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Crítica | Polzunkov, de Fiódor Dostoiévski

por Luiz Santiago
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A Nova Antologia do Conto Russo traz no rodapé a seguinte nota da tradutora Denise Sales sobre Polzunkov, o personagem-título deste conto: “nome derivado do verbo ‘polzat’: rastejar, humilhar-se, rebaixar-se“, um dado bastante esclarecedor quanto ao tipo de indivíduo que Polzunkov se tornou, após suas desventuras com o nome de batismo e sua “primeira personalidade em vida“: Óssip Mikháilitch.

Publicado no Almanaque Ilustrado em 1848, Polzunkov faz parte dos primeiros escritos de Dostoiévski, seguido dos romances Gente Pobre (1846) e O Duplo (1846) e de outros três contos escritos entre 1846 e 1847. Apresentando uma incomum pendência para o lado cômico do protagonista (uma comicidade revestida de amargura e profundo desejo de “ser alguém”), o autor investe igualmente em uma complexa linha de ações, adicionando camadas temporais onde a trama acontece.

Olhando para o conto como um todo, temos a seguinte situação: um narrador anônimo presencia os eventos e “dialoga” com o leitor em um nível. No outro, o chamado “bufão filosófico” Polzunkov conta a história de Óssip Mikháilitch, ou seja, a sua própria história, a história de como ele não se casou, criando aí um subnível narrativo. As passagens não são complexas, mas a forma como o autor escolheu contá-las é intricada de uma forma que faz o leitor se perder um tantinho em um momento ou outro. Nada grave, mas sensivelmente desconfortável, especialmente para os que não possuem grande experiência com a obra dostoievskiana.

Acima de tudo, Polzunkov é uma história de um homem pobre cheio de ambições mas com um nível mínimo de malícia — o que o leva à perdição — e muito amor-próprio. Perceba que a união dessas características torna o indivíduo interessante e sua participação na história, vista em dois momentos diferentes, comprova isso de forma prática e direta. O leitor descobre que Polzunkov é alguém “com um nível de nobreza na aparência“, mas no momento em que este evento se passa, ele é apenas um homem que conta casos e piadas depreciativas sobre si mesmo, ressentindo-se das pessoas que riem dele. O personagem vive para agradar, mas não é exatamente feliz com isso. Ou será esse modelo de vida uma forma de conseguir o que ele realmente quer (dinheiro e atenção)?

O que Dostoiévski esconde (e ao mesmo tempo revela) nessa personalidade e em suas duas fases de vida é a vontade de Óssip Mikháilitch/Polzunkov ser alguém. O caso da propina, o possível casamento com a filha do chefe, a herança quase recebida, o diálogo sobre posses materiais ou poder que ele tem com a avó tapada, tudo isso é colocado no conto como uma meta de vida. Independente dos meios (não agressivos ou violentos, mas que certamente desafiam padrões morais e éticos) o personagem está disposto a alcançar um lugar de destaque na sociedade.

Os meios pelos quais Polzunkov tenta fazer isso envolve a palavra escrita e falada, uma em cada fase da vida. É através dessa dualidade que ele acredita comprar a “escadaria para o paraíso” (a venda de certos papéis) e é através da palavra somada à sua malícia diminuta que ele cairá na própria trama que armou como uma brincadeira de 1º de abril.

O patetismo vindo com o resultado final é uma espécie de encontro do protagonista com o que ele provavelmente seria, se sua vida não tivesse mudado de rumo. É um término seco, quase abruto e não muito trabalhado por Dostoiévski, mas que diz bastante sobre a forma como o autor via o mundo e os seus atores históricos. Polzunkov é um dos primeiros grandes derrotados e pseudo-orgulhosos que Dostoiévski legaria à literatura, um personagem não muito simpático mas muito interessante de se analisar, afinal, existem inúmeras cópias dele pelo mundo afora.

Polzunkov (Rússia, 1848)
Autor: Fiódor Dostoiévski
No Brasil: *Nova Antologia do Conto Russo – Editora 34 (2011)
Tradução: Denise Sales
20 páginas

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