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Crítica | Pato Donald e Tio Patinhas: O Foguete Monetário

Confusões no Sistema Solar.

por Luiz Santiago
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Em 1936, o escritor Cesare Zavattini já tinha tido a sua primeira experiência escrevendo para cinema, mas ainda estava longe de se tornar um dos mais icônicos roteiristas italianos. Ele foi um dos responsáveis, no ano anterior, pelo enredo do longa Darò un Milione, de Mario Camerini; e em 1936 também esteve envolvido com a produção de La Danza delle Lancette. Paralelo a esta atividade, Zavattini exercia o cargo de diretor-editorial da Arnoldo Mondadori, responsável por publicar, dentre outras coisas, os quadrinhos Disney na Itália. Após um de seus grandes projetos daquele ano ter sido frustrado, por conta do exílio do editor Cesare Civita, perseguido pelas leis antissemitas da ditadura de Mussolini, Zavattini resolveu aceitar a ideia de Federico Pedrocchi para a criação de um personagem de ficção científica. Todavia, ele não queria esse personagem em histórias de animais antropomórficos, e sim em quadrinhos um pouco mais maduros. Assim nasceu Rebo, o ditador de Saturno.

Inspirados por Flash Gordon, de Alex Raymond, os responsáveis pela saga (ou seja, Zavattini e Pedrocchi no roteiro e Giovanni Scolari nos desenhos) começaram a publicação de Saturno Contra a Terra no volume 93 do periódico I Tre Porcellini (Os Três Porquinhos) em 31 de dezembro de 1936. Já o último capítulo dessa jornada, intitulado O Fim do Mundo, foi encerrado em 26 de outubro de 1946, já na Revista Topolino, número 610. Passados 14 anos, os roteiristas Carlo Chendi e Luciano Bottaro resolveram incorporar Rebo ao hall de personagens da Disney, com a história Paperino e il Razzo Interplanetario, título deste arco em quatro partes que começou em 1960 e terminou em 1997. Na primeira história disneyana de Rebo, ele é apresentado como o ridículo ditador de Saturno, cuja população foi reduzida (por causa da guerra) a um total de três pessoas, o próprio Rebo e seus dois ajudantes, chamados de 1 e 2.

Como é de se esperar, pelo título da trama, a brincadeira começa numa historinha envolvendo o dinheiro do Tio Patinhas, que jura estar um passo à frente dos Irmãos Metralha, mas descobre que este não é bem o caso. O roteiro se desenvolve com um joguinho de encontros e desencontros, contando com a presença de Huguinho, Zezinho e Luisinho e do Pato Donald, que completam, juntamente com o Professor Pardal, o time acidental de exploração que se verá no meio de uma antiga briga ocorrida em nosso Sistema Solar, entre as civilizações de Saturno e Júpiter. Essa primeira história é a menos interessante das quatro, mas isso não significa que seja uma aventura fraca; longe disso. A questão é que os capítulos posteriores desta aventura serão tão engraçados, tão cínicos nas brincadeiras e tão bem organizados narrativamente, que se colocarão facilmente em patamares superiores.

Um dos principais motivos para o destaque das edições publicadas entre 1995 e 1997 é o fato de que Luciano Bottaro escreve sozinho o roteiro e, no que concerne à arte, dá asas muito maiores à imaginação, utilizando distorções de personagens, ambientes e objetos e fazendo um trabalho tão marcante de aplicação de cores, que é impossível não encantar o leitor, mesmo um veterano em histórias da Disney. Vale destacar os belíssimos desenhos do artista para as naves espaciais, os monstros de planetas ou asteroides visitados e a bagunça que uma determinada arma causa no planeta Terra. Na linha central do argumento, o que temos é o Tio Patinhas tentando proteger o seu dinheiro, primeiro dos Metralha e depois dos jupiterianos comedores de metais. Porém, como carro-chefe dessa “desculpa dramática”, temos uma ópera espacial misturada com uma comédia de erros onde Donald vira herói de um planeta inteiro e onde os planos de um diretor são constantemente frustrados.

Eu não gosto tanto da presença final da Margarida no capítulo A Invasão de Júpiter, assim como do Doutor Zoide neste bloco, mas são detalhes tão minúsculos no meio de tanta coisa divertida e interessante, que eles não tomam muito espaço da qualidade geral da obra. Quando temos aventuras de quadrinhos expondo personagens com uma arte bem diferente daquela que estamos acostumados, nosso olhar ganha uma cor diferente, uma forma diferente de olhar para aquela trama, pelo menos no campo estético. A iniciativa fica verdadeiramente boa quando essa impressionante mudança imagética se une a um enredo que sabe aproveitar as maluquices visuais, algo que Luciano Bottaro mostra muito bem neste seu Foguete Monetário. Quem sabe, no futuro, não tenhamos histórias que visitem Rebo no zoológico de Júpiter e narrem uma nova Era de aventuras com ele, talvez escapando da prisão depois de tanto tempo. Afinal, ditadores e suas ideias terríveis sempre encontrarão um jeito de voltar à tona e encantar muita gente, como nos mostra, para a nossa tristeza, a realidade em que vivemos.

O Foguete Monetário (Paperino e il razzo interplanetario) — Itália, 10 de março a 10 de abril de 1960 / 7 de março de 1995 / 14 de novembro de 1995 / 5 de agosto de 1997
Código da História: I TL 230-B / I TL 231-B / I TL 232-A / I TL 2049-1 / I TL 2085-1
Publicação original: Topolino (libretto) 230 e 232 / 2049 / 2085 / 2175
Títulos das histórias no Brasil: O Foguete Monetário / O Retorno de Rebo / Em Busca do Pato Virtual / A Invasão de Júpiter
Títulos originais: Paperino e il razzo interplanetario / Paperino e il ritorno di Rebo / Alla ricerca del papero virtuale/ Paperino e l’invasione di Giove
Editora originai:
 Mondadori
No Brasil: Tesouros Disney – O Foguete Monetário (2020)
Roteiro: Carlo Chendi, Luciano Bottaro
Arte: Luciano Bottaro
Capa original: Paul Murry
281 páginas (edição brasileira publicada pela Panini)

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