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Crítica | Pânico (2022)

O legado de Wes Craven é retomado nesta nova trajetória de Ghostface.

por Leonardo Campos
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Para Wes. Assim sobem os créditos de Pânico, nova empreitada nesta franquia sólida e envolvente. Quando contemplamos a homenagem, o coração se aquece, principalmente depois da intensa montanha-russa de emoções de um filme que acerta em cheio ao retomar um respeitado legado de horror, mantendo-se firme em seus atributos dramáticos e estéticos, em suma, um filme de primeira linha, espetáculo de referências metalinguísticas que pode se gabar de não atender apenas aos fãs, mas funcionar como uma experiência cinematográfica arrebatadora. Poucos universos conseguem tal coesão e desta vez, os realizadores demonstraram domínio dos tópicos temáticos iniciados na fictícia Woodsboro, em 1996, numa abordagem que agora deve abrir espaço para uma nova linha de filmes, esperamos, dentro do mesmo padrão de qualidade. Funcionando como entretenimento e reflexão, a narrativa dialoga com cinefilia, violência, redes sociais e aplicativos, debochando de si mesma ao emular traços dos filmes anteriores numa perspectiva autocrítica, comprovando que mesmo sem Wes Craven na cadeira de diretor, a franquia pode continuar sendo administrada. Antes da análise propriamente dita do filme, proponho um breve panorama histórico, combinado?

Quando lançado em 1996, Pânico foi um fenômeno. Com bilheteria inibida no primeiro final de semana, o filme deslanchou com a crítica especializada e os comentários entre interessados por um subgênero que na época, tinha passado por um período decadente, sendo O Mistério de Candyman e O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger (também do Wes) dois dos poucos bons momentos da fase que intitulo Slasher Tardio. Em linhas gerais, Kevin Williamson, um admirador de Halloween: A Noite do Terror, entregou o seu roteiro para um agente que permitiu a chegada do material nas mãos do mestre. O resto é uma rentável história. Sagaz, insano e com final diferenciado dos demais filmes deste segmento, a primeira aparição de Ghostface flertou com as múltiplas referências típicas da cultura pop da década de 1990, vide Quentin Tarantino e suas narrativas que brindavam os cinéfilos com diálogos envolventes, voltados ao ato de referenciar o cinema e permitir que os espectadores se sentissem homenageados com os produtos que tanto amavam e consumiam. Pânico fez o mesmo. A clássica abertura com Drew Barrymore trouxe Sexta-Feira 13, Halloween, A Hora do Pesadelo, dentre outros, para o deleite do fã e a demonstração dos realizadores acerca do conhecimento profundo que tinha sobre o subgênero que estavam renovando.

A metalinguagem, nesta época, tinha sido discutida no âmbito slasher não apenas no empolgante retorno do antagonista dos pesadelos, de 1994, mas também com o interessante e menos conhecido Popcorn: O Pesadelo Está de Volta, de 1991, produção divertida e inteligente, mas de execução menos estilosa e um tanto irregular: história sobre personagens inseridos num cinema que exibe um festival de filmes de horror e, aos poucos, percebem que são vítimas de um assassino impiedoso, de volta com segredos obscuros do passado. Craven e Williamson, anos depois, retomaram a metalinguagem num tom mais audacioso e entregaram um espetáculo de horror e morte, acompanhados por uma equipe que os seguiu ao longo dos quatro filmes, lançados em 1997, 1999 e 2011: Marco Beltrami na trilha sonora, Peter Deming na direção de fotografia, Patrick Lussier na edição e Bob Ziembick no design de produção, profissionais que mantiveram a assertiva unidade nas dimensões audiovisuais que compuseram quatro enredos majestosos, com alguns altos e baixos, vide Pânico 3 e sua problemática execução que culminou nalgumas incongruências perdoáveis, mas perceptíveis até mesmo para o fã menos reflexivo.

