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Crítica | Pinóquio (1940)

por Gisele Santos
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Quanto uma obra pode permanecer atual com o passar dos anos? A resposta para essa pergunta traz várias discussões interessantes sobre filmes antigos e também lançamentos, e do quanto vamos continuar gostando (ou odiando) determinado título a medida que o tempo passa. Toda essa introdução, na verdade, é para comemorar a longevidade de Pinóquio, segundo filme lançado pela Disney, e que, mesmo passado sete décadas, é um dos desenhos mais atuais da empresa do Mickey. Isso porque Pinóquio fala para o seu público, as crianças. Estão lá as brincadeiras infantis e as travessuras típicas de um menino, os sonhos, as aventuras, e claro, os erros que todos cometemos quando crianças, mas principalmente quando adultos.

Gepeto, um habilidoso marceneiro, constrói com as próprias mãos Pinóquio, um boneco de madeira que só pode se movimentar com a ajuda de fios. A marionete ganha vida após seu dono pedir a uma estrela cadente que transformasse o boneco em um menino de verdade. A noite chega e a Fada Azul concede o pedido de Gepeto. Pinóquio agora está livre dos fios, tem voz e movimentos próprios e ganha também uma consciência para lhe ajudar a decidir o que é certo e o que é errado. O Grilo Falante (personagem que cresce ao longo que a história se desenvolve) passa maus bocados tentando livrar Pinóquio de todas as travessuras que ele se mete. No momento em que a Fada liberta Pinóquio dos fios e lhe dá movimentos o garoto passa a ter uma grande responsabilidade: precisa lidar com o poder de ser livre, com o poder das suas escolhas e as consequências de seus atos. É neste ponto que, mesmo sido feito na década de 40, Pinóquio ainda é mais atual do que muitos desenhos lançados recentemente.

Não podemos falar de Pinóquio sem nos lembrarmos das mentiras. O boneco ainda não sabe, mas toda vez que mentir para alguém seu nariz irá crescer, e muito. A moral dessa história (mentira tem perna curta e acaba sempre aparecendo) é citada ainda nos dias de hoje. O impacto dessa parte da história é tão grande que quando pensamos em Pinóquio logo lembramos o nariz gigante, mesmo sabendo que essa parte do roteiro é apenas um pequeno fragmento explorado pelo filme.

Mas vamos aos “problemas” do filme (se é que podemos chamar dessa forma). A história se passa em um curto espaço de tempo, mas isso não é bem explicado no roteiro, que às vezes nos deixa perdidos no meio de tantas aventuras vividas pelo personagem principal e sua consciência. Outro fato curioso é a Ilha dos Prazeres. Pinóquio acaba indo para a tal ilha após um homem sequestrar meninos desobedientes com a ajuda de João Honesto, o maior falcatrua que os estúdios Disney já criaram. Quando chegam ao local, todos os garotos são recebidos com brinquedos, comida e muita festa. Mas o que parecia o paraíso acaba se tornando um inferno já que os garotos são transformados em burros e vendidos. Pinóquio e o seu mais novo amigo, Espoleta, não são presos neste primeiro instante, já que estão ocupados demais jogando sinuca, fumando charutos e bebendo cerveja. Sim, você leu corretamente. O filme mostra crianças em situações pouco comuns para os dias de hoje e que dariam o que falar nas redes sociais, o mais novo fórum de discussão da humanidade. Já consigo ver os executivos da Disney tendo que responder formalmente sobre a cena, ONGs de cuidados com crianças colocando ainda mais lenha na fogueira e até um boicote às animações. Claro que eu não acho correto que crianças tenham esses hábitos, óbvio que não, mas o que Pinóquio mostra, com o passar dos anos, é que nos tornamos politicamente chatos e que as crianças podem sim ver além da imagem. Isso porque é nítido que os meninos só se tornam burros graças às regalias oferecidas na Ilha dos Prazeres. Há sete décadas atrás as crianças conseguiam ler as entrelinhas de uma história. Já hoje em dia…

Depois de conseguir escapar da Ilha dos Prazeres (mas não sem ganhar orelhas e um rabo de burro), Pinóquio ruma ao oceano para salvar seu pai que foi engolido por uma baleia assassina (o roteiro não explica bem como isso aconteceu, mas quem se importa!). As cenas de Pinóquio e Gepeto tentando sair de dentro da baleia ainda impressionam por seu realismo e perfeita execução. Pinóquio foi apenas o segundo filme lançado pela Disney (o primeiro foi Branca de Neve e os Sete Anões) e aqui vemos que a ação é vista como necessária, tanto quanto a magia. No final, todo mundo já sabe, Pinóquio mostra que merece ser um menino de carne e osso e ganha vida de verdade, mais uma vez, pela Fada Azul.

Pinóquio ganhou dois Oscars no ano de seu lançamento (Trilha Sonora e Canção, por “When You Wish Upon a Star“, tema da Disney até hoje) e é tido como o filme mais perfeito tecnicamente já produzido por Walt Disney, principalmente pela sua complexidade técnica e o perfeccionismo de seu criador. Também foi o primeiro filme animado a contratar um escultor que criou maquetes que serviram de guia para os amadores. Outra curiosidade é que o Grilo Falante nem sempre esteve na história. Ao longo da produção, Disney percebeu que Pinóquio não conseguiria carregar a história toda sozinho e decidiu criar uma consciência para o boneco, que o ajudaria durante todo o filme.

A transformação de Pinóquio em boneco e depois em ser humano ainda é uma das histórias mais emocionais que a Disney já criou. Mesmo depois de mais de 75 anos é impossível não se emocionar com o amor que Gepeto nutre pela sua obra de arte, da vontade que Pinóquio tem de se tornar um humano de verdade e da ajuda do Grilo Falante, a consciência que todos nós gostaríamos de ter. Pinóquio ainda vive um pouco dentro de cada um de nós, seja quando aprontamos, seja quando sonhamos e, principalmente, quando mentimos e ficamos com medo de o nosso nariz ganhar vida própria. Mas acima de tudo vive em decorrência da magia que apenas os estúdios Disney conseguem nos fazer vivenciar nessa magnitude. .

  • Crítica publicada originalmente em 14 de fevereiro de 2015.

Pinóquio (Pinocchio) – EUA, 1940
Direção: Hamilton Luske, Ben Sharpsteen, Norman Ferguson, T. Hee, Wilfred Jackson, Jack Kinney, Bill Roberts
Roteiro: Ted Sears, Otto Englander, Webb Smith, William Cottrell, Joseph Sabo, Erdman Penner, Aurelius Battaglia
Elenco: Dickie Jones, Cliff Edwards, Evelyn Venable, Walter Catlett, Mel Blanc, Christian Rub, Charles Judels, Frankie Darro
Duração: 88 min.

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