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Crítica | Passageiros

por Lucas Nascimento
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estrelas 2,5

É fascinante quando vemos nossa percepção de um filme mudar antes mesmo de assisti-lo. Tome o caso de Passageiros, um roteiro original de Jon Spaihts que ficou por um bom tempo na famosa Black List de Hollywood, uma lista anual que reúne alguns dos melhores roteiros não produzidos da indústria. A premissa de Spaihts aqui é incrível, mas minha visão do longa foi rapidamente se transformando com o desenrolar da produção, que trouxe uma abordagem um tanto incomum e nomes “populares demais” para uma trama aparentemente intimista. No fim, o que temos neste Passageiros é definitivamente muito decepcionante.

A trama de cara nos apresenta a um êxodo espacial: mais de 5.000 pessoas estão em estado criogênico dentro de uma nave espacial que os está transportando da Terra para um novo planeta colônia, em uma viagem de aproximadamente 120 anos. Quando uma tempestade de meteoros causa um pane na nave, o mecânico Jim (Chris Pratt) acaba acordando 90 anos antes do esperado, sem a possibilidade de voltar a dormir ou retornar à Terra. Desesperado e sozinho, a trama vai engrossando quando a passageira Aurora (Jennifer Lawrence) também desperta, e os dois precisam descobrir o que está acontecendo ali.

Tomei muito cuidado para não revelar spoilers ali, mas a verdade é que este é um roteiro de poucas surpresas. Diria até que o trailer da produção é mais bem sucedido em estabelecer um mistério e reviravolta do que o próprio filme, que já entrega tudo de bandeja sem muita construção ou suspense – e o filme se beneficiaria muito de um impacto maior para o motivo que envolve o despertar de Aurora, ainda que ganhe uma discussão consistente em relação à causa disso. De resto, Passageiros é uma comédia romântica ambientada no espaço, e isso pode tanto atrair quanto repelir a maioria dos espectadores, já que Spaihts é inteligente ao brincar com os elementos do gênero sci-fi dentro do romance: como o encontro romântico iniciado por um robô ou o belo voo dos protagonistas pela vastidão do espaço.

São conceitos que acabam bem traduzidos visualmente pelas lentes do diretor Morten Tyldum, que adota uma paleta colorida e forte, abraçando o aspecto clean da nave e com efeitos visuais orgânicos que funcionam bem dentro da proposta – o próprio visual da espaçonave onde a trama se passa é impressionante, e merecedora de aplausos para o departamento de design de produção. Tyldum também é bem feliz no uso do 3D (pois é, até eu me surpreendi ao receber óculos durante a sessão), aproveitando a profundidade de campo do espaço sideral (como a lindíssima piscina que traz uma janela para as estrelas) e os elementos que ficam sobrepostos à imagem, como a projeção do holograma de um planetário.

Porém, tudo desanda com as escolhas infelizes de Spaihts. Disse acima que o roteiro não era muito eficiente em suas reviravoltas, mas os rumos que o terceiro ato tomam ao chutar completamente o balde e virar um filme de ação são ridículos, soando como um cruzamento bizarro entre GravidadeInterestelar e Sunshine – Alerta Solar. É um festival de clichês e momentos embaraçosamente ruins, especialmente pelo melodrama envolvendo o romance dos dois, que vomita frases do tipo “Não posso viver sem você” e outros exemplos tenebrosos. É um absurdo tão grande que um dos personagens chega a “morrer” duas vezes, forçando a suspensão de descrença do espectador constantemente. Até a trilha musical de Thomas Newman é um demérito ocasional, já que – mesmo trazendo acordes belíssimos – é o tipo de peça que está lá para manipular o espectador e provocar emoções que o texto é incapaz de vender.

Não ajuda também que seja difícil comprar a química entre Chris Pratt e Jennifer Lawrence, dois atores talentosos, mas que parecem não ter encontrado o tom certo da relação entre Jim e Aurora. Pratt faz o mesmo estilo boa praça e descontraído de seus trabalhos recentes, mas é interessante ver como o ator adota a timidez pela primeira vez – algo inexistente em personagens como Senhor das Estrelas ou o Owen de Jurassic World. Já Lawrence surge com seu carisma habitual, ainda que seu desespero e excessos de raiva beirem o over the top aqui, fruto das caras e bocas nada discretas da atriz. E mesmo que tenha pouco tempo em cena e surja em uma performance de nota única, Michael Sheen é eficiente como o robô barman Arthur.

Passageiros tem boas ideias e um elenco razoavelmente bom, além de um festival visual que agrada pela plasticidade. Porém, a indecisão do filme entre ser um sci-fi existencialista e um romance batido acabam prejudicando tudo o que havia sido construído até então. 

Passageiros (Passengers, EUA – 2016)
Direção: Morten Tyldum
Roteiro: Jon Spaihts
Elenco: Chris Pratt, Jennifer Lawrence, Michael Sheen, Laurence Fishburne, Andy Garcia.
Duração: 116 min

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