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Crítica | “Portas” – Marisa Monte

por Kevin Rick
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Lá vem o sol
Para derreter as nuvens negras
Para iluminar o fim do túnel
E a luz do céu
Para inspirar os seus desejos
Pra fazer você encher o peito e cantar

Portas é um álbum que te transporta. A faixa-título que inicia o mais novo lançamento da lendária Marisa Monte, o primeiro trabalho solo e inédito da artista desde O que Você Quer Saber de Verdade (2011), abre várias portas para o ouvinte se transferir para diferentes épocas e sentimentos, mas especialmente para adentrar o universo ideal e plural da cantora. Se por um lado a sonoridade que acompanha toda a obra tem contornos mais nostálgicos indo de Bossa Nova até o soul, a parte lírica é jovial e a mensagem passada é de otimismo para o futuro.

Em tempos de conflitos e indecisões, Marisa nos diz que queremos escolher uma porta só, procurando o único caminho exato e correto, um reflexo do mundo atual cheio de afirmações alienadas, mas ela nos ensina que entre tantas portas, opções e ideologias: “Não importa qual / Não é tudo igual / Mas todas dão em algum lugar“. Através de poesia e um belíssimo arranjo de cordas e sopros, a artista, com uma única canção, nos insere em um universo de esperança e compaixão necessário para nossos tempos.

Com uma transição sonora direta meio apocalíptica para a segunda faixa antes de trazer a melodia mais eufórica – um jogo harmônico de desorientação que o álbum faz muitas vezes de passar o trágico antes do júbilo – Marisa afirma sua sensibilidade lírica de positividade com o amanhã. Na letra com frases como “Calma, que eu já tô pensando no futuro” e “Sei que logo vem a alvorada“, nos sentimos quase coagidos pelo trompete inquieto e a voz apaixonante da cantora a nos sentirmos confiantes e entusiasmados pelo futuro pós-pandêmico.

Nas duas canções seguintes, Déjà Vu Quanto Tempo, ambas com belas introduções de flauta e cordas mais pesadas, o álbum traz seu conforto poético imperturbável até mesmo nos desamores. É um belo seguimento de sentimento e sensações otimistas, até agradavelmente melancólico com o arranjo menos alegre que as faixas anteriores, mas que continua o percurso da visão de mundo de Marisa Monte para as frustrações, sejam elas as divergências, as escolhas ou os amores.

A quinta faixa, Medo de Perigo, é a maior autoafirmação lírica de Marisa sobre sua abordagem otimista. É quase um desafio da artista e da sua arte contra os riscos da vida. É mais uma música com uma melodia taciturna, e aqui cabe um espaço para o trabalho vocal de Marisa. A maneira como sua voz incorpora seu estilo plural com tanta facilidade passa uma sensação de intimidade. Se fechar os olhos, é como se estivéssemos sentados em uma cadeira de frente ao seu palco aceitando sua necessária realidade corajosa.

Outro aspecto do álbum reside no seu amor pela natureza. Em A Língua dos Animais, podemos ouvir o mesmo jogo harmônico e melódico de desorientação que citei anteriormente, no qual a canção começa com um tom mais deprimido e pacato, e então escutamos a bateria abrindo, ao mesmo tempo, a satisfação musical e lírica da simplicidade em sair para passear ao sol, pisar no capim e se banhar no sal. É uma música que coloca esses contornos de bem-estar com nosso mundo natural, especialmente impactante em períodos de isolamento. A música seguinte, Praia Vermelha, segue o mesmo molde naturalista, mas com uma música ainda mais poética. Outra canção com um maravilhoso uso de sopros, especialmente a constante flauta, me soa como uma linda música de pertencimento e orgulho brasileiro, como, aliás, todo o álbum homenageia.

Em Espaçonaves, Marisa canta que “Quando a solidão vem / Tem que se cuidar bem / Do que se tem na cabeça” e “Se for coisa à toa você vai ver / Que desapareça“, em uma canção tipicamente Bossa Nova, assinada por Marcelo Camelo, e, assim como a faixa que a segue, Fazendo Cena, que contém uma ótima pausa de guitarra, são duas músicas que mantêm o mesmo tom esperançoso, mas com uma construção poética com contornos mais épicos e até diria surreais. São duas das faixas que mais gosto das letras, indo do arco-íris a Saturno, Marisa nos carrega por uma viagem metafísica.

A parte final do álbum é marcada pelas canções mais experimentais do conjunto, desde Vagalume, uma espécie de fado português, Você Não Liga, que traz uma melodia funk, até Elegante Amanhecer, um samba em homenagem à Portela. É completamente notável como o vocal de Marisa se encaixa perfeitamente entre gêneros, e especialmente como é mantido a mesma mensagem poética de otimismo. Marisa nos faz lembrar com carinho o Carnaval, a natureza, o amor e o desamor, a simplicidade e complexidade da vida em uma visão confiante para um amanhecer diferente.

A música que fecha Portas, Pra Melhorar, com ótimas participações de Seu Jorge e Flor, é a canção mais tematicamente objetiva do álbum, nos dizendo “Lá vem o sol / Para derreter as nuvens negras / Para iluminar o fim do túnel / E a luz do céu / Para inspirar o seus desejos / Pra fazer você encher o peito e cantar“. Eu diria que é a faixa mais fraca liricamente em seu teor mais superficial, inclusive na parte sonora, mas é praticamente impossível não se derreter com o discurso do porvir, um horizonte de possiblidades positivas e otimistas de Marisa. Eu disse que Portas nos transporta, certo? Na verdade, é Marisa Monte que nos transporta para seu fantástico mundo de resgate, lembranças, empatia e esperanças. Podem dizer que a visão de Marisa é um escapismo, imaginário ou idealismo, mas eu gosto de pensar que ela é uma profeta.

Aumenta!: Todas!
Diminui!:
Minha canção favorita do álbum: A Língua dos Animais

Portas
Artista: Marisa Monte
País: Brasil
Lançamento: 1 de julho de 2021
Gravadora: Sony Music Entertainment
Estilo: MPB

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