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Crítica | Pantera Negra: Wakanda para Sempre (Sem Spoilers)

Entre a homenagem e a funcionalidade.

por Ritter Fan
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  • Leiam, aqui, a crítica com spoilers.

Sem querer parecer insensível em relação à trágica morte de Chadwick Boseman, sempre achei que a melhor maneira de homenageá-lo seria fazer T’Challa viver para sempre no Universo Cinematográfico Marvel, escalando outro ator para vivê-lo. Compreendo quem discorda, mas a continuidade do inesquecível trabalho do ator é, para mim, o maior tributo possível a ele. Além disso, receava muito que eventual continuação do relevantíssimo e excelente Pantera Negra, de 2018, descambasse para a completa pieguice exagerada.

Depois de assistir Wakanda para Sempre, minha opinião sobre o assunto mantem-se inabalada, mas fico feliz em constatar que Ryan Coogler, que idealizou a história e novamente co-escreveu o roteiro com Joe Robert Cole, fez um grande filme-homenagem que faz da morte do fictício T’Challa um eco do que realmente ocorreu com Boseman, que enfrentou silenciosamente sua doença, com os fantasmas do personagem e do ator permanecendo presentes constantemente ao longo de (literalmente) toda a consideravelmente inchada duração do longa. No entanto, como obra cinematográfica, o filme sofre por tentar ser muita coisa ao mesmo tempo, por vezes mantendo-se estranhamente hermético no microuniverso de Wakanda, mas outras tantas vezes sucumbindo à necessidade de, com uma mão razoavelmente pesada, encaixar a narrativa no macrouniverso a que sem dúvida pertence.

Mas falemos antes dos demais aspectos positivos do filme, começando justamente pelo principal propulsor da narrativa que é extraído diretamente do primeiro longa: a revelação de Wakanda para o mundo como uma nação altamente desenvolvida e da existência do vibranium. Sem um rei, a Rainha Ramonda (Angela Bassett em uma atuação poderosa) passa a reger seu país, novamente fechando-o para o mundo exterior que, usando todos os meios ao seu alcance, almeja o valioso metal que só é encontrado por lá. Essa cobiça leva à procura da preciosidade em outros lugares, com um detector de vibranium criado pela jovem estudante gênia Riri Williams (Dominique Thorne) tendo sucesso no fundo do Oceano Atlântico, não só efetivamente derrubando o mito de que só Wakanda o tem, como, também, despertando a ira de Namor (Tenoch Huerta), rei de Talokan, a Atlântida do UCM, que, ato contínuo, visita a nação africana para exigir que Ramonda localize a cientista que criou o aparelho.

Gostei muito do encaixe próximo entre os filmes, pois há um bom diálogo entre as histórias que, com alguma naturalidade, leva à revelação da existência do povo submarino e permite o choque com os wakandanos. Gostei mais ainda da ousadia de Coogler e Cole em pegar um personagem clássico dos quadrinhos como Namor (ele foi criado em 1939!) e verdadeira e completamente reimaginá-lo, mas sem fazê-lo perder a essência. Certamente muitos leitores tradicionalistas que se recusam a aceitar modificações em seus personagens queridos terão verdadeiras síncopes nervosas com um Namor de ascendência maia todo paramentado de badulaques típicos desse povo vivendo em uma cidade submarina que não é Atlântida e, mais ainda, sem desfilar um corpo 100% sarado, com barriga tanquinho, basicamente a norma (bobalhona) para super-heróis serem super-heróis, mas diria que é muito mais interessante e difícil adaptar do que simplesmente reproduzir, até porque, quem quiser encontrar o Namor clássico, ele sempre estará lá nos quadrinhos.

Na verdade, eu gostei tanto desse Namor que eu de certa forma fiquei decepcionado que ele foi introduzido em um filme do Pantera Negra, pois eu teria preferido um longa solo dele para que a fascinante nova mitologia do personagem pudesse ser detalhada com mais vagar. Aliás, é justamente quando o filme mergulha (com trocadilho) na origem de Namor que fiquei com sentimentos opostos e de difícil conciliação. Todo o passado trágico que o personagem conta para Shuri (Letitia Wright – já falo sobre ela) é, primeiro, alvo de um texto que Huerta não acerta o tom, parecendo que ele está lendo diretamente de um livro, além de ser carregado de um didatismo sobre colonialismo que é repetido diversas vezes durante a projeção, mas sem jamais ganhar qualquer comentário que vá além do que há de mais raso. Depois, a história levanta mais perguntas do que responde, apresentando incongruências aqui e ali, o que poderia ser evitado em um longa próprio do personagem, até porque sua origem e a de seu povo é razoavelmente irrelevante para o filme em que está inserida. Ao mesmo tempo, tudo o que vemos e ouvimos atiça a imaginação e enriquece muito o visual do longa (ainda que eu tenha lá minhas dúvidas do porquê um povo submarino usar penas de pássaros para se enfeitar), com a personalidade beligerante e raivosa de Namor sendo muito bem construída e posicionando-o efetivamente como o grande vilão da película.

