Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Pequena Miss Sunshine

Crítica | Pequena Miss Sunshine

por Gabriel Carvalho
3,3K views

“Há dois tipos de pessoas nesse mundo, vencedores e perdedores.”

Contém leves spoilers.

O que distanciaria os vencedores dos perdedores? As conquistas das derrotas? O que de fato permitiria o homem evitar o fracasso e ser induzido a vencer? E qual o objetivo de seguir essa busca incessante pelo vencer, em sua concepção mais normativa? Apenas vencer? Vencer para quem? Para os outros? Para o mundo? Para si mesmo? Assim estreou no Festival de Sundance de 2006 o primeiro longa-metragem de Jonathan Dayton e Valerie Faris, o qual começaria abordando a palestra de Richard Hoover (Greg Kinnear) sobre seu livro de autoajuda introdutório aos nove passos necessários para se ser um vitorioso. Dessa forma, o mundo de Hoover é distribuído em duas posições antagônicas: ou você vence, ou você fracassa. O peso familiar, contudo, é carregado por Sheryl (Toni Collete), esposa, mãe e principal provedora da casa. Já Richard, embora aplique as ideias contidas em seu livro na criação de seus filhos, está frustrado por não conseguir vende-lo para nenhuma editora. Na figura do irmão de Sheryl, Frank Ginsberg (Steve Carell), especialista no escritor Proust, reside a temática trágica do homem que falhou em se suicidar. Tendo que ficar com a família de sua irmã, Frank é reapresentado ao seu sobrinho Dwayne (Paul Dano), que, movido pelo desejo de tornar-se um piloto de teste, optou por fazer um voto de silêncio, também em decorrência de seu interesse pela literatura de Friedrich Nietzsche. Mas ainda há mais membros dessa família cativante e relacionável a serem apresentados.

Além destes citados, o núcleo da história também conta com Edwin Hoover (Alan Arkin), pai de Richard. Sendo expulso de um asilo devido problemas com heroína, este senhor acaba desenvolvendo seu lado mais humano na relação que fomenta com Olive (Abigail Breslin), filha do casal, a qual enxerga no avô o treinador responsável por manter seus aspirantes desejos de ser a Pequena Miss Sunshine. Quando a família descobre que Olive foi inesperadamente classificada para disputar o prêmio, todos embarcam em uma viagem rumo a Redondo Beach, emaranhados dentro de uma simpática – e enferrujada – Kombi amarela. O roteiro de Michael Arndt então joga o espectador para dentro de uma jornada nada convencional. A fórmula de road trip é indiscutivelmente bem sucedida ao ser projetado nela um estudo profundo da concepção de família, tanto em seu conjunto quanto em sua individualidade. Por outro lado, há alguns aspectos duvidosos no trabalho de Arndt. A conjuntura mais trágica, que ocorre tanto em um motel quanto em um hospital, abre as portas para um inconsequente, quase insensível, tratamento humorístico. Enquanto a conversa entre mãe e filha para que a criança entenda o que está acontecendo e o que pode vir a acontecer é extremamente verdadeira, tudo o que vem a seguir é extremamente inverossimilhante. Os elementos surreais não são tão bem abalroados aqui quanto os colocados durante a chegada ao hotel, a qual é, diga-se de passagem, impagavelmente engraçada, assim como a maneira de correr, quase alienígena, de Frank.

Ademais, reside no forte elenco a contribuição final na construção de personagens excepcionalmente bem escritos. Alan Arkin é extremamente eficiente em atribuir a Edwin um caráter humorístico mais sombrio, mas ainda assim sincero. Sua performance condiz muito bem com a situação de um homem velho que após ter vivido uma vida dentro dos conformes sociais, agora busca em prazeres hedonistas a felicidade que nunca teve verdadeiramente. Sua relação com Olive é a mais sensível das pinceladas, sendo os diálogos mais tocantes da obra alocados na interação entre os dois. Em paralelo a isso, o filho de Edwin, Richard Hoover, é quem sofre a mais significativa mudança no que se refere ao seu caráter inicial. O ator Greg Kinnear lida muito bem com a passagem de um pai de família contraditório acerca de seus próprios ideias para um outro mais convicto de seus propósitos reais; um arco dramático certamente fascinante. É duro de ver o próprio ganha-pão de Richard, sua tese sobre o conflito eterno de vitória versus derrota, ser rejeitado até pelos membros de sua própria família, mesmo que este seja um percalço que o homem precisa enfrentar. Da mesma forma, a imagem de uma mãe imponente, que tem de lidar com uma vida sobrecarregada, é transmitida muito bem por Toni Collette. A presença da personagem (o cigarro na mão representa um alívio momentâneo) é muito mais forte para seus filhos que a de Richard. A exemplificar sua força, em um dos primeiros diálogos do filme, Olive se questiona sobre a realidade dos acontecimentos relacionado ao seu tio. Enquanto Richard tenta omitir os fatos, Sheryl permite que a honestidade das coisas seja configurada. Não é para menos que a opinião de Sheryl prevalece, enquanto a de Richard internaliza-se em sua própria frustração.

