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Crítica | Pássaro Memória

A opressiva capital.

por Frederico Franco
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As grandes cidades, capitais ou megalópoles são marcadas por estilos arquitetônicos marcados, prédios sem fim e um reflexo da pequenez do ser humano diante de suas próprias criações. O filme Pássaro Memória, selecionado para os festivais de Locarno e Toronto, mostra-nos Lua, uma mulher trans, que caminha pela cidade do Rio de Janeiro em busca de seu pássaro, Memória, que fugiu de sua gaiola e não volta para casa a dias. Gravado em um formato 4:3, os enquadramentos do filme como um todo já constroem uma ideia de opressão perante a personagem: os limites do quadro são menores e esmagam a protagonista, lançando-o sempre para o centro da imagem. Aqui, a direção foge da lógica baziniana da imagem cinematográfica enquanto centrífuga.

O fora de quadro, o espaço sugerido, quase não é utilizado por Martinelli para construir sua mise en scène. Tudo o que vale para o espectador é aquilo que se dá dentro do quadro. Não existem raccords ou até mesmo planos e contraplanos, limitando ainda mais a imagem para o centro do quadro. 

Um importante conceito da história da arte, que diz respeito tanto à arquitetura quanto à imagem, é a noção de estilo tectônico. Essa definição vale para descrever formas artísticas fechadas em si próprias, não expandindo além de seus limites – bem como o citado anteriormente sobre o quadro centrípeto desenvolvido pelo diretor. Aqui, pensando em uma construção fechada, cabe dizer que o conteúdo se adapta ao espaço disponível de modo orgânico. É basicamente a relação das ações fílmicas com os limites menores do enquadramento cinematográfico proporcionado pelo sistema 4:3. Em Pássaro Memória, não é apenas essa característica formal que cria um constante estado de agonia ou até mesmo falta de ar.

A selva de pedras mostrada no filme de Leonardo Martinelli serve, sem dúvida alguma, para contribuir na criação de um ambiente hostil. Lua e todos os seres humanos são vistos pequenos, frágeis, postos em frente à essa arquitetura potente, geometricamente marcadas e, quiçá, metafísica. Os personagens, geralmente pessoas à margem da sociedade, parecem não ter escapatória: a arquitetura, por mais trivial que seja, serve para os oprimir.

Essa visão de uma capital hostil para aqueles considerados marginais é, de certa forma, um reflexo de como a sociedade em si luta para oprimir, silenciar e distanciar essas figuras de uma vida digna. Ao fim do filme, em uma potente performance da protagonista com outros transeuntes, mostra uma válvula de escape dessa arquitetura violenta: a arte. O fazer artístico, enfrentando a realidade espacial à sua volta, é uma espécie de levante contra a opressão. O espaço que machuca, que segrega, torna-se, então, palco, refém da arte.

Pássaro Memória – Brasil, 2023
Direção: Leonardo Martinelli
Roteiro: Leonardo Martinelli
Elenco: Ayla Gabriela, Henrique Bulhões, Jard Costa, Kley Hudson
Duração: 15 min.

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