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Crítica | Pluribus – 1X07: A Lacuna

Desbravando a solidão.

por Ritter Fan
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  • spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

A Lacuna, antepenúltimo episódio da primeira temporada de Pluribus, é um estudo sobre a solidão. Não que o restante da série até agora também não seja, claro, mas, aqui, sentimos com força devastadora seus efeitos e ganhamos um base comparativa para o tipo de solidão que vimos em PDH, com Koumba e sua vida cheia de vazio na cidade mais fútil do mundo. É, sem dúvida alguma, um episódio que será acusado – não sem razão, vejam bem – de lento, chato, que não acontece nada, que não faz a trama andar, que corre em círculos e tudo mais, mas, no mundo exageradamente cinético em que vivemos hoje em dia, em que atenção é um bem escasso e em que somos doutrinados a preferir velocidade no lugar de qualidade, parar um pouco para observar, para respirar e para apreciar trabalhos dramáticos sutis, fotografia do mais alto gabarito e, sim, uma relevante inquirição sobre o que talvez seja nossa inerente necessidade de companhia, pode fazer muito bem.

E, com isso, o episódio paraleliza os dramas de Carol Sturka e de Manousos Oviedo, a primeira recuperando-se da forma como sua descoberta sobre antropofagia transformou-se em algo perfeitamente aceitável e, o segundo, viajando do Paraguai até os EUA, tendo que atravessar a perigosíssima Região Darién, entre a Colômbia e o Panamá, que funciona como uma barreira natural e mortal para a travessia. Carol, começando com um Gatorade bem gelado que chega tépido, vai aos poucos tentando replicar o que ela viu Koumba fazer, mas de maneira muito menos ousada, somente jogando golfe e sendo observada por um bisão, trocando seu carro de patrulha por um Rolls Royce e soltando fogos de artifício na rotunda que serve ao grupo de casas onde ela mora. Manousos, metódico, paciente e corajoso como ele só, faz sua road trip com o mesmo carro com que saiu de sua casa, aprendendo inglês com fitas cassete, pagando pela gasolina que tira de outros automóveis, bebendo água da chuva, comendo o que encontra no meio do caminho e sem aceitar absolutamente nada dos Outros, nem mesmo quando ele, finalmente, precisa encarar a floresta mortal da referida região.

O silêncio reina nos dois lados, mesmo quando Carol canta ou escuta música. É fascinante ver Rhea Seehorn fazer com que sua personagem vá da zombaria (ou negação) – quando reclama que o Gatorate não está gelado o suficiente – à contemplação, ainda que breve, do suicídio ou autoflagelação, quando encara um rojão que tombou em sua direção, passando por uma infinidade de outras emoções que funcionam como pesos que ela passa a arrastar a cada dia que passa, tentando encontrar coisas novas para fazer, ver e sentir, o que inclui passear pelo museu de arte de Georgia O’Keefe e observar um quadro que não sem querer lembra uma vagina, sem dúvida representando seu desejo sexual reprimido pelas circunstâncias em que vive. Tudo em Carol grita “socorro” e, sem saída e quase poeticamente, ela realmente pede socorro quando, ao final, Zosia retorna atendendo seu pedido pintado na rotunda, um retorno que cinicamente me fez pensar se todo esse gelo dos Outros não foi um plano muito bem pensado para justamente “quebrar” a resistência de uma de apenas duas pessoas não assimiladas no mundo que não se apressaram a passivamente aceitar a perda de sua individualidade.

Manousos, por seu turno, é o retrato da resistência radical, muito mais do que Carol jamais foi, considerando que ele, com apenas mínimas exceções, sequer dirige a palavra à mente coletiva. Claro que sua teimosia chega na fronteira – e a atravessa, vale dizer – da irresponsabilidade, já que ele, mesmo tendo se mostrado particularmente engenhoso, não parece ser um especialista em sobrevivência na selva, especialmente vestindo roupas comuns e munido apenas de um facão. Há um quê de niilismo ali também, sem dúvida. O espinhoso fim de sua jornada é telegrafado, reconheço, mas eu vejo nisso uma maneira de o roteiro reiterar que ele, mesmo sem admitir, havia chegado ao seu limite ali no rio – servindo como um Rubicão ao contrário – que serve de porta de entrada para a Região Darién e que tudo o que segue é só o prenúncio de sua queda e da inevitável interferência da mente coletiva. Se Carol tem seu ponto de virada quando admite que precisa de companhia – e o abraço em Zosia chega a ser emocionante nesse aspecto -, pode ser que a hospitalização de Manousos o leve a reconhecer que os Outros talvez não sejam tão ruins quanto ele acha que são, ainda que ele me pareça mais irredutível do que certos gauleses que vivem na única aldeia ainda não dominada pelo Império Romano. Carlos-Manuel Vesga, assim como Seehorn, entrega-se a um papel complexo justamente por Manousos ser como é, um homem acostumado com o isolamento e quase monomaníaco em seu objetivo, o que exige ele um trabalho minucioso de microexpressões faciais para transmitir sentimentos. Será muito interessante ver como será o contato dele com Carol.

A Lacuna é um episódio inesquecível. Arriscado pelo que não faz e inteligente pelo que faz, da forma como faz. Pluribus não é e nem nunca foi sobre o fim, sobre explicações, sobre racionalizações diretas e esperar isso da série é a receita para a frustração. A série é uma jornada de sentimentos e de propostas de discussões de cunho filosófico e até espiritual que existe para o espectador pausar por menos de uma hora o frenesi e ansiedade da semana e pensar em um mundo em que a solidão é uma espécie de tirania imposta por uma maioria satisfeita em apenas ser feliz a todo custo.

Pluribus – 1X07: A Lacuna (Pluribus – 1X07: The Gap – EUA, 12 de dezembro de 2025)
Criação e showrunner: Vince Gilligan
Direção: Adam Bernstein
Roteiro: Jenn Carroll
Elenco: Rhea Seehorn, Carlos-Manuel Vesga, Karolina Wydra, Patrick Fabian
Duração: 45 min.

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