerra sem restrições.

Paisà — Itália, 1946
Direção: Roberto Rossellini
Roteiro: Sergio Amidei, Federico Fellini, Roberto Rossellini, Klaus Mann, Marcelo Pagliero, Alfred Hayes
Elenco: Carmela Sazio, Robert Van Loon, Benjamin Emanuel, Raymond Campbell, Dots Johnson, Maria Michi
Duração: 134 minutos (versão restaurada)

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