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Crítica | Peaky Blinders – 5ª Temporada

por Ritter Fan
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Não, eu não sou Deus. Não ainda.
– Shelby, Tommy

  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das temporadas anteriores.

Quase dois anos depois da quarta temporada, Peaky Blinders retorna não só com sua trama mais política e ambiciosa, como também com o primeiro ano que não encerra um arco, deixando-nos pendurados à espera de vindouros acontecimentos. Mas a notícia é boa, pois a a quinta temporada sabe aproveitar muito bem o cliffhanger corrido e razoavelmente forçado que colocou Tommy Shelby como membro do parlamento britânico e trabalhar a partir do crash de 1929, em mais um salto temporal, e a ascensão do fascismo na Europa.

A combinação é explosiva, com os Shelby, de um lado, enfraquecidos graças à teimosia (ou será que foi proposital?) de Michael ao continuar apostando na bolsa de Nova York mesmo depois de Tommy mandá-lo vender as posições, e, de outro, Sir Oswald Mosley (Sam Claflin), aproveitando-se do momento, fazendo de tudo para arregimentar Tommy para seu lado na futura formação da British Union of Fascists (União Britânica de Fascistas em tradução livre). A figura real de Mosley, do partido que fundaria em 1932, assim como o que conhecemos sobre a História do Mundo, especialmente dos anos 30, emprestam todo o panorama político que necessitamos para entender a urgência e o perigo imediato para todos os envolvidos, talvez criando o pano de fundo mais facilmente identificável na série até agora.

Mas esse pano de fundo macro, que entra na narrativa como um turbilhão a partir das violentas ações dos Billie Boys, gangue escocesa rival dos Peaky Blinders liderada por Jimmy McCavern (Brian Gleeson) e que funciona como braço executor de Mosley, é temperada pelos profundos tormentos psicológicos por que Tommy passa e que ele “trata” com vastas quantidades de láudano que, por sua vez, dão azo a visões de sua amada Grace. Seu trauma de guerra, visto poucas vezes na série, retorna com força total aqui, deixando-o paranoico (ainda que não sem razão), descontrolado e ainda mais insensível, distanciando-0 de seus filhos, esposa e família em geral ou, pelo menos, colocando-o em uma espécie de prisão de onde ele não consegue sair da mesma forma que ninguém consegue entrar.

Com a entrada do odioso Mosley no mix, as convições de Tommy são abaladas. Não, ele nem de longe pensa em aliar-se aos fascistas sem um plano para miná-los por dentro, mas ele percebe, para sua surpresa, que ele tem sim uma convicção política muito mais alinhada ao trabalho que vinha fazendo no parlamento pelo Partido Trabalhista, ainda que com o objetivo secreto de fazer ruir as bases do movimento comunista. É muito interessante ver como, assim como juros compostos, essa questão multiplica exponencialmente os temores de Tommy e o baile de máscaras que ele é obrigado a viver torna-se complexo e, sobretudo, perigoso, com diversas peças móveis que estão além de seu controle.

Esse destaque que Tommy ganha na temporada tira o melhor que Cillian Murphy tem a oferecer, com o ator conseguindo destronar seus costumeiros “rivais” Helen McCrory e Paul Anderson na categoria performance de destaque, com a ressalva de que os dois continuam excepcionais, claro. Até mesmo a fotografia torna-se mais fantasmagórica para refletir esse desequilíbrio em Tommy, algo que produz diversas sequências visualmente memoráveis com a que abre a temporada com ele a cavalo no meio de nada com coisa nenhuma aproximado-se de uma cabine telefônica e a do campo minado no jardim de sua casa, além de, claro, a onírica sequência de encerramento em meio à neblina.

Sam Caflin, por sua vez, como figura antitética a Tommy, brilha como o vilão que, mesmo que não fosse fascista, é daqueles que dá vontade de pular na tela para socar, um testamento não necessariamente de um bom trabalho dramático, pois vejo limitações ao que o ator pode fazer, mas sim aos excelentes roteiros de Steven Knight. É assustador como, para ele, toda a direção de arte e toda a fotografia são capazes de emular a iconografia nazista sem efetivamente usar os símbolos que passariam a ser largamente conhecidos poucos anos depois dos eventos da temporada.

