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Crítica | Pokémon: Detetive Pikachu

por Gabriel Carvalho
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“Pika, Pika”

  • Observação: A cópia exibida na cabine de imprensa era dublada. Portanto, não entrarei no mérito da interpretação de voz.

Contendo gerações de entusiastas, Pokémon carrega um tom excêntrico naturalmente. Em sua essência, um universo é preenchido por monstrinhos ímpares, com características únicas, que estão presentes na natureza. Pokémon: Detetive Pikachu, primeira adaptação em live-action da franquia, quer por sua vez aumentar isso, essa excentricidade legitimada. Mas, juntamente aos aumentativos, acompanha-se uma mistura com um realismo que a recriação dos visuais icônicos dos monstrinhos de bolso evoca. No caso, o longa é uma adaptação do game homônimo, muito próprio, que centra em ares investigativos ao invés do costumeiro teor aventureiro associado à franquia. Como casar um absurdismo exponenciado por passagens nonsense, vide o Pikachu (Ryan Reynolds) falante, com essa celebração conjunta de um mundo onde Pokémon vivem em uma cidade tão contemporânea? Rob Letterman, comandando o projeto, quer provar o seu longa de muitas maneiras diferentes, entretanto, não consegue o sustentar em nenhuma completamente.

Enquanto gênero, enquanto narrativa e enquanto criação de mundo, o produto joga em campos contrastantes e não chega a um acordo. Com isso, aquela receita um pouco vazia de sucesso termina conquistada com as desventuras de um jovem e seu parceiro Pokémon, mas sem ultrapassar o raso e/ou encontrar uma proposta coesa. O protagonista, Tim Goodman (Justice Smith), é um garoto que, após perder o seu pai, encontra-se com um Pikachu misterioso. Investigando o caso, esse único Pokémon, em oposição a todos os demais, consegue se comunicar, apesar de ser apenas com Tim e vice-versa. Os personagens irão perceber-se em um universo conspiratório, em que existe a possibilidade do pai de Tim estar vivo, e um Pikachu viciado em cafeína pode falar. Ou seja, já em como se vende para um mercado, essa é uma obra composta por conceitos absurdos – e que permanecem absurdos e nunca legitimados como parte da fantasia -, o que é cômico, espirituoso e parte de um nonsense generalizado. A premissa é boa.

A maior piada não reside nem tanto no Pikachu tagarela – um pensamento que é contraditório à nostalgia em que o personagem apenas repete o seu nome -, mas em Ryan Reynolds estar vivendo-o. Essa é uma voz que contrasta com o design da criatura. Uma fantasia excêntrica transformada em “pé no chão” é escanteada para que essa comunhão entre homens e Pokémon permaneça peculiar. Detetive Pikachu até ignora parte das propostas originais, possivelmente contrariando os anseios de certos fãs. Tim nem quer ser um treinador Pokémon – coisa que os protagonistas da franquia costumam ser. Cria-se uma mitologia particular, nova, e que, quando assumida em seu estado mais puro, é interessantemente pensada. Há uma sequência inteira que remete a obras de monstros gigantes. E assistir a um Mr. Mime usando os seus poderes é bastante jocoso. Mas existe uma grande diferença entre um absurdo transformado em cotidiano, como o Mr. Mime mimicando, de um absurdo que permanece só sendo absurdo,. como é a reviravolta da obra.

Tudo isso remete a Uma Cilada para Roger Rabbit, longa-metragem que mistura cartoons com o mundo urbano da década de 40. Caso uma uniformidade se mantivesse, uma coesão, essa seria uma comédia pautada numa mescla curiosa. Haveria uma mistura entre um universo realista, com prédios e pessoas normais, e um universo maluco, composto por monstros variados vivendo suas particularidades. Pois a premissa da obra apresenta o público à Ryme City, uma cidade em que os monstrinhos de bolso convivem harmoniosamente com os seres humanos. Esqueçam as preceitos mágicos que conheceram, em que treinadores entram em um mundo e capturam “animais” para serem seus amigos e competir com outros. Detetive Pikachu não é sobre isso. Pelo contrário, esse ar urbano traz consigo uma sugestão de noir como temática, assim como o clássico de Robert Zemeckis. Entretanto, ao passo que o excelente Uma Cilada Para Roger Rabbit mantinha uma consistência na abordagem do seu tom e da sua comédia,. Detetive Pikachu origina uma confusão.

