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Crítica | “Pecado” – Ney Matogrosso

Tateando caminhos.

por Iago Iastrov
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Era 1977 e Ney Matogrosso chegava com Pecado, gravado nos estúdios Vice-Versa de São Paulo. Vinha embalado pelo sucesso de Bandido (1976) e do hit Bandido Corazón — que Rita Lee fez sob medida para ele — mas agora precisava provar que não era modinha passageira. A capa já entrega o dilema: Vânia Toledo fotografou Ney com adornos que remetem demais ao visual de Bandido. Na minha opinião, soa repetitivo, especialmente quando o encarte traz outros cliques bem mais interessantes. E a tipografia transformando Pecado é o puro suco do clichê setentista. Eu não gosto, mas entendo a escolha.

O disco abre forte com Boneca Cobiçada, onde Ney assume conscientemente o papel de objeto de desejo. A composição de Bolinha e Bia ganha uma interpretação que, para mim, equilibra perfeitamente doçura e malícia. O arranjo flerta com o funk da época, criando a base ideal para a voz de Ney seduzir desde o primeiro acorde. Já Metamorfose Ambulante é minha grande frustração técnica do álbum. A ousadia de revisitar Raul Seixas é interessante, mas a qualidade da gravação estraga tudo: a voz soa distante, perdida numa mixagem que não oferece suporte adequado. Me fez torcer o nariz durante toda a audição.

A sofisticação aparece em Desafinado, onde Ney revisita o clássico de Tom Jobim e Newton Mendonça com domínio técnico impressionante. Demonstra erudição na bossa-nova, embora eu sinta falta daquele frescor que caracteriza suas melhores performances. É Ney mostrando conhecimento sem necessariamente agregar nova perspectiva. Em Da Cor do Pecado, o samba de Bororó ganha vida através da conexão entre sensualidade e brasilidade. O arranjo incorpora elementos percussivos plurais, enquanto Ney navega com a desenvoltura de quem entende profundamente nossas tradições musicais. Uma das faixas mais satisfatórias.

Rita Lee volta à parceria em Com a Boca no Mundo (com Luis Sergio e Lee Marcucci). A letra provocativa ganha interpretação maliciosa sem vulgaridade, sobre um arranjo pop-rock eficiente que demonstra a versatilidade do cantor. Tigresa, de Caetano Veloso, representa o encontro de duas personas singulares. A composição ganha nova dimensão através de Ney, que extrai suas potencialidades sensuais sem perder a sofisticação poética. O arranjo cria uma atmosfera felina perfeita e, francamente, a versão é absurdamente boa. O ápice interpretativo vem com San Vicente. A parceria Milton Nascimento e Fernando Brandt ganha uma leitura que preserva a melancolia original enquanto adiciona camadas de sensualidade cinematográfica. A condução vocal é magistral, Ney navega entre levezas e explosões emocionais com naturalidade impressionante. É ele em estado de graça.

Sangue Latino, de João Ricardo e Paulinho Mendonça, traz um interessante retorno às origens (Secos & Molhados) com toque musical diferenciado. Enquanto Postal de Amor – Versão 2 reúne três compositores nordestinos (Fagner, Fausto Nilo e Ricardo Bezerra) numa das faixas mais naturais e gostosas do álbum, onde a persona artística de Ney se harmoniza perfeitamente com o material. O encerramento fica por conta de Retrato Marrom (Rodger Rogério e Fausto Nilo), que funciona como síntese das propostas desenvolvidas. A canção combina melancolia e sensualidade, permitindo demonstração final tanto da capacidade emocional quanto do domínio técnico de Ney. A letra constrói um cenário urbano decadente onde o amor se desenrola em bares escuros e esquinas silenciosas. A atmosfera de fim de festa permeia toda a composição, com imagens poéticas que misturam ameaça e sedução, como o “punhal em teu olhar” e o “veneno do teu beijo“. É um retrato perfeito da boemia urbana dos anos 1970, onde Ney empresta sua voz para dar vida a esse universo de paixões crepusculares. Minha favorita!

Pecado funciona como ponte entre a energia crua dos primeiros solos de Ney e a sofisticação pop que viria a seguir. Confirma as qualidades excepcionais do artista, mas também revela limitações de um projeto que não ousa tanto quanto poderia. Entrega qualidade suficiente para satisfazer sem necessariamente surpreender; um trabalho sólido na construção da trajetória do cantor, mesmo quando a genialidade não aflora em todos os momentos.

Aumenta!: Retrato Marrom
Diminui!: Metamorfose Ambulante

Pecado
Artista: Ney Matogrosso
País: Brasil
Lançamento: 1977
Gravadora: Continental
Estilo: MPB, Música Latina, Samba, Bossa-Nova, Choro
Duração: 35 min.

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