Neste mesmo diálogo de Olive com seu tio, durante o almoço na mesa de jantar, as informações necessárias para se entender o personagem de Steve Carell são passadas com pouca sutileza, quase expositivas. O trabalho do ator, contudo, tornam-nas terrivelmente verdadeiras. Seu porte inquietante, de um homem nocivo a si mesmo, vai aos poucos dando origem a um alguém mais flexível aos obstáculos. Nas interações tensas e cômicas entre Frank e Richard, o escritor de autoajuda enxerga na figura do outro o retrato perfeito da ruína de um homem. Engana-se porém quem acredita que a origem da dor de Frank está no fracasso amoroso. O filme, inteligentemente, vai aos poucos dando margem a uma interpretação de que o desgaste da promissora carreira acadêmica do homem é a verdadeira causa de seu sofrimento. Por mais, o enigmático jovem ator Paul Dano conduz magnificamente o reflexo da “dolorosa” juventude, sem precisar de nenhuma fala para isso. Quando revelado que ele acompanhará a família na viagem, sua rejeição ao fato é calorosamente temperada pelas suas feições e, em consequência, acalmada pela assistência de Sheryl, uma confortante gravura materna. Isto revela com recato imprescindível, uma informação crucial para o entendimento de ambos personagens. Igualmente, o ator é estupendo durante a climática revelação sobre uma condição especial que lhe aflige. A cena, aliás, transmite do modo mais franco possível a suposta libertação das amarras da esperança. No mais, até mesmo o caderninho de anotações de Dwayne consegue passar tremenda transparência em sua abordagem. No final das contas, um ator que comprovaria sua competência artística por definitivo em Sangue Negro, mas que já dava sinais de sua imensa habilidade interpretativa.

Todavia, mesmo com tantos personagens e sub-arcos, o centro da história espelha-se de verdade na trajetória de Olive, a ingênua e adorável filha dos Hoover; a absoluta alma de um filme graciosamente revitalizante. Mesmo pequena, Abigail Breslin contagia o público ao representar uma garotinha que, embora propensa a inseguranças, consegue subjugar seus medos, tão poderosos para a sua mente quanto os medos adultos são para as mentes de pessoas adultas. A diferença é que, enquanto a maior parte dos adultos fazem seus próprios calvários perdurarem, Olive encontra a chave para contornar seus temores, e de sobra, contornar os maiores pesadelos de seus entes queridos. Mesmo conduzido por algumas vias questionáveis, Pequena Miss Sunshine, um feel-good movie de alto escalão, surpreende intensamente ao trazer um casting espetacular, um roteiro comprometido, uma emotiva trilha sonora e uma direção proficiente. Na missão da menina em tornar-se a Pequena Miss Sunshine, os membros da família se redimem, não ao resolverem seus problemas, mas ao encontrarem paz nas pessoas com quem caminharão pelo mar de desafios trazidos pela vida. A vitória, afinal, não está na ausência de derrotas, mas na intenção de manter-se firme perante os obstáculos, que mesmo lhes derrubando, não precisam necessariamente destroçar a esperança, que aos trancos e barrancos, há de sempre restar.

Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine) — EUA, 2006
Direção:
 Jonathan Dayton, Valerie Faris
Roteiro: Michael Arndt
Elenco: Greg Kinnear, Toni Collette, Abigail Breslin, Steve Carell, Paul Dano, Alan Arkin, Bryan Cranston, Dean Norris, Wallace Langham, Beth Grant, Jill Talley, Matt Winston
Duração: 101 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais