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Crítica | Paranoia (2007)

A janela indiscreta dos clichês modernos.

por Felipe Oliveira
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Falar de voyeurismo, parece sempre remeter ao tabu envolto na prática de quem sente prazer ao observar a nudez ou sexo alheio. Mas pulando essa ótica, vamos aqui nos atentar a como esse ato foi ganhando forma no cinema, graças a influência de Alfred Hitchcock e Brian De Palma, dano-nos outra visão de apreciação do indevido no suspense, em seguida, sendo tema de tratamento para outros cineastas também se destacarem pelo voyeur como motor narrativo, exemplo do slasher A Tortura do Medo (1960).

Numa era marcada com sequências, reboots de franquias e remakes, em 2007, D.J. Caruso revelava ao público um filme que se tornaria queridinho e colocaria Shia LaBeouf nos holofotes de Hollywood com o suspense Paranoia junto a Transformers (2007). Pensado para ser desenvolvido em 1990, o filme chegava mais de 10 anos depois extraindo reações positivas da crítica e audiência. Até hoje, Disturbia é tido como um longa inspirado no categórico Janela Indiscreta de Hitchcock, sem se assumir como uma refilmagem, mas uma extensão narrativa derivada e “independente” ao que o clássico que marcou em 1954.

Era no mínimo fascinante a habilidade que Hitchcock tinha na construção de seus suspenses, e de conduzir o telespectador como testemunha das tramas que exploravam as nuances psicológicas dos personagens em premissas simples. Esse seria apenas um dos pontos presentes no estilo único do cineasta através do suspense, e talvez por isso, Paranoia não tenha se dado o direito de declarar-se como um segundo remake de Rear Window, já que emular a direção de Alfred em refilmagens nem sempre deu certo. Era todo um conjunto de idealização que não podia se tratar de repetir planos para fazer jus, era necessário entender um processo autêntico e inventivo que não se contentava em contar histórias de maneira simplória, mas que viam ressoar muito além de sua época.

Pegando os elementos de Rear Window original, a história de Disturbia, escrita por Christopher Landon e Carl Ellsworth, pode muito bem ser resumida na linha básica de atualizar o filme de Hitchcock e imaginá-lo sobre o viés adolescente. Antes de cair no gosto do público pela sua visão promissora com o terror e suspense, Landon e Ellsworth (de Voo Noturno) fizeram um trabalho interessante com o roteiro ao pegar a base propulsora de Janela Indiscreta, e ir costurando com outras características que permeavam as narrativas teens, mas também em ser um thriller que não resumia a essa essência. Então, se resultou em longa que queria ser tenso, por vezes cômico e com toques de romance, tudo partindo de um princípio que emprestado do que deu super em em 1954, reunindo isso a uma tendência de misturar gêneros que logo se mostraria atraente ao público, pela familiaridade dos elementos da época. A dupla de roteiristas fez a sábia escolha de pular a abordagem do remake de 1998, de modernizar a história, e jogou em outro campo, caindo na graça de parecer um movimento inédito no caminho.

No original, a trama pavimentava seu escopo numa vila de apartamentos em Nova York, quando o fotógrafo profissional L.B Jefferies (James Stewart) sofre um acidente, e passa a ficar confinado em seu apartamento enquanto se recuperava, contando com auxílio de uma cadeira de rodas para se locomover. Além da visita de sua namorada e de uma enfermeira, Jefferies não tinha muito o que fazer, encontrando como escape observar os vizinhos pelas lentes de sua câmera e binóculos, o que resulta numa desconfiança de que um dos moradores seja um assassino.

Já LaBeouf, se via na pele do jovem Kale, que não bastando a perda do pai após um acidente de estrada, agora passa a ficar em prisão domiciliar devido a um incidente na escola contra um professor. Com um limite de locomoção estabelecido, as alternativas de entretenimento com jogos, ipad, e TV cortadas por sua mãe (Carrie-Anne Moss), sobrou-lhe apenas a observação da vizinhança com uso de binóculos e câmeras. Além das visitas do amigo, e também da cobiçada vizinha, Kale acredita que seu vizinho é o assassino procurado que tem sido descrito nos noticiários. Se as semelhanças são poucas, imagina ser uma refilmagem com nova roupagem.

Rear Window ia minuciosamente adentrando em sua temática e envolvendo o telespectador na perspectiva de Jefferies ao explorar o marasmo que acompanhava a sua rotina de recuperação, ao mesmo tempo que uma onda de calor intensificava o clima de tédio e de desconforto, também favorecia sua brecha de observação com os vizinhos precisando manter as janelas abertas, dando-lhe um palco exclusivo para contemplação de afazeres e hábitos. No filme de Caruso, os aspectos ao redor de Kyle não são tão bem explorados a ponto de se mostrarem proveitosos narrativamente.

Um exemplo, é a relação muito espaçada entre Kyle e a mãe, onde teria sido interessante usar mais do luto como condução do drama, do que as entradas e saídas breves de Moss tendo discussões sobre o filho ser mais responsável com atividades domésticas. De igual modo, o tédio que impulsiona a neurose de Kyle sobre o vizinho Mr. Turner, divide tempo com investidas cômicas, e ainda, com o arco de romance sendo desenvolvido. Então, quando surge a suspeita de que o morador em frente é um criminoso, é como se fosse um elemento à parte sendo trazido para dar algo realmente interessante para ser julgado pela janela de Kyle.

Caruso tinha em mãos um esboço de drama que nem sequer foi explorado, as tiradas humorísticas como quebra de ritmo e o plot amoroso, e a impressão era que tudo isso era interrompido para dar uma chance de unir também o suspense como motor da tensão. Embora a fotografia de Rogier Stoffers tenha sido habilidosa nas alternâncias entre os usos de binóculos e câmera, falhava em acompanhar a narrativa como construção de linguagem pela maneira corriqueira que era tratada. Foram em pequenas ocasiões, como Kyle e a vizinha Ashley selecionando uma música no iTunes que poderia combinar com o encontro que o possível vizinho criminoso estava tendo em casa com uma mulher, que a direção lembrava de que tinha ferramentas o suficiente para tornar o argumento de Disturbia mais engenhoso.

Por fim, conforme Paranoia vai se entregando a seu ápice, é como se todos esses elementos tivessem surgido metodicamente, sem uma construção que desse a incerteza um parâmetro, talvez alimentando pelo tédio, a ociosidade, maior indício de que a prisão domiciliar estaria afetando a sanidade de Kyle, e ainda que o roteiro tenha deixado menções como iscas, faltou mais convencimento e imersão na utilização desses aspectos. Sem falar das demonstrações óbvias de perigo, como a de Mr. Turner na cozinha, ou o protagonista disparando o flash da câmera acidentalmente enquanto stalkeava, estamos sendo arrastados para a possibilidade de ter um vizinho psicopata, ou diante de um típico exercício de “o vizinho mora ao lado”? Em suma, foi por não tentar ser um filme de Hitchcock que Disturbia conseguiu ser eficientemente genérico.

Paranoia (Disturbia – EUA, 2007)
Direção: D.J. Caruso
Roteiro: Christopher Landon, Carl Ellsworth
Elenco: Shia LaBeouf, Sarah Roemer, Aaron Yoo, David Morse, Jose Pablo Cantillo, Viola Davis, Carrie-Anne Moss
Duração: 105 min

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