O sucesso também se estabeleceu por conta do trio principal, composto por Sidney Prescott Neve Campbell, Gale Weathers e Dewey Riley, interpretados por Neve Campbell, Courtney Cox e David Arquette, respectivamente,  grupo que está de volta na trama de 2022, grandes responsáveis pela coesão e respeitabilidade do renascimento da onda de assassinatos em Woodsboro. Sem eles, o novo Pânico seria apenas mais um bom filme inspirado no legado da franquia, não ótimo como acabou se apresentando. Assim, o subgênero que atravessou fases tão distintas desde o Proto-Slasher, isto é, narrativas que ainda engatinhavam em torno de assassinatos em série cometidos por uma figura misteriosa (Psicose e A Tortura do Medo), passeando depois pela Safra de 1981, com os filmes que seguiram a onda da produção de John Carpenter, de 1978, do estrondoso Sexta-Feira 13 aos derivados Dia dos Namorados Macabro, Trilha de Corpos, dentre muitos outros, oriundos de um ano com mais de 35 slashers lançados nas salas de cinema, inundadas por fãs inveterados por um tipo específico de filme, ressonantes na contemporaneidade, haja vista o desfecho desta nova aparição de Ghostface, focada na cultura dos fanáticos e suas contradições. Falamos disso mais adiante. Ainda sobre o subgênero, radiografado por aqui por motivos que talvez fiquem mais delineados ao final da leitura, temos o já mencionado Slasher Tardio, feixe de narrativas que englobam a insalubridade dramática das sequências de Jason, Michael e outros psicopatas mascarados, ao momento da Renovação Slasher, iniciada em 1996 com Pânico, responsável por derivados interessantes, tais como Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado e Lenda Urbana, bem como tantos outros responsáveis pela Decadência Slasher, estabelecida logo após o divertido Medo em Cherry Falls.

Depois disso, a linha de filmes em questão ganhou um respiro com o Slasher Refilmado, tendo como ponto de partida o ótimo O Massacre da Serra Elétrica, de 2003, aos poucos se perdendo com outras refilmagens menos interessantes, como A Hora do Pesadelo, de 2010. Agora, digamos que na função de crítico, estabeleça uma nova fase, o Slasher Contemporâneo, reflexão ainda em progresso que pretende analisar os aparatos narrativos dos resgates realizados em Halloween (2018), A Lenda de Candyman, Natal Sangrento (2019), este novo Pânico e as possíveis reaparições de Jason e Freddy, medalhões que merecem um retorno digno na atual onda de retomadas dos clássicos. Vale ressaltar ao leitor que a maioria dos filmes mencionados até então são citados nos diálogos da produção que é foco desta crítica. É preciso ter algum conhecimento cinematográfico do segmento para acompanhar a proposta além de sua funcionalidade como filme de terror com um (ou dois, quem sabe, três) antagonista mascarado ceifando vidas até a sua revelação no último ato. Agora, caro leitor, chegamos finalmente ao retorno de Ghostface em 2022. Em sua cena de abertura, Tara Carpenter (Jenna Ortega) é o alvo do psicopata. Ela atende ao telefone, mas desconhece as regras dos filmes questionados. Sua sobrevivência é quase tida como incerta, pois o ataque talvez seja o mais violento de todas as aberturas da franquia.

