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Crítica | Paparazzi

por Leonardo Campos
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Quem viveu os anos 1990 numa postura mais consciente se recorda da mídia em constante perseguição ao “mito” Princesa Diana, mulher que ousou adentrar o espaço da realeza britânica e depois de sair, teve a sua vida registradas constantemente pelas lentes dos mais variados fotógrafos, um inferno na instância privativa de um ser humano que encontrou um fim trágico, inspiração para o desenvolvimento do roteiro de Paparazzi, trama que mescla elementos de suspense e ação, lançada em 2004. No caso de Diana, a morte chegou num trágico acidente de trânsito, depois de ser perseguida, junto ao seu novo companheiro, por uma horda de paparazzis na saída de um restaurante. O resultado foi trágico. E fotografado. Quem esteve no local não perdeu a oportunidade de fazer imagens. Mesmo a alma supostamente caridosa que resolveu chamar uma ambulância, infelizmente já tarde demais, pois os envolvidos haviam morrido. No filme em questão, dirigido por Paul Abascal, há uma cena parecida, mas de um casal que após sair de um evento repleto de glamour, torna-se alvo da perseguição destes indivíduos ao longo dos breves 85 minutos de duração desta narrativa empolgante.

Na trama, a vítima é o ator Bo Lorannie (Cole Hawser), astro dos filmes de ação que faz sucesso no esquema hollywoodiano e junto ao dinheiro, boa moradia e diversos privilégios, precisa lidar com a tenebrosa invasão de privacidade dos fotógrafos que registram imagens suas e de sua família em momentos de lazer ou até mesmo na intimidade, para vender o material aos tabloides, campo do jornalismo tomado pelo “senso lixo” de produzir cultura. Rex Harper (Tom Sizemore) é o que podemos chamar de líder da quadrilha. Ele é asqueroso, misógino, arrogante e já ganhou processos contra celebridades depois de ser atacado violentamente, algo que acontece com Bo Lorraine durante uma prática esportiva do astro hollywoodiano. Bo lhe pede educadamente que pare de fotografar o seu filho, uma criança demasiadamente exposta, sem necessidade, mas o paparazzi não aceita. Depois de muita provocação, o ator reage, mas um monte deles já estão em posição para registrar a agressão e garantir as próximas capas de revistas para gente desocupada que precisa dar significado ao seu dia durante a leitura destas publicações tolas.

Quem faz a linha investigativa no processo é o Detetive Burton (Dennis Farina), homem que vai buscar na base da linha de montagem destes fotógrafos manipuladores, as respostas para o caos na vida do ator que está prestes a deixar a sua carreira para se dedicar ao seu lar, locação organizada pelo design de produção de Robb Wilson King, espaço que parece uma fortaleza, mas que ainda assim, atrai fotógrafos que conseguem uma maneira de se pendurar para conseguir algo sobre os seus alvos para vender aos editores de revistas de celebridades. Depois do evento que surtiu numa equivocada indenização para Rex Harper, a família que se tornou alvo está numa pré-estreia do ator, repleta de outros artistas rentáveis e desejados pelas mais diversas lentes de câmeras. É no retorno para casa que a perseguição ao estilo Princesa Diana ocorre, algo sem vítimas fatais, mas um trauma para Abby Lorainne (Robin Tunney) e muito pior, para o pequeno Zach, filho do casal, em coma depois do incidente. É com muita revolta que o herói da narrativa, de maneira metalinguística, vai resgatar todas as forças que possui para transformar a sua vida real numa adrenalina cinematográfica.

Ele deixa a polícia e sua ação letárgica de lado para se dedicar ao plano de erradicação destes invasores em sua vida pessoal, algo que envolve vidas perdidas e sangue derramado, tudo em prol da chamada legítima defesa, aqui, em suas salvaguardas devidas proporções. Financiado pela Icon Productions, na época, a produtora de Mel Gibson, ator que faz uma ponta, assim como Chris Rock e Vince Vaughn, Paparazzi é uma história sobre a mídia e seus impactos na vida das pessoas que se tornam celebridades. O filme nos permite levantar questões sobre direito de imagem, numa era extremista que pode parecer exagerada demais, mas é realidade pura. Artistas como Britney Spears, por exemplo, viram as suas carreiras ameaçadas pelos incidentes com fotógrafos desta linhagem, abutres em busca de qualquer descuido para arrasar com as suas reputações. Nos desdobramentos da trama, nos sentimos agonizados por uma cultura que deveria ter limites, mas que em alguns casos, possui leis que funcionam de maneira equivocada.

