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Crítica | Pig – A Vingança

Cage mostrando o que um dia foi.

por Ritter Fan
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Um homem solitário e recluso que mora em uma cabana sem eletricidade em uma floresta do Oregon precisa retornar à sua vida na cidade e métodos de seu passado para recuperar sua porca farejadora de trufas que foi sequestrada. Esta é uma sinopse honesta e verdadeira de Pig, que também cumpre a função de manter o mistério e a atmosfera que seu diretor e co-roteirista de primeira viagem Michael Sarnoski faz questão de manter ao longo de quase toda a projeção. É, no mínimo, muito melhor do que o absolutamente ridículo e enganoso subtítulo nacional “A Vingança“.

E é por essa razão que não tenho nenhuma intenção em abordar, nesta crítica, os pormenores da história, nem mesmo a profissão antiga do protagonista, já que entrar completamente ignorante na experiência – ou, talvez, na expectativa de uma direção que pode ou não ser seguida – faz parte do jogo de Sarnoski que, com sua obra, finalmente nos lembra o porquê de Nicolas Cage, que vive o ermitão barbudo, fedido e, não demora muito, ensanguentado Robin “Rob” Feld, ter um merecido Oscar de Melhor Ator no consolo de sua lareira. Trata-se de uma obra introspectiva, razoavelmente lenta e que foca quase que exclusivamente na forma como Rob lida com a dor que sente. O sumiço de sua simpática porquinha não é mais do que um gatilho narrativo para permitir sua jornada ao lado de Amir (Alex Wolff), o comprador de suas tão cobiçadas trufas, por Portland.

Cage, portanto, tem espaço amplo para trabalhar seu estoico e lacônico personagem que não troca de figurino sequer uma vez e permanece o longa inteiro parecendo um estereótipo de mendigo, artifício que funciona tanto no plano puramente visual, como também para refletir seu estado de espírito razoavelmente invariável por todo o seu caminho de dor e perda. A fotografia de Patrick Scola, que mantém os tons sombrios, tendentes ao marrom, assim com a trilha sonora suave de Alexis Grapsas e Philip Klein, mantém a atmosfera melancólica da obra, algo que somente é quebrado pela presença mais dinâmica, colorida e “musical” de um hesitante Amir em seu berrante Camaro amarelo.

Pelo roteiro jogar com expectativas, ele mantém um curso que por vezes sinaliza sua natureza desde cedo, mas inteligentemente protraindo “revelações” (ou a falta delas) e trabalhando o passado de Rob da maneira que esperamos, mas com muito bem-vindas “pequenas diferenças” que começam estranhas e ficam ainda mais curiosas na medida em que a cadenciada trama avança, por vezes até mesmo parecendo que o que Sarnoski faz, além de um tratado sobre dor, uma interessantíssima sátira ao filme de ação como gênero. A atmosfera pesada e sombria é sempre mantida, mas o fio condutor da história que aos poucos vai desvelando a exata natureza do que Rob fazia antes de auto exilar-se há anos, é inegavelmente repleto de momentos de ótimo humor, mesmo que Cage mantenha o cenho de seu personagem sempre cerrado, marcando sua obsessão e o peso de seu passado e tornando-os algo que literalmente informa seu misterioso Rob.

Claro que, para manter a história andando com o tipo de mistério que ele estabelece, Sarnoski usa expedientes e artifícios que quase que completamente criam aquela reação WTF? no espectador, sensação essa que só aumenta quando tudo é “revelado. Um exemplo disso é determinada organização literalmente subterrânea que, a certa altura, Rob precisa procurar para descobrir o paradeiro de sua amada porquinha ruiva. Com isso, o cineasta anda em uma fronteira perigosa entre a galhofa e a seriedade, e nem sempre ele acerta 100%, valendo-se da performance de Cage para recolocar o longa em seus inusitados trilhos.

Pig não é e não quer ser um filme revolucionário, mas ele parte de sua premissa John Wick de ser e faz muito mais com ela do que apenas derramar estilo sobre substância. Sem dúvida é mais um personagem esquisito de Nicolas Cage, mas seu caçador de trufas e amante de porcos é um homem perfeitamente relacionável em uma busca interior que não se vale de fogos de artifício baratos para fazê-la funcionar e que por vezes até parece uma abordagem biográfica do ator, com sua cabana sendo metaforicamente os filmes trash a que ele, de cabeça feita, resolveu se dedicar, com o longa lidando com seu retorno ao que era antes. Sarnoski pode ser um estreante aqui, mas seu faro que lhe permite construir uma história interessantíssima a partir de uma premissa simples – ainda que razoavelmente bizarra – é certeiro e quase infalível, daqueles que leva o espectador a ficar curioso por seus futuros banquetes audiovisuais.

Pig – A Vingança (Pig – EUA, 2021)
Direção: Michael Sarnoski
Roteiro: Michael Sarnoski (baseado em história de Vanessa Block e Michael Sarnoski)
Elenco: Nicolas Cage, Alex Wolff, Adam Arkin, Nina Belforte, Gretchen Corbett, David Knell, Beth Harper, Julia Bray, Darius Pierce, Elijah Ungvary, Cassandra Violet
Duração: 92 min.

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