Os realizadores, no entanto, preparam o público para uma surpresa: a moça não morreu, mas vai para o hospital. Internada, logo arrumam uma maneira de avisar para a sua irmã, Sam Carpenter (Melissa Barrera), sobre o brutal ataque, motivando a moça em seu deslocamento para Woodsboro. É quando começa a nova dinâmica. Todos os personagens, desta vez, possuem alguma conexão com o primeiro filme. Vai dos sobrinhos do saudoso Randy ao filho de um relacionamento nada seguro para quem tema o passado desta cidade pacata que entre uma geração e outra, enfrenta o ataque de figuras trajadas com o figurino de Ghostface. Em sua estrutura inteligente, dinâmica, mordaz e ousada, a narrativa nos apresenta ao novo grupo de possíveis vítimas: Richie (Jack Quaid), Wes (Dylan Minnette), Mindy (Jasmin Savoy), Liv (Sonia Ammar), Amber (Mikey Madison) e Chad (Mason Gooding). Um deles (ou mais) pode ser o novo antagonista. Saberemos ao passo que a trilha de corpos é estabelecida. Aos poucos, aqueles que morrem deixam de habitar a lista de suspeitos para serem direcionados ao necrotério, alvos de ataques brutais reforçados pelos efeitos de maquiagem supervisionados pelo eficiente Jeff Goodwin. Vince (Kyle Gallner), um garoto valentão e perseguidor de uma das jovens do tal grupo também pode ser um suspeito, mas ao passo que o filme avança, por seu vínculo com alguém da memória indesejada do local, ele pode deixar a mencionada lista de possível algoz para fazer parte da coleção de vítimas do assassino. Como sempre, incertezas, reviravoltas, tudo em prol do ato final que atinge um nível elevadíssimo de qualidade, um dos melhores da franquia.

Após alguns ataques, Sam procura Dewey e pede ajuda. Isolado num trailer e ainda melancólico e descuidado após a separação com Gale, o ex-policial de Woodsboro nega ajuda aos jovens, mas logo abre mão e decide colaborar. Fragilizado psicologicamente, uma das figuras ficcionais mais importantes deste universo contata Sidney e manda mensagens de texto para a ex-esposa. A primeira, temerosa, segura o descontrole e logo aparece em Woodsboro, pois conforme a sua justificativa para o retorno, não conseguirá dormir enquanto não aniquilar o novo mascarado. Gale, midiática como o habitual, âncora de um badalado programa televisivo em Nova Iorque, também retorna para a cobertura dos novos casos, sem deixar de se preocupar com o policial. É com a chegada deles que Pânico deixa de ser bom e se torna excelente. O elenco veterano exala vitalidade ao tecido narrativo, nos conectando com o legado estabelecido por Wes Craven e Kevin Williamson. Juntos, todos batalharão pela sobrevivência até o desfecho apoteótico, na mesma casa onde ocorreu a curva dramática de 1996, a residência de Stu, um dos psicopatas da história, ao lado de Billy Loomis, figura que aqui ganha um retorno inesperado, por meio das visões de uma das personagens. Ele, cabe ressaltar, é parte sólida das motivações para o retorno dos crimes em Woodsboro. É o que o roteiro quer nos fazer acreditar. Até o fim.

Mas será que é apenas isso? Será preciso assistir para saber, mas adianto, é muito satisfatório ver todas estas conexões assertivamente ajustadas. Na linha dos personagens que estão de volta, temos Martha (Heather Matarazzo), a irmã de Randy que aparece em Pânico 3 para levar uma fita do jovem para o trio principal, explicando as regras para sobrevivência numa trilogia. Judy (Marley Shelton), de Pânico 4, agora delegada, reaparece em alguns bons momentos da trama, com direito a referências aos quadradinhos de limão que levava para Dewey no antecessor, alvo dos ciúmes da agitada Gale Weathers. Em linhas gerais, muitos easter-eggs aparecem no filme, não apenas como adorno para fãs que caçam pistas, mas como informações adicionais para ajudar no desenvolvimento daquilo que é contado. Quem é Mark, marido de Sidney, questionado por Dewey numa ligação? Provavelmente é o detetive Kincaid (Peter Dempsey) do terceiro filme, sobrevivente que termina a história na casa da final girl, assistindo um filme com Dewey e Gale. Uma caixa de Tatum pode ser vista no trailer do policial, assim como Wes é o nome de um dos personagens do grupo de Tara e Sam, garotas que tem como sobrenome, Carpenter, referência óbvia ao cineasta da mesma geração de Wes Craven. Quando Dewey diz para Sidney que está acontecendo de novo, mas diferente, não há como dissociar da ideia de um novo grupo de idealizadores compondo Pânico, sem o cineasta e roteirista que marcaram os antecessores. Em suma, metalinguagem que vai dos diálogos aos detalhes visuais e sonoros desta narrativa que resgata temas das trilhas sonoras anteriores, mantendo efetivamente as suas conexões.