A introdução de Riri Williams – a Coração de Ferro, dos quadrinhos – como catalisadora do conflito é um dos elementos forçados pelo fato de Wakanda para Sempre fazer parte de um universo audiovisual mais amplo, o que não seria um grande problema se a atriz dissesse a que veio para além de fazer caras e bocas o tempo todo e se sua armadura não fizesse Tony Stark revirar no túmulo de pavor e vergonha. Outros personagens marretados na história com funções duvidosas são Everett K. Ross (Martin Freeman) e sua chefe e ex-esposa Valentina Allegra de Fontaine (Julia Louis-Dreyfus), com todas as cenas deles separados ou juntos parecendo que foram tirados de outro filme qualquer e salpicados aqui e ali para supostamente criar alguma cola narrativa, com os dois atores completamente no automático.

E, sobre Shuri, bem… o que posso dizer? Sendo direto, tenho para mim que Letitia Wright simplesmente não tem o menor estofo dramático para ser a protagonista de uma obra cinematográfica. E não, meu comentário não tem relação alguma com a polêmica sobre a atriz ser anti-vacinação, mas sim por ela não conseguir sair de seu papel eminentemente coadjuvante no primeiro filme, para o central na continuação. Sim, sua jornada de autodescoberta depois da morte do irmão é bem escrita, especialmente suas dúvidas sobre que tipo de pessoa ela realmente quer ser, mas não tem roteiro que resolva o problema de latitude dramática de um ator ou atriz, o que acaba resultando em uma Shuri que faz uma transição forçada de irmã do protagonista para protagonista. E isso fica dolorosamente óbvio quando vemos Wright contracenando com Angela Basset, Danai Gurira como Okoye, Winston Duke como M’Baku ou Lupita Nyong’o como Nakia. Até mesmo o estreante Huerta é mais genuíno do que ela e esse problema inegavelmente enfraquece o legado do Pantera Negra.

Em termos das obrigatórias pancadarias, apesar de por vezes a fotografia de Autumn Durald Arkapaw ser escura demais, há um esforço grande para manter o frescor dos embates, seja em plena Virginia, nos céus de Wakanda ou no meio do Oceano Atlântico. Há muito vigor nas coreografias e, apesar de não haver sangue no filme, há um grau razoável de violência, com golpes que são realmente sentidos, carregando peso e relevância. Há até mesmo algumas surpresas em termos de fatalidades que dão ainda mais sabor à história e consegue criar um mínimo de sensação de perigo.

Pantera Negra: Wakanda para Sempre é uma bonita homenagem a Chadwick Boseman que, porém, como filme, não lida bem com o ônus de lidar com o legado do super-herói titular, perdendo-se com a introdução de novos personagens que acabam desviando o foco da narrativa e reapresentando outros cuja função única parece ser quebrar o ritmo da história. Ryan Coogler sem dúvida fez um esforço valoroso para criar uma continuação com a sua assinatura para cumprir os objetivos que ele queria, mas que acaba perdendo muito de sua identidade única justamente por tentar lidar com muito de muita coisa ao mesmo tempo, sem usar suas quase três horas de duração com a sabedoria e calma que eram necessárias para chegar próximo à qualidade da obra original.

Obs: Há uma bonita cena de meio de créditos, logo depois dos nomes do elenco principal e do fim da canção nova da Rihanna. Não há cena de fim de créditos, uma decisão acertada dada a natureza de tributo que o longa tem.

Pantera Negra: Wakanda para Sempre (Black Panther: Wakanda Forever – EUA, 2022)
Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler, Joe Robert Cole
Elenco: Letitia Wright, Lupita Nyong’o, Danai Gurira, Winston Duke, Dominique Thorne, Florence Kasumba, Michaela Coel, Tenoch Huerta, Martin Freeman, Angela Bassett, Mabel Cadena, Alex Livinalli, María Mercedes Coroy, Julia Louis-Dreyfus
Duração: 161 min.

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