Rob Letterman não tem muito com o que se preocupar. A obra está tão confortável em sustentar o interesse do seu público com o visual dos monstrinhos que se esquece de uma coerência e de pensar uma unidade para si. O noir, por exemplo, que seria visto como parte dessa mistura entre o absurdo e o mundano, só é referenciado, não assumido. E o absurdo por si não se justifica, ao passo que Uma Cilada Para Roger Rabbit conseguia nos imergir em um mundo só de cartoons, especialmente pela presença crucial, naquele caso, de um Bob Hoskins. Mas aqui, um olhar cético é desmanchado rapidamente, para que Justice Smith torne-se mais um bobão em cena. O ator, em termos pantomímicos, é exagerado e pouco convence, por redundar os exageros do próprio mundo. Quando reage – e o texto é ora expositivo, ora apenas insosso mesmo -, o ator mostra ser um impeditivo para a narrativa e para uma verdadeira exploração do universo, que possuiria capacidade em expandir-se com mais criatividade, como é a sequência envolvendo o tal Mr. Mime.

Em contrapartida, o longa-metragem insiste em uma seriedade para esse personagem. Rejeitando a criação de traços de personalidade a Tim, o que mais importa é o drama carregado que mora no seu passado, sempre apresentado em cenas burocráticas de flashback. O resto, como os toques de noir, é acessório, assim como essas cenas mais espirituosas. O que parte de uma investigação no início, logo transforma-se em uma ação genérica, para então culminar em uma cena mais emotiva. Unidade não existe. Não é que a obra precisasse ter camadas, mas que então não se arriscasse a priorizar algo tratado de maneira tão banal, inconstante e impeditiva. Outra questão é a escala mais épica assumida na sua segunda metade, que inclui até mesmo os empolgantes monstros gigantes. Eles são interessantes, como citei, contudo, avulsos à ambientação central e ao tom. Nesse passo, o próprio ar mais sagrado de um Mewtwo, que é uma das chaves ao enredo, não combina com as brincadeiras do Pikachu ou as confusões do Psyduck. É bem auto-importante.

Tão contraditório é o projeto que até mesmo um dos sustentáculos de “criatividade” para a obra existir, o cerne dessa jocosidade, mostra ser visando o drama dos personagens. Tim, no caso, precisa investigar o desaparecimento do seu pai, ao mesmo tempo que lidar com o fato de nunca ter sido próximo dele. Essa trama é o que mais importa à obra e, consequentemente, o arco do Detetive Pikachu e seu propósito enquanto personagem é comprometido. Sem comentar o quão pobre é o roteiro, com reviravoltas extremamente previsíveis, caminhos não tão criativos assim, no entanto, burocráticos, e um texto bastante expositivo e burro. O uso de Kathryn Newton apenas acontece enquanto contracena com Smith, como escape cômico. Esse relacionamento amoroso nunca vinga e justifica-se apenas pontualmente pelos comentários do Pikachu. Porém, ao invés de ser uma piada, o todo enxerga isso como uma trama. Mas só essa revisão visual dos personagens, executada por bons efeitos, é o que interessa mesmo a Letterman. O resto é um mero desperdício.

Pokémon: Detetive Pikachu (Pokémon: Detective Pikachu) – EUA, 2019
Direção: Rob Letterman
Roteiro: Tomokazu Ohara, Satoshi Tajiri, Haruka Utsui, Dan Hernandez, Benji Samit, Nicole Perlman, Derek Connolly, Rob Letterman
Elenco: Ryan Reynolds, Justice Smith, Kathryn Newton, Bill Nighy, Ken Watanabe, Chris Geere, Suki Waterhouse, Josette Simon, Alejandro De Mesa, Rita Ora, Karan Soni, Max Fincham
Duração: 105 min.

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