E não é apenas de referências ao universo de Ghostface que o filme se constrói. Há até uma emblemática passagem que flerta com a icônica frase de Arya Stark num determinante momento de Game of Thrones. É a sua famosa sentença “Not Today”, largada num momento em que um dos personagens mais importantes digladia com o mascarado. Infelizmente, esta figura ficcional relevante, era, sim, o “dia”. Como declarado por Courteney Cox numa das entrevistas de divulgação, nada é poupado e qualquer um pode ser eliminado sem piedade. A proximidade estética e os demais aparatos de estruturação da narrativa, em especial, a montagem, conseguem se manter bastante próximos dos quatro filmes antecessores por trazer de volta Marianne Maddalena, na posição de produtora executiva, cargo que divide com uma considerável equipe que ainda tem Kevin Williamson como um dos membros que asseveraram uma nova versão respeitosa para Pânico, ousada e irreverente, mas com ligações estéticas e dramáticas que criassem a devida correspondência com a franquia em geral. Na direção, Martin Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet conseguem, com proeza, dar conta da função que assumiram. Eles se guiam pelo roteiro de James Vanderbilt e Guy Busick, dramaturgos inspirados nos personagens e argumentos de Kevin Williamson, setor também muito eficiente em suas funções.

Ademais, esteticamente, Pânico traz uma nova equipe de realizadores, todos com suas próprias assinaturas, mas respeitosos com o legado audiovisual da franquia, também algo já mencionado. No design de produção de Chad Keith, a equipe gerenciada mantém os espaços ideais para o estabelecimento de medo, com cenários envidraçados que expõem a vulnerabilidade dos personagens diante da presença de seu algoz. Na direção de fotografia, assumida por Brett Jutkiewicz, o que mais se diferencia é a movimentação da câmera, pois os enquadramentos não criam nada de novo em suas molduras audiovisuais, mas em seus deslocamentos, conseguem emular o cinismo, sadismo e ironia de Ghostface em seus movimentos mordazes. Para fazer as mortes se tornarem mais impactantes, desta vez, o design de som do Formosa Group cumpre bem a missão de manter cada golpe desferido numa angustiante sensação de realismo, forjado para nos fazer sofrer, no conforto de nossas poltronas, com cada ataque sangrento. Na condução musical, o compositor Brian Tyler também entrega um bom trabalho, mas não consegue alcançar a atmosfera sonora de Marco Beltrami, produzindo um som mais genérico, parecido com muitos outros filmes de terror. Há uma faixa em especial que parece um trecho extraído completamente do trabalho de Beltrami para Águas Rasas. De resto, são metais e instrumentos de sopro em consonância para criar sons estarrecedores, conforme os violentos ataques de Ghostface. E, por fim, é bem provável que diante da nova empreitada, uma nova linha de filmes se estabeleça dentro da franquia. Esperamos, no entanto, que honrem o legado de Wes Craven.

Pânico (Scream, EUA – 2022)
Direção: Matt Bettinelli-Olpin, Tyler Gillett
Roteiro: James Vanderbilt, Guy Busick (baseado em personagens de Kevin Williamson)
Elenco: Neve Campbell, David Arquette, Courtney Cox Arquette, Jack Quaid, Jenna Ortega, Kyle Galnner, Marley Shelton, Mason Gooding, Melisa Barrera, Sonia Ammar
Duração: 114 min.

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