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Crítica | Pergunte-me Se Estou Feliz

por Fernando JG
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Giovanni está deitado no sofá assistindo à TV enquanto reflete sobre o que é o rancor. “qual è il rancore?” “O rancor é uma coisa… é como se… a palavra mesma já diz: ran-cor”. Sem saber bem como explicar esse sentimento, o personagem tenta elaborar o ocorrido que o faz ter essa raiva intensa. A campainha toca. É Giacomo, seu ex-melhor amigo que vem avisar que Aldo, a outra pessoa do ex trio de amigos, está doente. Ex-melhor amigo, um trio que não existe mais, uma voz-off refletindo acerca do que é o rancor… Em três minutos de tela, a direção planta uma semente de curiosidade, enxugando previamente o argumento do filme mas sem oferecer as respostas. Mas, afinal, o que houve? É essa a pergunta que será respondida nas minutagens seguintes.

Essa commedia italiana dirigida por Aldo Baglio, Giacomo Poretti e Giovanni Storti, que interpretam personagens de nomes homônimos, performa, de maneira sólida e prática, doçura, leveza, romantismo e um leve toque de bucolismo em sua atmosfera fílmica. A simplicidade do roteiro, que responde a todas as questões levantadas, é já um primeiro acerto. É sempre preferível que uma história comece e acabe de maneira completa, mesmo que simples, do que alcançar o céu nos primeiros atos e cair estabanada no chão ao último, deixando lacunas e pontos para amarrar – o que não é o caso aqui. 

Diria que a construção de uma comédia de feição inocente, cujo princípio está inteiramente em fazer rir devido às trapalhadas de algum personagem ou de um grupo de amigos, garante a linearidade e a beleza do argumento. Sem apelar para possibilidades escrachadas próprias da comédia, o enredo conta passo a passo do ocorrido entre eles e o motivo do rancor. Como grandes intrigas mundiais, a briga entre os amigos é por conta de mulher. Uma vez que Homero abriu essa brecha, narrando a ira de Aquiles em razão de ter a sua Briseida roubada por Agamêmnon na Ilíada, este assunto parece render boas histórias. A ideia de utilizar da retrospecção narrativa, ou seja, de começar in media res (depois dos fatos já ocorridos) e retornar para explicar o presente, funciona enquanto estratégia de apresentação da história e inteligentemente incita à curiosidade de quem assiste. 

Um ponto que não há como deixar de reconhecer é o carisma dos protagonistas. A relação entre os amigos Aldo, Giacomo e Giovanni é muito bonita, sendo este mais um aspecto do filme que faz com que queiramos continuar a vê-lo. As piadas têm a sua pitada daquele humor partilhável e entendível só entre amigos próximos, o que oferece também um nível de aconchego no curso da narrativa.

A virada metalinguística do filme é, senão, o ponto alto, exibindo uma criatividade admirável. Existe um intercâmbio teatro-filme interessante, expondo um jogo duplo de atuação, que ora os apresenta enquanto atores de cinema, ora como atores de teatro no subtexto da peça teatral que eles estão preparando. O desenlace do longa-metragem surpreende e torna tudo límpido e cheio de sentido. Apesar do caráter caricato em boa parte do “drama” forjado em um momento de tragédia, essa mistura dramática entre comédia-tragédia é a cereja do bolo, o que me levou a terminar o filme com um sentimento bom, daqueles sentimentos inconfundíveis de quando finalizamos algo de que a gente de fato gostou. 

Pergunte-me Se Estou Feliz tem um estilo doce em seu processo expositivo, com um bom enredo, consistente em seu argumento e bons atores que seguram de maneira excelente todas as mudanças de gênero ao longo do filme, fazendo rir quando necessário, mas também sabendo parar nas horas corretas quando alguma tensão aparece no ar. Simples e amarrado no ponto certo, o longa reconcilia os seus personagens, corrige os seus erros e evidencia o poder de uma amizade singela por meio de uma comédia acessível e fatalmente bem finalizada. 

Pergunte-me Se Estou Feliz (Chiedimi se sono felice) — Itália, 2000
Direção: Aldo Baglio, Giacomo Poretti, Giovanni Storti, Massimo Venier
Roteiro: Aldo Baglio, Giacomo Poretti, Giovanni Storti,Massimo Venier, Paolo Cananzi, Walter Fontana, Graziano Ferrari
Elenco:  Aldo Baglio, Giacomo Poretti, Giovanni Storti, Marina Massironi, Giuseppe Battiston
Duração: 100 minutos.

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