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Crítica | Picc Mi + Selbe

por Luiz Santiago
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Aqui trago breves comentários sobre dois curta-metragens que gostaria muito de ter visto à época de minha pesquisa para o Mundo Crítico #1: Senegal. O primeiro deles é Selbe (1983), uma das poucas obras da cineasta Safi Faye a que temos acesso, embora isso venha mudando nos últimos tempos (2021). O segundo deles é o curta Picc Mi (1992), do diretor Mansour Sora Wade, outro cineasta cuja maior parte da produção é de difícil acesso.

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Selbe

Mantendo características estilísticas, narrativas e conceituais (com foco no trabalho das mulheres, especialmente em conjunto) já observadas em outros documentários de sobrevivência dirigidos por Safi Faye, como Tesito ou mesmo Almas Sob o Sol, Selbe (1983) é um exame de papéis sociais de trabalho numa pequena vila senegalesa. Aqui, uma mulher de nome Selbe é destacada, e guia uma investigação de atitudes femininas que dominam essa vila em específico, assumindo a ordenação local na ausência dos maridos e mantendo o sustento das casas mesmo quando os homens voltam de mãos vazias do campo ou da cidade, e não querem ajudar em mais nenhuma “tarefa menor” da habitação.

O contexto econômico do Senegal naquele início de anos 1980 era a maior fonte de problemas para as famílias do país, que entre greves, grande desemprego e preços altos dos alimentos, precisavam criar as mais variadas formas para conseguir se alimentar. Selbe encarna toda uma variedade de atitudes desesperadas pela sobrevivência. Ela produz cerâmica, vende cigarros, vende peixes e desloca-se para ver se consegue algum modo de ganhar dinheiro. Em paralelo, vemos os maridos encostados, vencidos pelas dificuldades sociais mais intensas daquele tempo ou por uma negação pessoal de fazer qualquer coisa que não seja o “trabalho tradicional dos homens”. Isso coloca todo o peso nas costas da mulheres, tira comida das crianças e, pior ainda, não apresenta nenhuma possibilidade de reposição desse alimento.

A diretora não explora muito as raízes desses problemas e nem busca dar contexto para a situação. Todo o elemento crítico e de entendimento maior das dificuldades o espectador depreende de alguns diálogos e ações dos atores sociais que aparecem na tela, mas tudo fica bastante na superfície. Isso torna o filme menos interessante, em termos de crítica, do que poderia ser — uma vez que acaba estacionando na esfera da observação e detalhamento do sofrimento cotidiano, ficando por aí mesmo.

Selbe (Senegal, 1983)
Direção: Safi Faye
Roteiro: Safi Faye
Duração: 30 min.

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Picc Mi

Madou é um menino talibé, ou seja, uma criança cuja educação é confiada a um marabu (ou marabuto), tutor de ordem religiosa que cuida para que Madou e outras crianças aprendam o Corão. Em contrapartida, esse marabu explora todas essas crianças, fazendo com que “trabalhem” como pedintes pela cidade, todos os dias. No cinema senegalês essa figura é bastante presente, em diversos contextos e com diversos tratamentos por parte dos diretores. Uma abordagem bastante parecida (ou seja, crítica — de forma mais expositiva que militante — à exploração), pode ser vista no longa Njangaan (1975), de Mahama Traoré.

Em uma de suas andanças pela cidade, Madou conhece Ablaye, um menino que mora com o pai em um depósito de lixo. A partir desse encontro, os garotos se esquecem por um tempo as duras realidades de suas vidas diárias e procuram se divertir um pouco. Na estrutura geral do filme o público encontra um estabelecimento social de bastante recorrência nas obras urbanas senegalesas (impossível não se lembrar de A Pequena Vendedora de Sol), mas a trajetória dos dois amigos e a forma como o diretor mostra o dia desses meninos, que conseguem tirar um sorriso da situação, aponta para algumas luzes de esperança, de leveza na vida.

O grande diferencial, no entanto, está na reta final, quando o elemento mágico que é bem caro ao diretor Mansour Sora Wade (posso citar aqui até o seu filme mais famoso e acessível, O Preço do Perdão) se faz presente, e a difícil felicidade extraída de uma base social paupérrima dá às mãos à uma figuração onírica de plena liberdade e fuga daquele lugar, numa bela transformação do garoto protagonista.

Picc Mi (Senegal, 1992)
Direção: Mansour Sora Wade
Roteiro: Mansour Sora Wade
Duração: 20 min.

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