Outro aspecto interessante e inédito na série é a transparência dos planos de Tommy Shelby. Sempre mantidos em segredo para permitir reviravoltas que mostram que Tommy sempre pensa dez jogadas a frente, os planos eram uma marca registrada da série e ases na manga do showrunner. Nessa temporada, muito ao contrário, tudo fica às claras, o que por vezes é problemático diante do peso de diversos diálogos expositivos (um deles sendo a conversa de Tommy com Winston Churchill, agora vivido por Neil Maskell). Mas pelo menos os plot twists, um dos problemas da temporada anterior, ficam em níveis gerenciáveis que não atrapalham a fluidez da narrativa e ajudam a fazer a tensão e o suspense crescerem de verdade no clímax no comício fascista.

Nesse tocante, incomodou a inclusão de personagem novo no final da temporada. Falo de Barney (Cosmo Jarvis), outro veterano de guerra e colega de Tommy que está internado em um manicômio judiciário. Apresentado como completamente instável (só para usar um eufemismo) e um excelente sniper que nunca erra, o personagem tem todos os predicados de roteiro preguiçoso que inventa moda quando as cortinas já estão para fechar. Teria sido mais honesto usar um personagem já consolidado que pudesse ser sacrificado, retconando seu passando com alguma menção à sua mira infalível. Por exemplo, Aberama Gold poderia fazer esse papel, certamente uma morte muito mais interessante do que a que ele ganha nos bastidores do teatro.

O oposto de Barney é o uso que a temporada faz de Michael Gray. O personagem já havia sido pouco destacado na temporada anterior e, aqui, ele tem razoavelmente pouco tempo de tela também, mas o espaço que ele ganha é muito bem aproveitado, primeiro colocando-o como culpado pela perda do dinheiro dos Shelby com o crash e, depois, como possível traidor, adicionando à paranoia de Tommy. Agora casado com a americana Gina (Anya Taylor-Joy), ele trama a “sucessão” de Tommy com um plano que garante a aposentadoria mais do que confortável de todos, mas com ele como o novo poderoso chefão. Com a recusa de Tommy, ele e Gina põem em prática o plano B que é provavelmente a causa por trás do plano frustrado de assassinato e que potencialmente arma a futura temporada, com Tommy tendo que enfrentar um câncer no seio da família.

Se esse será o caminho que Steven Knight tomará, ainda é cedo para dizer, mas espero sinceramente que seja, pois poderá representar uma rusga familiar incurável capaz de rachar de vez os Shelby, além de abrir espaço para que a hegemonia de Tommy desapareça. Só não sei como essa linha narrativa poderá ser abordada juntamente com a trama macro envolvendo os fascistas e o caminho da Europa em direção à Segunda Guerra, mas fico curioso para ver.

A quinta temporada de Peaky Blinders mais uma vez é bem sucedida em elevar as apostas da série, mergulhando-a profundamente no mar revolto da década em que se insere, além de trabalhar com eficiência o lado psicológico do protagonista. Sem dúvida, porém, a temporada pareceu mais a primeira parte de algo maior e mais longo que talvez nem se resolva completamente na próxima. Foi uma quebra de paradigma para o trabalho que Knight vinha fazendo, mas é só arriscando que se consegue inovar e seu jogo pagou dividendos aqui e promete pagar mais ainda em futuro próximo se ele continuar nessa direção.

Peaky Blinders – 5ª Temporada (Reino Unido, 25 de agosto a 22 de setembro de 2019 no Reino Unido e 04 de outubro de 2019 mundialmente)
Criação: Steven Knight
Direção: Anthony Byrne
Roteiro: Steven Knight
Elenco: Cillian Murphy, Helen McCrory, Paul Anderson, Sophie Rundle, Alfie Evans-Meese, Finn Cole, Tom Hardy, Neil Maskell, Benjamin Zephaniah, Ned Dennehy, Natasha O’Keeffe, Packy Lee, Kate Phillips, Charlie Murphy, Aidan Gillen, Ian Peck, Jack Rowan, Anya Taylor-Joy, Sam Claflin, Brian Gleeson, Cosmo Jarvis
Duração: 348 min. (6 episódios no total)

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