- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Como em Moça Pirata, Por Favor, Carol abre com uma típica sequência “gilliganesca” de introdução lenta e muda de novo personagem que é sempre hipnotizante. Zosia ganhou sua entrada triunfal que a levou de recolhedora de corpos em Tânger até “mentora” de Carol em Albuquerque e, agora, é chegada a vez do “paraguaio xingador”, mais especificamente Manousos Oviedo (o colombiano Carlos-Manuel Vesga), em um flashback que culmina justamente nas ligações telefônicas de Carol no Air Force One e que revela que ele é uma versão muito mais paranoica, obsessiva, reclusa e desconfiada de Carol, aparentemente recusando todo e qualquer contato com os humanos “unidos”, mesmo que isso signifique comer comida de cachorro no lugar das refeições deixadas no portão da empresa de autoarmazenamento que ele provavelmente gerenciava antes do “vírus” alienígena tomar conta de tudo e, claro, monitorar criteriosamente todas as frequências de rádio amador em busca de alguma voz com vontade própria.
Mesmo considerando que é a segunda vez que Gilligan usa esse expediente em apenas quatro episódios, não consigo chegar nem próximo de ficar enjoado dessa escolha narrativa e estilística. Aqui, a direção de Zetna Fuentes materializa visualmente aquilo que Manousos é diante da “pandemia da felicidade”, construindo uma atmosfera claustrofóbica, opressiva e sombria que não ficaria deslocada em nenhum filme de horror. Claro que o espectador sabe que não há exatamente perigo para o personagem, mas mesmo assim seu medo é palpável em cada quadro, com a única nota de esperança sendo justamente a ligação final de Carol para xingá-lo de volta, o que o faz perceber que ela não parece fazer parte da União e que, alívio supremo, ele não está sozinho no mundo. Como a série levará Manousos para Albuquerque – se é que isso acontecerá – teremos que esperar para ver, pois não creio que ele vá tentar dirigir até lá ou que ele saiba pilotar avião e tenha acesso a um abastecido com facilidade.
Mas Manousos, por enquanto, foi apenas o tira-gosto, pois o prato principal vem mesmo, como não poderia deixar de ser, com Carol saindo do hospital depois do incidente com a granada no episódio anterior e voltando para casa no volante de uma viatura de polícia somente para encontrar membros da União (eles podiam ter um nome oficial para facilitar, pois eu e minha esposa os chamamos de “pluribus”…) terminando o trabalho de restauração de sua casa em mais uma demonstração de como abrir mão do livre arbítrio e juntar sua mente em uma colmeia é milagroso, mas com um objetivo em mente: começar a pensar metodicamente sobre o que ela sabe sobre os pluribus, o que a leva a entrevistar Larry (Jeff Hiller), um sujeito enorme com roupa de ciclista. É retornando ao hospital para fazer perguntas para Zosia, porém, que ela não só descobre indiretamente que a União pode ser desfeita, como ela tem seu momento eureka (Gilligan usa latim, eu uso grego!) sobre como extrair essa informação da coletividade, algo que não acontece sem que o diálogo, antes disso, trace outro paralelo brilhante, desta vez entre a “cura gay” a que Carol foi sujeita por seus próprios pais e o que a mente coletiva quer fazer com ela, algo que é rebatido na mesma moeda por Zosia, ainda que a falsa equivalência seja evidente pelo menos para mim.
Toda a sequência que segue desse ponto, com Carol na farmácia do hospital inventando que quer heroína, chegando em casa para preparar a câmera, injetar-se com o soro da verdade que furtara, e, em um corte seco, apagar, somente para, depois, conferir se o negócio funcionou de verdade, é outro momento de puro êxtase “gilliganesco”, com Fuentes novamente acertando na interação e oposição entre as imagens no presente e as gravadas e Rhea Seehorn mais uma vez dando um show de atuação, desta vez duplo com a Carol de sempre de um lado e a Carol melosa de outro para o que já era excelente ficar melhor ainda. E, dessa maneira, assim como o episódio começou, a diretora nos leva de volta à atmosfera de filme de horror, só que, dessa vez, em plena luz do dia e em espaço aberto, o que nem de longe reduz a tensão da cena em que Carol tenta fazer Zosia confessar e a União zumbificada faz de tudo dentro de suas regras para impedir. A pergunta que fica é: o ataque cardíaco foi causado pelo soro da verdade ou a União tem a habilidade de ferir/eliminar seus membros quando se vê ameaçada?
O que o roteiro de Alison Tatlock faz muito habilmente em Por Favor, Carol é apontar para uma direção, dar a nós, espectadores, um semblante de uma trama que pode ter o condão de sustentar a série para além das indagações de cunho filosófico. Esse era um ponto que eu vinha comentando em minhas críticas anteriores, ainda que não em caráter taxativamente negativo, mas apenas como uma preocupação relevante. Pluribus, até o final de Granada, caminhava semi-lateralmente, trabalhando sua mitologia e abrindo espaço para os dois lados dessa moeda ganharem todo o espaço do mundo. Agora, a série parece ter um norte e um norte duplo, diria, já que provavelmente, poderemos esperar, de um lado, Carol ficar ainda mais obcecada para achar uma forma de desfazer a União e a União potencialmente tomando medidas mais severas para impedi-la e, de outro, Manousos efetivamente entrar na história, nem que seja com ele e Carol inseridos em um ambiente controlado pela mente coletiva de maneira que eles não tentem nada que ameace seu plano de homogeneização absoluta. Mas isso tudo é especulação de minha parte, reconheço, pois Vince Gilligan, como sabemos bem e como ele já fez umas duas ou três vezes aqui mesmo em Pluribus, adora arremessar bolas curvas. E, muito sinceramente, é isso que eu espero!
Pluribus – 1X04: Por Favor, Carol (Pluribus – 1X04: Please, Carol – EUA, 21 de novembro de 2025)
Criação e showrunner: Vince Gilligan
Direção: Zetna Fuentes
Roteiro: Alison Tatlock
Elenco: Rhea Seehorn, Karolina Wydra, Carlos-Manuel Vesga, Jeff Hiller
Duração: 45 min.
