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Crítica | Para Não Falar de Todas Essas Mulheres

por Luiz Santiago
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Feito exclusivamente para arrecadar dinheiro para a Svensk Filmdustri, Para Não Falar de Todas Essas Mulheres (1964) tem pelo menos uma grande importância na filmografia de Ingmar Bergman, porque foi o primeiro filme em cores que ele dirigiu. O roteiro, escrito em parceria com o amigo e ator de muitos de seus filmes, Erland Josephson, é uma alfinetada na crítica cinematográfica e teatral, assim como um deboche tremendo às mídias e meios que se alimentam da vida pessoal de artistas, tornando coisas corriqueiras para qualquer pessoa em um grande espetáculo, só porque são feitas por alguém famoso. E o ponto mais interessante levantado no enredo é que, às vezes, o indivíduo não necessariamente merece a fama porque não tem muito a oferecer. Mas mesmo assim fica famoso pela imensa exposição.

Conceitualmente, a película é uma homenagem indireta ao cinema de Federico Fellini, especialmente inspirada nos filmes As Tentações do Doutor Antonio e 81⁄2. E nesse cenário de sonhos e loucuras é que encontramos Cornelius (Jarl Kulle, em uma interpretação deliciosamente debochada, caricata, cheia de maneirismos e exageros), um crítico e biógrafo que vai à casa do famoso violoncelista Felix para escrever a biografia do músico. Pretensioso e cheio de manias, Cornelius perceberá que sua pesquisa não vai sair do jeito que ele imaginara. Alguns segredos da casa espantam o escritor (Felix tem várias mulheres, todas “reimaginadas” com nomes de personagens de óperas famosas ou piadas internas dele com as moças) e tudo parece conspirar para que o crítico jamais se encontre com o seu biografado.

Embora a comédia fora dos padrões não fosse uma novidade para Bergman (ele já tinha no currículo Uma Lição de AmorSorrisos de Uma Noite de AmorO Olho do Diabo para provar isso), pela primeira vez ele realmente pesou a mão na galhofa, fazendo tantas gags e bobagens visuais e cênicas do tipo slapstick que, ao longo de toda a projeção, eu não pude deixar de imaginar que além de Fellini, o diretor trouxe elementos da Nouvelle Vague Tcheca para compor sua obra. Muitas das interrupções narrativas que ele fizera no início da carreira, a quebra da quarta parede, a separação às vezes inesperada do narrador e suas relações com os personagens ou a própria perspectiva do roteiro fazem da estadia de Cornelius na casa de Felix uma provação bastante criativa, onde o material a ser criticado simplesmente foge do momento de sua avaliação, impedindo que o algoz literário fale qualquer coisa negativa e, ainda por cima, usando de diversas ferramentas para manipular o crítico a partir de seu ponto fraco, o ego.

Então vemos as mulheres simplesmente brilharem na tela, todas elas, mas com um destaque mais caloroso para Bibi Andersson, Harriet Andersson e Eva Dahlbeck. Bergman não só mantém sua instigante direção de atores e atrizes — neste caso, com um forte apelo teatral — mas também cria, ao lado de Sven Nykvist, um grande número de ambientes onde cores quentes são “visitantes” no espaço, enquanto a permanência é sempre algo monocromático em um estilo arquitetônico à la Oriente Médio, mais um excelente projeto do diretor de arte P.A. Lundgren, parceiro de Bergman desde Chove Sobre Nosso Amor (1946). Aí também entram os figurinos, especialmente os das mulheres. O vermelho é o principal destaque, mas não o único. Cada uma delas veste algo que diz respeito à sua “origem e personalidade”, o que se reflete na cor, nos adereços e na forma como elas usam o corpo para mostrá-los, visto que cada uma encarna uma fase da vida do mitológico Felix, e cada uma o vê e o sente de uma forma completamente distinta.

Considerado por muitos — inclusive pelo grande Roger Ebert — o pior filme do diretor (o que penso ser uma classificação sem fundamento algum, ainda mais tendo A Mulher Veneziana e Isto Não Aconteceria Aqui no páreo), Para Não Falar de Todas Essas Mulheres é, sem sombra de dúvidas, uma obra do tipo “ame ou odeie”. Os experimentos com cor, a direção e a montagem fortemente marcadas pela vanguarda europeia da década de 1960, o brilho do cinema circense e onírico de Fellini, o drama de amor musical amalucado que envolve muitos personagens com destinos patéticos (no sentido original da palavra) e as muitas quebras de estilo dentro do próprio filme serão vistas de maneira inteiramente diferente de espectador para espectador, dependendo de sua relação com os elementos homenageados e de como ele recebe experimentos cinematográficos incomuns. De minha parte, vejo no filme uma divertidíssima brincadeira técnica, estética e conceitual que, mesmo sendo atrapalhada aqui e ali pelos exageros de sua concepção, continua sendo (isso sim!) a coisa mais maluca — e uma das mais estranhamente deliciosas — que Bergman já dirigiu.

Para Não Falar de Todas Essas Mulheres (För att inte tala om alla dessa kvinnor) — Suécia, 1964
Direção: Ingmar Bergman
Roteiro: Erland Josephson, Ingmar Bergman
Elenco: Bibi Andersson, Harriet Andersson, Eva Dahlbeck, Karin Kavli, Gertrud Fridh, Mona Malm, Barbro Hiort af Ornäs, Allan Edwall, Georg Funkquist, Carl Billquist, Jarl Kulle
Duração: 80 min.

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