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Crítica | Papai Noel – Uma Biografia, de Gerry Bowler

por Leonardo Campos
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O Papai Noel é uma figura multifacetada. Ao longo de sua trajetória enquanto personagem que habita o nosso imaginário cultural, o “bom velhinho” assumiu o posto de benfeitor para os fracos e oprimidos, teve a sua imagem largamente utilizada pelo campo da Publicidade e Propaganda, vide a fama associada aos produtos da Coca-Cola, além de também já ter sido representado como um assassino cruel e impiedoso com aqueles que não se comportaram ao longo do ano. Essas são apenas algumas das características que Gerry Bowler apresenta em Papai Noel – Uma Biografia, uma cuidadosa radiografia do mito.

O livro nos apresenta um estudo contundente e profundo sobre um dos maiores símbolos natalinos da história da humanidade, ofertado nas 256 páginas da edição brasileira lançada em 2007, com tradução de Cristina Cupertino (eficiente em suas notas de rodapé) e diagramação de Gustavo Abumrad (eficiente na disposição das imagens e do texto). Bowler, doutor em História pelo King’s College, de Londres, experiente em pesquisa e com publicações sobre História do Hóquei e monarquia no Renascimento, oferta ao leitor panorama que consegue ir além das curiosidades, apresentando-se também como um estudo sério e coeso sobre uma figura popular e multifacetada.

Dividido em sete capítulos didáticos, Papai Noel – Uma Biografia mescla discurso acadêmico com ironia jornalística, demonstrando-se eficaz para públicos diversos, apesar de algumas passagens relativamente arrastadas e longas demais. Na introdução o autor utiliza o tom afirmativo para dizer que mesmo para os que desejam se afastar do clima natalino, a atmosfera do período é inescapável. São longas filas nos mercados, músicas natalinas que nos induzem ao consumo e pessoas ao nosso redor mais preocupadas com a organização das comidas e presentes, em detrimento do companheirismo e de outras ações próprias para o momento em questão. É a época de escutar Jingle Bell Rock e Let It Snow. Aqui no Brasil, o famigerado CD de Simone.

Desta maneira, a introdução surge como a preparação do terreno para as análises que surgem logo mais, em “Sua longa gestação e o nascimento obscuro”, primeiro capítulo, trecho onde o autor versa sobre as bases da entrega de presente no Natal, oriunda dos estrangeiros mágicos Gaspar, Melquior e Baltazar, isto é, os “reis magos”, além de retratar um lado atroz do personagem, figura utilizada para castigar crianças e aqueles que não tinham bom comportamento. Uma versão mais esquizofrênica pode ser relacionada com o Papai Noel maníaco do famoso Natal Sangrento, polêmico slasher de 1984, ou então, no divertido, mas politicamente incorreto Uma Noite de Fúria. No segundo capítulo, intitulado “Sua juventude e o desenvolvimento do personagem”, Bowler aponta o surgimento de poemas e pinturas como elementos que cristalizam aos poucos a imagem do Papai Noel tal como a conhecemos na contemporaneidade.

Em “Papai Noel como lobista”, terceiro capítulo, somos informados que o personagem foi utilizado politicamente para reiterar a necessidade do perdão constante, “recrutado para ser porta-voz de movimentos sociais”. Em 2004, por exemplo, uma ONG pautou-se no Papai Noel para fazer uma crítica ao Governo Bush. Na campanha diziam “Sim, grandes financiadores, Papai Noel existe, mas ele não está no Polo Norte e sim na Casa Branca”. A acidez do discurso relacionava-se aos tramites neoliberais das relações políticas do então presidente George W. Bush e seus financiadores. Bowler traz a informação próxima ao desfecho do livro, mas creio que seja mais “orgânico” alocar por aqui.  O tenebroso reduto da Klu Klux Klan, como demonstra um trecho da revista Life, de 1950, apropriou-se do Papai Noel para apresentar uma imagem da “bondade” com o seu Grande Dragão, isto é, o representante do grupo, a presentear um casal de idosos negros com um rádio, numa espécie de “boa vontade” natalina.

No quarto capítulo, “Papai Noel: garoto propaganda”, Bowler afirma que diferente do que muitos pensam, a representação do “bom velhinho” pela Coca-Cola não foi inovadora, pois antes da aposta na imagem de Noel, outras campanhas tinham investido na figura como parte integrante da publicidade de seus produtos. Segundo dados levantados, nos primeiros anos do século XX, o Papai Noel apareceu numa margem de 3 a 6% dos anúncios de Natal. Em 1920, despontou num um crescimento vertiginoso, ao atingir cerca de 20%. Ilustradores, tais como Norman Rockwell e J. C. Luyendecker foram um dos responsáveis pela continuidade do processo de cristalização da imagem de Noel para a posteridade. Em “Papai Noel, o combatente”, quinto capítulo, o autor aponta que desde a Idade Média, algumas pessoas tentam reforçar que Natal e Guerra não combinam. Seria, então, o período para um breve “cessar fogo”? Feliz Natal, filme europeu de 2005, reflete a questão em pleno combate na I Guerra Mundial, com soldados em pausa para comemorar o clima natalino.

No sexto capítulo, “Papai Noel no Cinema (e também na Jukebox), Bowler reclama das representações malignas do Papai Noel, num panorama de sua presença na cultura cinematográfica, o que ajudou na perpetuação no imaginário popular.  Era a época para ser filmado, não apenas entoado em poemas ou registrado na escrita. Por fim, em “Papai Noel tem futuro?”, o livro nos expõe algumas críticas que o Papai Noel tem recebido constantemente ao longo dos últimos anos, em especial, a sua importância para as crianças, em detrimento da adoração ao Cristo; além da questão social pesada por detrás de sua existência, afinal, se é uma figura mítica, por que as crianças pobres recebem presentes inferiores aos ricos? Violência simbólica para ser refletida.

Sendo assim, ao chegarmos próximos ao fim, observamos que Bowler nos expõe como a figura do Papai Noel foi gestada para ser um modelo capaz de inspirar nas crianças a compaixão e a generosidade, sentimentos próprios do período natalino. Com passagens pela religião, cinema, publicidade, política, dentre outros espaços, o Papai Noel é uma representação física de muitos elementos agrupados durante um longo percurso histórico, elemento dos festejos natalinos que ainda deve ter vida muito longa, principalmente no bojo da literatura e do cinema.

Papai Noel – Uma Biografia (2007)
Autor: Gerry Bowler
Editora no Brasil: Planeta do Brasil
Tradução: Maria Cristina Guimarães Cupertino
Páginas: 256.

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