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Crítica | Patrícia, de Carlos Eduardo de Magalhães

Um conto sobre idas e vindas trágicas no cotidiano do trânsito brasileiro.

por Leonardo Campos
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Um conto sobre traumas polifônicos. Representação dos sons que atormentam aqueles que, em algum momento de suas vidas, foram agentes, testemunhas ou vítimas de um trágico sinistro de trânsito, Patrícia é uma narrativa curta, mas muito eficiente, sobre os desdobramentos de um incidente evitável, responsável por ceifar a vida de uma pessoa, mas também de causar profundos traumas naqueles que de alguma maneira, fizeram parte da situação. Por meio da talentosa escrita de Carlos Eduardo de Magalhães, escritor paulista conhecido por dirigir a Grua Livros desde 2008, o conto é parte integrante da coletânea Tudo O Que Não Foi, seleção de textos com cunho educativo, material que utiliza a linguagem literária para promover reflexões sobre os impactos dos acidentes de trânsito, hoje chamados de sinistros, na vida das pessoas, bem como para a sociedade de maneira geral, em especial, os cofres públicos.

O conto traz o modelo mosaico de contar histórias. Entrelaçadas, temos por meio de sons e descrições específicas, as memórias de Lucas, um jovem que acordou assustado com o estrondo de um impacto enquanto dormia tranquilamente. O que teria sido? Cláudio e Cláudia, jovens que aproveitavam as delícias de um primeiro encontro, ansiosos pelo desdobramento do que poderia dar em qualquer coisa, inclusive, quem sabe, um relacionamento, passam pelo que talvez seja a pior experiência em suas vidas. Paulo, outra testemunha desta tragédia, também lembrará para sempre daquilo que poderia não ter sido, mas foi, como traz o título da coletânea.

Basicamente, em Patrícia, temos um terrível incidente de trânsito envolvendo um condutor irresponsável e uma vítima que trafegava tranquilamente até ser surpreendida por um automóvel responsável por seus últimos e sofridos instantes de vida. Narrativa ideal para as reflexões da campanha intitulada Maio Amarelo, parte do calendário anual da OMS, focada em conscientizar os cidadãos acerca da necessidade de posturas que reduzam tragédias de trânsito que tanto sangram asfaltos do cotidiano, o conto permite que façamos reflexões não apenas sobre os traumas físicos decorrentes de situações do tipo, mas também as sequelas psicológicas.

Tão agonizante quanto uma cicatriz que se estabelece para sempre no corpo de um vitimado, o trauma que habita a memória de Lucas, por exemplo, é complexo e de difícil remoção. Vai ficar sempre por ali. Além disso, muito mais que os prejuízos materiais, temos também os percalços envolvendo os enlutados por estas vítimas do trânsito, situação que mesmo reduzida pelos esforços de tantas campanhas e projetos, ainda é uma das maiores causas de mortes diariamente no mundo todo.  Problema de saúde pública, o impacto das mortes no trânsito está entre os principais fatores de óbitos, algo corriqueiro também no Brasil, fator que promove outra grave crise sistemática: o gasto de verba pública para atendimento neste tipo de acontecimento, calculado na casa dos bilhões, dinheiro que poderia ser investido em outros programas de saúde.

Em linhas gerais, situações evitáveis que demonstram o grande conflito na dinâmica do trânsito: a postura humana, inconsequente e, quase sempre, descuidada. São pessoas que atravessam fora da faixa de pedestres, ou então, insistem em fazer perigosas caminhadas por vias com fluxo vertiginoso de carros, deixando de lado a segurança de passarelas que, em muitas das vezes, estão situadas a poucos metros do lugar por onde atravessam. Temos os motociclistas que insistem em pilotar sem capacete, ou, nalguns casos, vítimas da uberização contemporânea, cortam as vias da cidade, geralmente exaustos, fator que ressoa na falta de autocuidado e culmina nos inevitáveis sinistros que contemplamos, abismados, nos contos desta coletânea.

Patrícia (Brasil, 2014)
Autor: Carlos Eduardo de Magalhães
Editora: Carlito e Caniato Editorial
3 páginas

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