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Crítica | Ponte Aérea

por Gabriela Miranda
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Nem tão longe, nem tão perto. A tecnologia derrubou os obstáculos físicos, mas também se foi a solidificação das bases de um relacionamento. Em cima do conceito analisado por Zygmunt Bauman em Amor Líquido, é possível discutir sobre a contração das relações amorosas, que ganham uma perspectiva de tempo e contato específicos de uma sociedade que busca freneticamente o avanço; cada vez é mais rápido o processo para forjar intimidade, mas ao mesmo tempo o desapego se torna mais fácil por seguir o fluxo desta liquidez da qual Bauman fala. Essa discussão atiçou a inquietude da diretora Julia Rezende e ela conseguiu transpor uma história de amor, por meio do vapor entre o sólido e o líquido, para a tela do cinema. É a brisa do gênero de comédia romântica no cinema brasileiro.

Em Ponte Aérea (2015) o pedaço entre um ponto e outro serve para aproximar duas personagens que em outra situação poderiam até se esbarrar, mas continuariam andando normalmente, sem nem pedir desculpas. A ambição do filme é ser um retrato de algo que as pessoas vivenciam e experimentam nesse lapso entre tecnologia e mundo real, e é bem sucedido nisso. Os elementos neste filme são contrários e e se chocam numa turbulência capaz de mudar os rumos de dois estranhos, com os quais o espectador pode muito bem se identificar.

Amanda é uma redatora publicitária workaholic que mora, obviamente, em São Paulo e Bruno é a antítese dela. Ele não tem ambição profissional e não está conectado nas redes, embora seja um artista promissor. O tempo dos dois é dissonante. Ela corre, ele para. A vida dela é um trator e ele vagueia num barco à vela. Em certo momento ele se insere no mundo digital e a realidade pesa. Hoje parece mais simples ignorar e apenas emudecer para desaparecer sem ter embate, sem ter de lidar com o que sente e o que pensa. Uma anestesia social.

Letícia Colin consegue traduzir o cinismo e a suavidade que se debatem na Amanda e atraem a personagem de Caio Blat, que transita entre a afeição e o egoísmo. A atuação dos dois mostra as nuances em cada um e a transição dos personagens é muito interessante e eles mudam guardando a essência inicial, o que assume um caráter bastante parecido com a maneira como a vida acontece.

A escolha de usar luzes artificiais para filmar em São Paulo em contraste com o aproveitamento da luz natural no Rio de Janeiro é uma opção estética que conversa diretamente com o roteiro e a psiquê dos personagens. A fotografia do filme é bem atraente e as locações, principalmente da casa de cada personagem são muito importantes para compor a personalidade destoante dos dois. A frieza e o aconchego mais uma vez não são o que aparentam ser, assim como SP não é retratada com o cinza e o RJ não é vibrante.

As referências citadas previamente pela diretora são os filmes dirigidos por Sophia Coppola e pela diretora iraniana Massy Tadjedin de Apenas Uma Noite. Coincidentemente, são mulheres que fizeram filmes sobre relacionamento e exploram o desconforto e os detalhes que constroem a realidade de um ponto de vista autoral e poético.

Na era digital, a artificialidade nos diálogos ganha status e seguidores e isso é transportado para dentro do roteiro. A não verbalização do que os personagens realmente pensam e sentem é uma sacada pertinente. Existe, por parte dos dois personagens em momentos diferentes, a necessidade de interagir a uma distância segura (até como uma forma de auto-preservação, talvez) e a distância aparece recorrente, pela quilometragem, pela virtualidade, pela falta de palavras.

Em silêncio ocorre uma ruptura que é verbalizada por uma cena que mostra o vácuo entre um e outro de uma forma agressivamente desconfortável. Para nenhum dos dois é fácil se abrir e fechar. Eles fazem um movimento contrário em tremenda sincronia. Apegar e desapegar é apenas um processo já quase natural, mas não indolor.

A distância pode ser medida em quilômetros ou não. Entre um voo e outro, o tempo embaça e o que fica é a constatação de que finais felizes são menos frequentes enquanto instantes felizes se sobressaem nesta história a dois.

Ponte Aérea (Brasil, 2015)
Diretor: Julia Rezende
Roteiro: L. G. Bayão, Julia Rezende
Elenco: Caio Blat, Letícia Colin, Felipe Camargo, Emilio de Mello, Cristina Flores
Duração: 108 min.

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