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Crítica | Possessão: O Último Estágio

por Leonardo Campos
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O filme de exorcismo é um subgênero do terror bastante familiar, anualmente retomado em produções que em sua maioria, pendem ao fracasso. Mesmo com bons resultados, tais como a franquia Invocação do Mal ou o atmosférico e eficiente O Exorcismo de Emily Rose, a temática desgastada nos é ofertada constantemente, mas sem deixar alguma marca que a torne memorável e concorrente do ainda inigualável O Exorcista. Aos interessados no assunto, no entanto, Possessão: O Último Estágio chega para arejar esse campo de produção enfraquecido, dando-lhe alguma vitalidade, num flerte intrigante entre horror e drama psicológico. Com direção e roteiro de Pearry Reginald Teo, o filme flerta com a nossa falta de expectativa diante de filmes deste segmento na atualidade, sempre repetitivos e banais. E em nosso caminho rumo ao entretenimento que pagamos pra ver dar errado, as coisas dão certo.

Na trama, acompanhamos a história angustiante de Joel Parker (Robert Kazinsky), homem com longa jornada de trabalho que precisa driblar o luto pela esposa falecida num acidente de carro, conviver com a esquizofrenia que o assombra diariamente, além de ter que garantir ao menos o básico para a sobrevivência de seu único filho, Mason (Caden Dragomer). Na cena de abertura, antes de conhecer esse ambiente familiar disfuncional, espaço predileto das entidades demoníacas cinematográficas, acompanhamos um padre a realizar uma sessão de exorcismo que dá errado e acaba levando-o para o cumprimento de uma pena. Tal personagem será útil do meio para o final, quando Joel começa a temer a presença do sobrenatural em sua casa, haja vista os amigos imaginários do filho e algumas situações em nada habituais.

Em desconfiança pelo fato de ter sido possível o seu filho ter herdado já tão jovem alguns traços de sua esquizofrenia, Joel passa a investigar cada manifestação estranha em seu lar, feixe de sensações que o deixa dividido entre a fé e a ciência, a esquizofrenia e a possessão demoníaca. Quem observa os primeiros momentos de toda a situação é a babá Cassie (Hannah Ward). Ela é extremamente cuidadosa com o garoto, compreende a situação complexa de trabalho de Joel e até ajuda com dinheiro próprio na manutenção do jantar e de outras necessidades da casa. Mais adiante, no entanto, ela deixa claro que vai seguir sua vida e confirmar a carta de aceite de uma instituição de ensino fora da cidade.

A sua partida vai piorar ainda mais a condição da família desestruturada, pois Joel precisa trabalhar mais do que o normal para manter o filho e segurança e convencer a sua assistente social da possibilidade de cumprir adequadamente a guarda da criança. Deste momento para mais adiante, as coisas começam a ficar mais complicadas e Joel não consegue entender o que acontece dentro de sua enigmática casa, erguida com eficiência pelo design de produção de Ryan Kaercher, gestor de uma equipe que toma os clichês de empréstimo e os reverte em alguma passagens, com uso constante da paleta sépia, devidamente iluminada pela direção de fotografia de Jonathan Hall, intensa em seus movimentos, enquadramentos e outros aspectos de captação de imagens dos espaços adornados pela também eficiente direção de arte de Roger C. Ambrose, responsável por reforçar o clima claustrofóbico e assombroso da casa.

Enquanto passeia pela casa, conduzido pela imersiva trilha sonora de Frederick Wiedman, o personagem percebe que o filho anda cada vez mais estranho e orientado a tomar um rumo, acaba sendo apresentado ao padre Michael (Douglas Spain), representante da fé que hospeda Padre Lambert (Peter Jason), o tal padre da abertura, recém-saído da prisão pelo exorcismo que não deu certo. Juntos, eles começam a sessão de exorcismo que anteriormente é explicada passo a passo para Joel. Os padres contam que a possessão passa por três fases, isto é, a presença, seguida da aflição, finalizada no consentimento, momento em que a entidade toma coisas além do corpo, numa conexão com a alma do possuído, trajetória desastrosa para os envolvidos, um caminho basicamente sem volta.

Antes da ação se desenvolver especificamente dentro de casa de Joel, acompanhamos as suas sessões terapêuticas. No loca, o personagem é orientado a fotografar os momentos de contemplação de imagens que não acredita que sejam reais. A solução é uma câmera polaroid, pois não há tempo para manipulação alheia, tampouco será preciso aguardar a “revelação” em uma hora ou mais. Assim, o objeto se torna um catalisador do suspense, pois a cada clique, ficamos com medo, juntamente com o protagonista, pois não sabemos se o que vai aparecer na imagem é apenas o banal, qualquer elemento interno da casa, ou então, uma abominável entidade que ganha projeção assustadora em suas aparições em ponto de vista, escolha maligna da fotografia para nos inquietar ainda mais. A sua economia no quesito visual é um recurso inteligente, pois além de atmosférico e sugestivo, nos permite também a dúvida diante da sua presença no local, afinal, por ser esquizofrênico, Joel também pode estar em profunda crise e imaginando tudo, não é mesmo?

Diante do exposto, o design de som de Michael J. McDonald vai produzir uma série de sons assustadores, dentre eles, o obrigatório jumpscare, recurso basilar dos filmes de horror contemporâneos, bons e ruins. Os efeitos visuais da equipe de Liubomir Savav dão conta das breves aparições de entidades demoníacas, equilibradas entre a explicitude e a sugestão, como apontado anteriormente, imagens colocadas em cena para dialogar com os conflitos narrativos duais, focados na mente versus alma, religião versus ciência, controle versus perda de controle, dentre outros. Joel, por ser um personagem bem construído, exerce em suas necessidades dramáticas as funções para manutenção do interesse pela narrativa até o seu desfecho com reviravoltas “bem orgânicas”, sem forçar demasiadamente a barra em prol do elemento surpresa. Assim, podemos confirmar que Possessão: O Último Estágio é um exemplar eficiente do subgênero filme de exorcismo. E nos leva a refletir sobre o atual panorama do tema.

É uma reflexão que nos leva ao que foi debatido na dissertação de mestrado Possessão e Exorcismo: Os Múltiplos Aspectos de Um Fenômeno, defendida por Luiz Henrique Rodrigues e Paiva, da Universidade Católica de Pernambuco, em 2015, somos informados que os demônios são seres presentes em numerosas crenças e lendas que povoam a imaginação de todos os povos da terra desde os tempos imemoriais até os dias atuais. A esses seres se atribuem forças malévolas assim como também são ditos como causadores de grandes tragédias que ocorrem com os seres humanos; desde pequenos infortúnios até mesmo catástrofes naturais como terremotos, enchentes, tempestades, pragas e doenças. Nas culturas antigas, acreditava-se que os espíritos malignos entravam no corpo humano sob as mais variadas formas e aspectos. Dentre eles, a falta de fé, acúmulo de pecado, alimentos tocados pelo diabo, etc. Logo a possessão poderia se dar sobre os indivíduos das classes sociais mais diferentes, que tem como principal elo os seus dramas e complexos pessoais, tal como Joel em Possessão: O Último Estágio, personagem que testemunha, com sofrimento, o mal a afligir a sua família pobre, balançada pela falta do eixo matriarcal que a tornava estável dentro de sua estrutura tradicional.

Possessão: O Último Estágio (The Assent) — Estados Unidos, 2019
Direção: Pearry Reginald Teo
Roteiro: Pearry Reginald Teo
Elenco: Robert Kazinsky, Peter Jason, Florence Faivre, Caden Dragomer, Hannah Ward, Douglas Spain
Duração: 93 min.

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