Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Porco Rosso: O Último Herói Romântico

Crítica | Porco Rosso: O Último Herói Romântico

por Ritter Fan
4,2K views

Concebido inicialmente como um curta-metragem de encomenda para a Japan Airlines baseado em mangá de 15 páginas que Hayao Miyazaki escrevera e desenhara em 1989, Porco Rosso: O Último Herói Romântico é uma animação absolutamente fascinante que é capaz de imediatamente capturar a atenção do espectador com sua inusitada e original base narrativa apresentada nos primeiros minutos – um veterano da Primeira Guerra Mundial na forma de um porco italiano antropomórfico caçador de recompensas que combate piratas aéreos no Mar Mediterrâneo – que vai, aos poucos ganhando mais e mais camadas que tornam a obra não só absolutamente deliciosa, como realmente especial. Contribuindo fortemente para essa aura, há que se notar que Porco Rosso é uma das poucas obras temporal e geograficamente delimitadas de Miyazaki e uma das mais diretamente políticas e, diria até, adultas.

Situado no finalzinho dos anos 20 em uma Itália tomada pelo fascismo, o longa é caracterizado, ainda, por um realismo incomum na filmografia de Miyazaki, algo em grande parte devido à eclosão dos conflitos étnicos e guerras na antiga Iugoslávia, que levou a incontáveis e terríveis mortes, além de sua divisão em diversos países, bem na época do início da produção que se passa em grande parte na mesma região geral da Dalmácia. Claro que os elementos fantasiosos estão presentes, algo visto na visão ultrarromântica da Europa, além do personagem titular, logicamente, e toda a base narrativa em que o meio de transporte preferido da região é o hidroavião.

Há uma enorme complexidade em Porco Rosso, antes o ás Marco Pagot (Shūichirō Moriyama), que não só vive fugindo do fascismo instalado em seu país ao recusar a se juntar às Força Aérea novamente, como precisa lidar com seu trauma de guerra e, como estopim para a história contada no longa, escapar do aspirante a ator e piloto americano Donald Curtis (Akio Ōtsuka) contratado pelos piratas aéreos sempre derrotados pelo protagonista para assassiná-lo. A aparência do personagem-título é explicada sempre de passagem como “mágica”, mas nunca diretamente racionalizada, com Miyazaki trabalhando um profundo sentimento de culpa em Porco Rosso pelo que aconteceu durante a Primeira Guerra, algo narrado visualmente de forma onírica em determinada altura da projeção e que permite que o espectador entenda que sua forma suína é muito mais como Marco passou a se ver, como uma uma auto imposta maldição, do que efetivamente algum efeito mágico simples na base do “pirlimpimpim” e isso empresta uma camada trágica ao herói galante que o cineasta parece construir no começo.

Claro que o cineasta não esquece de sua grande marca registrada, que é abrir espaço para fortes e inesquecíveis personagens femininas. Em Porco Rosso, Miyazaki já começa tirando sorrisos da mais pura alegria audiovisual quando coloca o protagonista em uma missão de resgate de mais de uma dúzia de “Meis”, a irmã mais nova de Meu Amigo Totoro, que fazem a tela explodir de fofura e de felicidade contagiante mesmo em meio a tiroteios aéreos. Mais tarde, quando ele precisa reconstruir seu avião, Fio Piccolo (Akemi Okamura), neta de seu mecânico favorito em Milão, é introduzida como uma excelente designer de aviões e mecânica, funcionando principalmente como a maneira que Miyazaki encontrou para demolir o machismo de Porco Rosso, que inicialmente se recusa a ser auxiliado por uma menina.

Como em O Serviço de Entregas da Kiki, há um pouco de estrutura episódica em Porco Rosso, mas que é mitigada pela fluidez narrativa da fita que é muito econômica e eficiente na construção de seus personagens, mesmo aqueles que, como a misteriosa e bela Madame Gina (Tokiko Kato) mal aparecem ao longo dos 94 minutos do longa. Além disso, a quebra do realismo pela presença do porco antropomorfizado ou, talvez melhor dizendo, a quebra da fantasia estabelecida pelo porco humanoide e pelo uso dos hidroaviões com o realismo espaço-temporal de todo o restante da fita cria uma combinação que não deveria dar certo de forma alguma, mas que resulta em uma fusão magnífica não só pelas impressionantes paisagens e manobras aéreas que a animação manual do Estúdio Ghibli minuciosamente cria, como também pela cadência de cada “capítulo” da história que vai cada vez mais mergulhando no contexto e na história que informa o protagonista quase sem que Miyazaki tenha que recorrer a diálogos expositivos.

Não sou particularmente fã da duração do duelo climático entre Porco Rosso e Donald Curtis, porém. É, sem dúvida alguma, um feito técnico de fazer o queixo cair, mas Miyazaki pesa um pouco a mão na resolução do conflito, estendendo-o para além do necessário, sem efetivamente criar o tipo de suspense que ele esperava estabelecer. É como se o cineasta estivesse tão enamorado de seu personagem – e eu não tiro a razão dele se tiver sido isso – a ponto de ele não querer largá-lo de forma alguma, saboreando cada quadro em que seu suíno italiano enfrenta o empolado piloto americano.

Mas o clímax sequer é o momento mais importante de Porco Rosso: O Último Herói Romântico e sua duração acaba quase que completamente soterrada pela magia que Hayao Miyazaki consegue tirar de sua inusitadamente adulta e complexa premissa que resulta em um de seus protagonistas mais interessantes e maduros. O primeiro de apenas dois longas dirigidos pelo cineasta nos anos 90, Porco Rosso é uma inesquecível, ainda que costumeiramente “esquecida” ou injustamente considerada “menor”, experiência cinematográfica de cunho adulto do Estúdio Ghibli.

Porco Rosso: O Último Herói Romântico (Kurenai no Buta – Japão, 1992)
Direção: Hayao Miyazaki
Roteiro: Hayao Miyazaki (baseado em seu mangá)
Elenco: Shūichirō Moriyama, Akio Ōtsuka, Akemi Okamura, Tokiko Kato, Sanshi Katsura, Mahito Tsujimura, Tsunehiko Kamijō, Reizō Nomoto, Osamu Saka, Yuu Shimaka
Duração: 94 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais