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Crítica | Perdidos no Espaço – 3ª Temporada

Aventura, Will Robinson!

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das temporadas anteriores e de todo nosso material sobre a franquia Perdidos no Espaço.

Se empregarmos a expressão ficção científica em seu significado mais amplo, provavelmente notaremos uma oferta bastante grande e de qualidade de boa para cima de séries do gênero atualmente, seja For All Mankind na categoria de História Alternativa, ou The Expanse em hard sci-fi e até mesmo The Mandalorian e Patrulha do Destino com a pegada de fantasia. No entanto, se quisermos – e eu quero – limitar ficção científica às aventuras sci-fi que nos remetem não só à Perdidos no Espaço original, como também ao espírito de décadas mais simples, mas não menos marcantes e definidoras para o gênero, então o reboot do clássico de Irwin Allen por Zack Estrin como uma produção original do Netflix é uma obra imperdível, tão imperdível como o outro reboot sci-fi de série clássica cancelada a destempo (e sem que a ela fosse permitido um final) de não muito tempo atrás, a magnífica Battlestar Galactica.

Como você se atreve a comparar Perdidos no Espaço com Battlestar Galactica?” – alguns perguntarão indignados, em pé de guerra e prontos para invadir as dependências do Plano Crítico para empalar este pobre crítico como o Conde Vlad fazia. A resposta é simples: tudo aquilo que BSG tinha de complexidade e de críticas sociais, religiosas e políticas, Perdidos no Espaço tem de inocência, simplicidade, coração e aquele magnífico senso de deslumbramento e aventura envelopados em uma obra com excelentes efeitos em computação gráfica e práticos (só de haver efeitos práticos em quantidade nada diminuta já é uma grande alegria, valendo especial destaque para Robô, claro), um elenco cativante e ritmo perfeito para mergulhos profundos que começam no primeiro episódio e acabam no último, sem fazer com que sintamos muito o tempo que passou. Então sim, Perdidos no Espaço, o reboot, é o equivalente infanto-juvenil capaz de igualmente encantar adultos de Battlestar Galactica, o reboot.

A 3ª e última temporada da série vem para dar um fim digno à história, algo que o showrunner faz de maneira competente com dois episódios a menos do que o tamanho regulamentar e com duração em média menor de cada um dos oitos capítulos, o que empresta uma cadência melhor à narrativa que começa mais ou menos um ano após os eventos da temporada anterior, com Judy, Will, Penny e as demais crianças da Resolute (além da Dra. Smith e do Robô, claro) vivendo em um vale com atmosfera de um planeta de outra forma destruído e constantemente bombardeado por asteroides e Maureen, John, Don (e Debbie, pois ela é essencial) e os demais adultos em um anel de naves Júpiter orbitando sóis duplos para se manterem escondidos de SAR e seu exército de robôs malignos. Não demora, e o status quo de cada grupo começa a mudar radicalmente, com as crianças percebendo que, se não saírem do planeta logo, não conseguirão mais sair, o que desencadeia expedições que levam Judy a descobrir seu pai biológico Grant Kelly (Russell Hornsby) em estase na Fortuna e Will a descobrir a cidade dos seres que construíram os robôs, todos eles mortos.

Apesar de o ritmo ser mais alucinante que os das temporadas anteriores, parece-me que Zack Estrin, no lugar de simplificar sua história para fazê-la caber no espaço alocado, decidiu comprimir o material que tinha imaginado para provavelmente duas ou três temporadas e colocá-lo todo aqui no encerramento, o que leva as duas histórias paralelas de crianças e adultos pularem de lugar em lugar com uma razoável constância, sempre mantendo a premissa do título da série e sempre – e isso é importante – mantendo a pegada leve de aventura sci-fi que dita basicamente que os perigos, por mais bizarros e impossíveis que possam parecer, são enfrentados com coragem por todos e, mais do que isso, solucionados com relativa facilidade e normalmente no último segundo possível, sempre com brilhantes ideias de algum dos Robinsons (e por vezes dos agregados Don e Dra. Smith, esta já bem mais boazinha, vale dizer).

Tenho plena consciência de que essa estrutura de apresentação do perigo e solução mirabolante de último segundo sem que praticamente ninguém sequer sofra um arranhão (ok, Judy, em determinado momento, até desloca o ombro e Will, bem no final, chega a ter seu coração substituído por um mecânico, mas é como fosse apenas detalhes insignificantes, inconvenientes que os personagens não parecem sentir em demasia) pode cansar muita gente, mas é justamente ela que faz de Perdidos no Espaço a série que é para mim e que, se pensarmos bem, emula exatamente o que a obra clássica sessentista era. A graça está em exatamente ter uma oferta interminável de desafios que a cartola mágica dos Robinsons elucidam com um apertar de botões, uma gravação conveniente ou uma ligação de fios de alta tensão.

No entanto, Estrin talvez tenha ido um pouco além da conta em suas “mudanças de cenários” e “apresentações de novos perigos”, pois ele acaba correndo demais em determinados momentos que teriam se beneficiado de mais vagar. Isso fica particularmente claro na chegada dos Robinsons na colônia humana em Alfa-Centauro. Não há nenhuma pompa e circunstância para um momento tão definidor na história e, igualmente, não há tempo para o espectador absorver os detalhes desse novo mundo, que passa a ser apenas mais um dentre tantos, ainda que não mais “perdido”. Além disso, enquanto alguns arcos de personagens ganham ótimos desfechos, como é o caso do de Will Robinson (impressionante como Maxwell Jenkins cresceu, não é mesmo?), com sua “transformação” em robô com o coração mecânico que contém a programação de seu melhor amigo e o da Dra. Smith, que talvez tenha sido brindada com o melhor arco evolutivo da série, com Parker Posey mais do que convencendo em sua evolução de vilã a professora de francês (até agora não estou convencido de que ela sabe mesmo a língua…) a heroína arrependida que finalmente se entrega à Justiça, outros são mais rasos e bem menos interessantes. Até mesmo o de Judy Robinson, achando seu pai biológico, é relegado a segundo – talvez terceiro – plano e o de Penny é reduzido a ela descobrir que ela é uma heroína que não depende de outras pessoas ou namorados para defini-la (um pouco didático demais da conta, diria, mas vá lá…), com o do casal Maureen e John sendo apenas burocrático na melhor das hipóteses, ainda que Toby Stephens e Molly Parker, juntos, sejam muito bons daquele jeito “somos invencíveis e vamos resolver todos os problemas” de ser. Somente o de Don, que não posso chamar realmente de arco narrativo, é “bonitinho”, com ele finalmente percebendo que, para todos os efeitos, já é um Robinson (e Debbie também, não podemos esquecer!).

Por outro lado, na seara não humana, vale destaque o cuidado que o roteiro tem com SAR e suas motivações. Tudo aquilo que, antes, parecia quase que aleatório ou, ao contrário, determinístico demais, com robôs seguindo suas programações, ganha outras camadas quando percebemos que não só o vilão já está livre dos comandos de seus criadores, como o que ele quer é garantir essa liberdade para todo o sempre eliminando quaisquer “programadores”. Essa é uma abordagem que muito claramente tinha ainda mais contexto para ser trazido para a série, mas que acabou sendo podada pela vontade do showrunner de inserir versões à jato de tudo aquilo que tinha imaginado para o futuro da série. Teria sido fascinante saber mais de SAR e de seu passado genocida, assim como sua conexão com Espantalho e Robô, talvez até mesmo na forma de um episódio inteiro dedicado aos seres tecnológicos, sem participação humana.

No entanto, mesmo com seus problemas que colocam essa temporada como a menos ótima das três (mas por pouco), o encerramento das desventuras espaciais da família Robinson é uma agradabilíssima experiência audiovisual que dá vontade de rever assim que os créditos do episódio final começam a rolar. Pode ser que ela tenha acabado cedo demais e pode ser que seu showrunner tenha se recusado a deixar de explorar algumas linhas narrativas, de certa forma amontoando o resultado final, mas os icônicos Will, Judy, Penny, John, Maureen, Don, Dr. Smith e Robô ganharam as versões modernas que mereciam em uma série de aquecer corações, sejam eles artificiais ou não.

Perdidos no Espaço – 3ª Temporada (Lost in Space – Season 3, EUA – 1º de dezembro de 2021)
Desenvolvimento:  Matt Sazama, Burk Sharpless (com base em criação de Irwin Allen)
Showrunner: Zack Estrin
Direção: Frederick E.O. Toye, Kevin Rodney Sullivan, Sarah Boyd, Julian Holmes, Leslie Hope, Jabbar Raisani
Roteiro: Matt Sazama, Burk Sharpless, Zack Estrin, Vivian Lee, Daniel McLellan, Kari Drake, Katherine Collins
Elenco: Toby Stephens, Molly Parker, Maxwell Jenkins, Taylor Russell, Mina Sundwall, Ignacio Serricchio, Parker Posey, Brian Steele, Ajay Friese, Raza Jaffrey, Russell Hornsby, Charles Vandervaart, Elias Leacock, June Lockhart
Duração: 376 min. (8 episódios no total)

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