Por mais que o ator, no momento esportivo com o filho, estivesse “fora de sua razão”, não há motivo para a justiça beneficiar um lado que desde a ocasião, sabemos ser apodrecido, tomado pela sensação de poder e popularização da tecnologia para transformar a vida de famosos num inferno terrestre. Quem, de fato, a lei protege, neste caso? Outros pontos interessantes estão na manipulação das imagens em softwares, colocando pessoas em situações inusitadas, ancestrais das fake news, e também na transformação da vida do casal protagonista em narrativa. A esposa que sai do hospital numa cadeira de rodas é capa de uma revista que a diz ser uma drogada em reabilitação. Um paparazzi consegue registrar a personagem de Robin Tunney no leito onde o filho jaz em coma, na luta por sua vida. Até mesmo um breve banho de sol na área externa da casa se torna um festival para as lentes destes indivíduos inconsequentes. Tudo isso é apresentado, no entanto, trabalhado mal pelo roteiro de Forry Smith, apressado demais, com diálogos de pouca solidez e ações relativamente imediatistas dos personagens, maniqueístas demais. De um lado temos os anjos, do outro, os demônios.

Daryn Okada assume a direção de fotografia, repleta de momentos ao estilo videoclipe, bem conectado com a atmosfera da história editada por Robin Russell, responsável por mesclar a trilha sonora de Brian Tyler, agitadíssima, com os flashes do design de som de George Simpson, recurso que permite a cada passagem dinâmica, o som de uma câmera, objeto que aqui se torna o equivalente da arma branca de um assassino slasher. Interessante, no entanto, que o trabalho destes fotógrafos é movido por parte da população que consome este tipo de material “baixo-astral”. É como na cultura contemporânea, era dos aplicativos, redes sociais e repórter cidadão, pois quem nunca pegou um engarrafamento demoníaco para descobrir que no final das contas, a letargia na movimentação dos automóveis era fomentada pela horda de curiosos, a registrar os acidentados e destroços para distribuir em suas listas de contato, numa propagação de imagens do horror em seu estado mais puro e próximo da realidade? Criticar é fácil, complicado é mudar de postura. Paparazzi faz um pouco disso, apesar de como já mencionado, abrir mão da sutileza, do desenvolvimento do drama para fazer um filme de ação acima da média. Cabe a nós, espectadores, transformamos a narrativa em algo mais, tendo-a como um ponto de partida interessante para discussões de maior complexidade. Fazer e consumir cinema também é isso.

As respostas para as questões não estão todas dentro do filme, mas também em nós, parte do triângulo da recepção que envolve os realizadores e a obra em si. Na cultura da fama em Paparazzi, há uma espécie de pacto a ser assinado. Ou você aceita a sua vida revirada ou não faz parte do segmento, pois deixa de ser rentável o suficiente para entreter o público. Um dos “monstros” construídos pelo roteiro maniqueísta de Smith diz que “o público quer realismo cru”, algo que sabemos ser em parte, verdade. Ele alega que o trabalho de paparazzo permite abrir uma janela para a realidade, mostrar os artistas como são, longe das representações em seus filmes, videoclipes, etc. Depois da vírgula, a interpretação é complemento meu. Um deles reforça que “todo mundo quer comer o filé, mas ninguém quer sair com o açougueiro”. Algumas passagens podem até parecer cheias de frases de efeitos, mas a maioria se encaixa bem no discurso crítico que o filme se permite fazer, sem eficiência, mas que ao menos tenta. A terapeuta de Bo Lorraine lhe diz, em algumas sessões depois que o juiz o obriga a ir para sessões, tendo em vista dissipar a sua raiva contida, que o mundo das celebridades não dialoga com o seu antigo sistema de valores e crenças. Ou ele aceita jogar ou cai fora do esquema. É um contrato. Uma sentença, mediatizada pela imagem, cristalização de momentos íntimos de sua vida que se tornam mercadoria na era da reprodutibilidade frívola.

Paparazzi — Estados Unidos, 2004
Direção: Paul Abascal
Roteiro: Forrest Smith
Elenco: Blake Michael Bryan, Cole Hauser, Daniel Baldwin, Dennis Farina, Kevin Gage, Robin Tunney, Tom Hollander, Tom Sizemore
Duração: 86 min.

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