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Crítica | Periféricos – 1ª Temporada

Realidade virtualmente real.

por Ritter Fan
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  • Não há spoilers, mas alguns conceitos expostos nos dois primeiros episódios são explorados na crítica.

Baseado em uma trilogia de ficção científica de William Gibson, Periféricos é a primeira produção de Jonathan Nolan e Lisa Joy – egressos de Westworld – para a Amazon Studios e a série vem tentar preencher justamente o espaço deixado pelos cancelamentos da adaptação da obra de Michael Crichton na quarta temporada e de Raised by Wolves na segunda temporada, ambos ocorridos em 2022, na categoria de séries sci-fi de explodir cabeças, repletas de reviravoltas e revelações. Os oito episódios deste começo de Periféricos lidam com conceitos inegavelmente fascinantes que envolvem tecnologia liberalmente extrapolada a partir da que hoje lidamos, uma espécie de viagem no tempo limitada e bem específica e até mesmo universos paralelos por meio de uma narrativa que se passa eminentemente em dois momentos temporais diferentes no futuro.

Em 2032, Flynne Fisher (Chloë Grace Moretz), usando o avatar de seu irmão Burton (Jack Reynor), usa um simulador de realidade virtual experimental vindo de uma empresa colombiana para ganhar dinheiro principalmente para ajudar sua mãe gravemente doente. Depois da missão inicial ajudando a misteriosa Aelita West (Charlotte Riley) a roubar dados de uma entidade em uma Londres futurista ultrarrealista, sua família recebe a visita de um grupo de mercenários que só são rechaçados porque Burton, ao lado de seus amigos da cidade em que vivem, especialmente o triplo decepado Conner Penske (Eli Goree), são revelados como veteranos de guerra que compartilham implantes hápticos que lhes permitem atuar de maneira conjunta de forma particularmente eficiente.

Essa situação, que toma o primeiro episódio da temporada, deflagra todo o restante, com Flynne estabelecendo contato com o silencioso Wilf Netherton (Gary Carr), que passa a ser seu contato dentro da realidade virtual que a leva para a Londres de 2099, levando-a a conhecer Lev Zubov (JJ Feild), dos Cleptos, o equivalente da máfia russa em um futuro pós-apocalíptico arrasado por algo chamado ironicamente de Sorte Grande, e que também está atrás do que Aelita roubou. O frágil equilíbrio de poder no futuro pós-Sorte Grande é estabelecido por uma espécie de hesitante divisão de competências entre os Cleptos, o Instituto de Pesquisa (IP) liderado por Cherise Nuland (T’Nia Miller) e a Polícia Metropolitana (Met) representada pela Inspetora Ainsley Lowbeer (Alexandra Billings em uma interpretação sensacional) que, porém, só aparece mais para a frente na temporada.

Em 2032, a situação pré-Sorte Grande é mais simples, ou, pelo menos, mais próxima de nossa realidade e, portanto, mais imediatamente compreensível, com a cidadezinha de Flynne sendo dominada por Corbell Pickett (Louis Herthum), o chefão do tráfico de drogas local que praticamente emprega mais da metade da população nos mais diversos negócios. Sua importância na história, no começo, parece ser mais distante, até alegórica, mas, depois, ele vai ganhando mais relevo e sua costura com a narrativa principal torna-se mais evidente e interessante.

No entanto, deixe-me parar por aqui minha tentativa de explicar a história da série, pois grande parte da diversão é o processo de descoberta de como as engrenagens criadas pela mente febril de William Gibson funciona (quem já leu Neuromancer sabe bem disso). A série é complexa em seus conceitos que ganham nomes específicos como o já citado Sorte Grande, mas também Toco, que é particularmente importante, mas tudo ganha explicações e definições em uma sucessão de roteiros que sem dúvida são carregados de textos expositivos, mas que, pelo menos para mim, funcionaram muito bem pela forma criativa como tudo é feito e pelo próprio fascínio gerado gerado pelos conceitos e ideias apresentadas.

Além disso, os visuais são muito cuidadosos. Enquanto no futuro de 2032 em região mais rural dos EUA o que vemos são pequenos incrementos tecnológicos que conversam muito bem com nossa realidade atual, no futuro londrino de 2099 a cidade ganha gigantescas torres/estátuas com função inicialmente incerta e tecnologia citadina que consegue estabelecer muito bem a natureza inicial de realidade virtual, com o uso de androides com e sem rosto, setas indicando o caminho a ser seguido nas ruas, celulares implantados no cérebro e mais uma infinidade de pequenos detalhes que ajudam na imersão imediata e cujas principais características ganham as devidas explicações na medida em que os oito episódios transcorrem, bastando, apenas, paciência por parte do espectador.

Em termos de elenco, gosto muito das atuações diametralmente opostas de Gary Carr como o seu misterioso, silencioso, econômico em movimentos e eminentemente triste Wilf Netherton e de Louis Herthum como o espalhafatoso, falastrão e maior que a vida Corbell Pickett. JJ Feild e T’Nia Miller estão deliciosamente maquiavélicos em seus papeis vilanescos no futuro mais distante, mas a verdadeira cereja no bolo é Alexandra Billings e sua afetadíssima e inteligentíssima Inspetora Ainsley Lowbeer que promete ganha ainda mais relevância na segunda temporada. Por outro lado, Chloë Grace Moretz exige uma “curva de aceitação” por parte do espectador. A atriz, que um dia foi uma promessa, acabou nunca chegando ao estrelato prometido e, aqui, ela até faz esforço, mas não consegue encontrar o tom de sua Flynne Fisher, ainda que isso não atrapalhe de verdade o aproveitamento da temporada.

No frigir dos ovos, quando os créditos do último episódio acabam (há uma cena pós-créditos até longa lá no final!), fica a impressão de que a primeira temporada de Periféricos é um prelúdio, a mera ponta de um iceberg sci-fi que ainda tem muito a revelar. Alguns podem ver isso como um problema e e eu entendo o raciocínio, já que relativamente pouco é realmente explicado – ainda que tudo ganhe alguma explicação – e tudo caminhe para um final gigantescamente aberto que, na prática, refaz quase que completamente o status quo da protagonista. Tenho para mim, porém, que isso faz parte do jogo, e que esse grande prelúdio para o coração da ação era realmente necessário – verdadeiramente essencial – para sedimentar conceitos e apresentar as linhas narrativas principais em uma série que pode fundir a cuca se o espectador não ficar atento. Agora é torcer para Periféricos vir para ficar…

Periféricos – 1ª Temporada (The Peripheral – EUA, de 21 de outubro a 02 de dezembro de 2022)
Desenvolvimento: Scott B. Smith (baseado em obra de William Gibson)
Direção: Vincenzo Natali, Alrick Riley
Roteiro:  Scott B. Smith, Jamie Chan, Greg Plageman
Elenco: Chloë Grace Moretz, Gary Carr, Jack Reynor, JJ Feild, T’Nia Miller, Louis Herthum, Katie Leung, Melinda Page Hamilton, Chris Coy, Alex Hernandez, Julian Moore-Cook, Adelind Horan, Austin Rising, Eli Goree, Charlotte Riley, Alexandra Billings, David Hoflin as Daniel, Hannah Arterton
Duração: 501 min. (oito episódios)

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