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Crítica | Para Sempre Nunca: A História do Capitão Gancho, de Serena Valentino

Um fatídico destino.

por Luiz Santiago
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Eu descobri por acidente a série literária Vilões, ao marcar alguns livros numa rede social temática e vendo sugestões de leituras similares. Este volume 9 da saga, dedicado ao Capitão Gancho, foi o primeiro que apareceu na minha frente e, de cara, eu gostei do título, da sinopse e da proposta geral da série. Minha escolha por começar por aqui foi a imensa curiosidade de conhecer, em um produto licenciado da Disney, mais detalhes sobre a relação Gancho-Peter Pan, já que esse garotinho vestido de verde sempre me pareceu muito maléfico, e eu nunca confiei muito nele. Nesse aspecto, posso dizer que não fui desapontado. Para Sempre Nunca revela muita coisa sobre a existência da Terra do Nunca, dos Garotos Perdidos e, claro, de Peter Pan, embora num ponto de vista sempre relacionado a James.

A escritora Serena Valentino toma o caminho da (leve) desconstrução dos contos de fadas, apresentando resoluções sombrias (ao menos para padrão Disney) e conflitos morais e éticos que me deixaram feliz ver numa obra como esta. Um problema que esta série tem, porém, é a maneira dependente como personagens transversais (as Irmãs Esquisitas e algumas outras aliadas, por exemplo) acabam costurando toda a série e tendo suas histórias desenvolvidas de modo marcante em cada uma das obras. Se fosse uma série a respeito de um grande reino, onde todos os vilões, de alguma forma, transitassem por ali, esse tratamento seria aceitável — afinal, é assim que funcionam as séries para grandes cenários. Mas essa sequer é a proposta de Vilões! A proposta aqui é explorar, em cada livro, o passado e a origem dos malvadões e malvadonas da Disney, ou seja, as obras são pensadas para funcionar de maneira independente!

A presença de personagens recorrentes, porém, pode ser algo positivo, desde que não apresentem detalhes cifrados, impossíveis de entender se você não leu sabe-se quantos livros antes. Mesmo com esses empecilhos, o leitor consegue abstrair as passagens com as bruxas e atravessar o livro sem maiores problemas (para além do incômodo dessa escolha da autora… ou dos editores da série). A história de James Bartholomew, aqui, começa quando ele cai de seu carrinho e acaba sendo levado para Neverland. Todavia, por ser reivindicado pelos pais com menos de 7 dias, ele não se torna um Garoto Perdido. Acontece que, ao voltar para Londres, ele vem com uma ideia fixa. Ele está, de certa forma, traumatizado e encantado, contando para todo mundo os maravilhosos momentos passados na Terra do Nunca, desejando ardentemente voltar para lá. Essa nostalgia — que com o passar do tempo se tornará um problema emocional sério — fará com que James se torne um adulto neurótico, em busca de um sonho que não lhe cabe mais. Ele quer viver em Neverland para sempre. E ser criança de novo.

Enquanto lia a obra, eu não pude parar de pensar no quão problemática é a situação de James, que mesmo depois de se estabelecer como pirata, no navio do infame Barba Negra, tinha o sonho de voltar à Terra do Nunca, de viver com os amiguinhos que conheceu décadas antes. Enquanto a narrativa de abertura do livro nos captura facilmente, o seu desenvolvimento, ou seja, os anos em que James passa ao lado de Barba Negra, é a pior parte do enredo. A autora faz saltos temporais astronômicos sem nenhum tipo de preparação ou boa interação com o que se contava naquela parte do texto. Esses saltos possuem uma finalidade clara, mas infelizmente — avançar a história para o momento em que ele “cumpre o seu destino” — sua execução é ruim. Em adição a isso, o encontro dos piratas com o Kraken e com o Holandês Voador não me causaram nenhum tipo de sensação, apesar de serem momentos feitos para impactar o público. Mais adiante na história, quando algo muito legal, muito macabro e muito cruel em relação a essas lutas aparece na história, eu não pude deixar de vibrar. Mas no momento em que acontecem, pouca coisa realmente funciona.

Já a melhor parte do livro é quando Barba Negra se vê livre da maldição das Irmãs Esquisitas, e James (ainda sem nome de pirata), assume o navio e a tripulação, partindo para um encontro num Reino Encantado e, dali, para Neverland. Não há uma única página, nesses blocos finais, que não seja boa. Até as observações das bruxas e certas relações com personagens do Universo Disney se tornam mais claras e plenamente relacionáveis com o que estava sendo narrado, de modo que o leitor aproveita cada pequena traição e cada sacanagem que o destino reservou para James, cuja primeira missão é capturar Sininho e levar até as Irmãs Esquisitas, com quem ele, apesar de ser aconselhado a não fazer, acaba firmando um trato. Neste bloco, temos o prazer de descobrir a motivação de alguns personagens e também o fato de que o Livro dos Contos de Fadas já tem tudo pré-determinado para eles, o que dá uma perfeita ligação metalinguística com o nosso mundo. Essa confidência coloca o público a par de algo que os personagens não sabem. E esse conhecimento faz toda diferença no impacto que essas histórias têm sobre nós.  

Antes de James chegar à Terra do Nunca, eu estava pronto para avaliar Para Sempre Nunca como um livro regular. Foi apenas nos capítulos finais que a história mudou completamente de figura para mim, alcançando um valor e um peso muito grandes, trazendo um destino tenso e até cruel para o personagem. A explicação de como ele perdeu a mão é maravilhosa, e o estabelecimento de seu ódio por Peter Pan, antigo coleguinha da Terra do Nunca, são macabros e dolorosos. Não dá para ignorar o fato de que James, agora Capitão Gancho, não tinha chance nenhuma de ser “um homem bom“. Ele é apenas [mais uma] marionete nas mãos das Irmãs Esquisitas e, pelo que sabemos, das linhas escritas nos contos de fadas. Para o nosso puro entretenimento.

Para Sempre Nunca: A História do Capitão Gancho (Villains #9: Never, Never – A Tale of Captain Hook) — EUA, 5 de julho de 2022
No Brasil:
Universo dos Livros, 2022
Autora: Serena Valentino
Edição lida para esta crítica: Disney-Hyperion, 2022
256 páginas

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