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Crítica | Pé na Estrada

Uma belíssima jornada de renovação e autoconhecimento.

por Leonardo Campos
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A motocicleta é um modal que possui as características ideais para quem deseja uma vida, talvez, alternativa, com sensação de liberdade e algumas doses de adrenalina. Mais compacta que os automóveis, estes meios de deslocamento permitem uma bifurcação entre vias congestionadas, ocupam menor espaço no estacionamento, fornecem um frescor por parte dos condutores que deslizam pelas ruas das cidades e até mesmo nas estradas mais longas, além de ter sido símbolo de rebeldia, altivez e outras denominações durante muito tempo no cinema clássico, com desdobramentos ainda no contemporâneo. Pé na Estrada, drama conduzido com muita leveza por Damien O’Donnell em 2002, retrata a trajetória de uma cativante figura ficcional, interpretada por Michael Sheen, num desempenho dramático contagiante. Com roteiro de Paul Fraser, estruturado no argumento de Richard Jobson e Andrew Keyte, acompanhamos, ao longo dos 90 minutos desta narrativa, os caminhos pavimentados por um homem descrente diante de várias negações da vida, a ressignificar a sua existência numa grande aventura pelas estradas.

Aqui, o ator representa Colin, um homem gentil e atravancado em sua timidez, desanimado pelas circunstâncias nada animadoras da atual sequência de acontecimentos que move a sua vida. Será em sua moto e sempre paramentado pelos equipamentos de proteção que o personagem trafegará por longas estradas para reencontrar a “essência” das coisas que lhe atraem. Depois que a sua esposa foge com Geoff (Martin Carter), o capitão do campeonato de dardos na cidade onde moram, Blackpool, o protagonista decide persegui-los, tendo em vista recuperar a sua amada e demonstrar que eles ainda podem viver um romance muito intenso juntos. Nesta caminhada de muita aventura, Colin conhece outros tipos humanos e percebe que a sua vida não necessariamente deve gravitar em torno do par amoroso que o largou por considera-lo insatisfatório. Neste típico exemplar de filme de estrada, a sua concepção das coisas passa por modificações vertiginosas e a alienação dá espaço para novas e “grandes esperanças”.

Há a chance de redenção, mas depois de muitas conquistas, inclusive uma motocicleta nova, haja vista a destruição da inicial por um caminhão numa cena de desastre na estrada, Colin não quer voltar mais para a sua perspectiva anterior. Ele conheceu um punhado de figuras diferentes, observou a maneira como tais personagens levavam as suas vidas e decide, no processo, perdoar a sua esposa que o abandonou, deixando para ela a banca de jornal que eles administravam para experimentar, na estrada, novas tensões que lhe permitam um misto de sensações, coisa que ele até então nunca havia se permitido, em sua trajetória limitada. Neste caminho, Colin aprende e ensina, doa e retribui, tornando a sua passagem monótona e simplória pelo mundo numa experiência mais engajadora para si, esbanjando exemplo para os outros. Ele percebe que apesar de não ter como mudar as coisas, pode escolher outras vias para prosseguir, sem a necessidade de desistir de ser do que ele é enquanto ser humano.

Para a concepção estética de Pé na Estrada, o cineasta Damien O’Donnell contou com a direção de fotografia de Alwin H. Kuchler, setor que entrega imagens eficientes das travessias destes personagens pelas paisagens nubladas do espaço cênico que contém muitos trechos em locais abertos, em estradas de verdade. No design de produção, Tom Conroy nos insere na atmosfera climática já reforçada pelos filtros e estratégias de captação de imagens da fotografia, setor que ainda conta com os figurinos assertivos, gerenciados por Natalie Ward, também responsáveis por nos colocar no clima e vislumbrar em cena, os aspectos físicos e psicológicos do protagonista e dos coadjuvantes, indo além dos diálogos para explicitar como funciona a rotina deste grupo de figuras ficcionais, como já mencionado, cativantes. A trilha sonora de Kate Rusby e John McCusker também funciona bem, a merecer destaque. Ademais, Pé na Estrada é um drama com toques substanciais de humor, uma história amena sobre vencer obstáculos em nossas vidas e buscar reajustar aquilo considerado perdido, inconquistável, em linhas gerais, mudar as perspectivas e as exigências, buscando reviravoltas que nos integre novamente ao que é agradável e atraente neste mundo que precisa de pessoas que vivam mais intensamente.

Três Mundos (Heartlands, França – 2002)
Direção: Damien O’DonnellRoteiro: Paul FraserElenco: Michael Sheen, Mark Addy, Jim Carter, Ruth Jones, Phillipa Peak, Jane Robbins, Paul Shane, Mark Strong, Joe Dempsie, Silas-Paul Simpson, Russell Hayes, Alan Williams,James CordenDuração: 90 minutos

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