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Crítica | Possuídos (2006)

A sufocante incerteza de se manter lúcido.

por Felipe Oliveira
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Bug. Seja na informática (quando ocorre uma falha na lógica do sistema operacional, onde consequentemente o resultado é uma onda de comportamentos imprevisíveis que corrompem o bom funcionamento do software) ou para o nome “inseto” em inglês — justamente por ser um animal que gera incômodo — o longa proveniente de uma peça de teatro dirigida por Tracy Letts, Possuídos é uma experiência literalmente incomoda assim como sugere o seu título. Dito isso, Bug é um bom exemplo de quando não sabemos o objetivo real de um filme (pelo menos não no início), e de como até onde a direção irá investir para firmar a premissa. O que vale é como o espectador é convidado a espreitar, para se ver tão envolvido quanto os personagens numa trama sobre a perda controle e insanidade.

Dirigido por William Friedkin (e também foi roteirista ao lado Letts) é notável como o cineasta compôs a narrativa a fim de que a audiência emergisse aos poucos à sua proposta, ao contar a história de uma garçonete que vive presa num quarto de hotel e temente pelo retorno do ex-marido que saiu da prisão. O uso frequente do zoom da câmera, destacando a aflição e nervosismo dos personagens — em ilustração, toda vez que Agnes (Ashley Judd) ouvia o telefone tocar ou precisou atendê-lo, na triste expectativa que fosse o seu ex, Jerry Goss (Harry Connick Jr.), anunciando que saiu da prisão. As elipses constante e propositalmente usadas na edição serviram para relatar a rotina de agonia de Agnes, como na extensa provocação com as cenas das ligações, a insegurança e incomodidade em sair do cômodo e se dirigir ao mercado, quando na verdade, é estando em seu lar, alternando entre o álcool e a heroína, que sente segura.

Vale salientar como, em apenas quatro cenas pudemos sair da ambientação de dentro do quarto da protagonista, o que pontua um controle da direção em concentrar um ambiente como receptáculo para as obsessões da protagonista, o que faz o espectador observar o nível da depressão de Agnes e sua dificuldade de arranjar outro meio de lidar com a repressão sentida. Além disso, através da narrativa, Friedkin capta a sensação de confinamento e claustrofobia, somos omitidos de diálogos que expressem rapidamente as implicações que a rodeiam. Afetada em um estado emocional e psicológico reprimido, foi ao se relacionar com o ex-soldado Peter Evans (Michael Shannon) que Agnes sentia alívio e conforto. Recorrendo para um tom agitado e corriqueiro, o essencial no enredo foi continuar a expor a condição de aprisionamento em que ambos cada vez mais se afundavam. 

Arrebatando o público de um jeito visceral, Possuídos convoca a observar como a presença de insetos (reais ou não) perturba e vai moendo a quietude dos personagens, de um jeito inconsequente, provocando a realidade em que acreditavam ser o lugar seguro.

Nisso, Friedkin propõe um exercício reforçando em como o quarto evoca a ideia de que os personagens se mantêm presos nas angústias e traumas que vivenciaram, e nada melhor do que usar insetos como os pilares que transformam a normalidade de Agnes e Peter. Além do que começou com um simples incômodo que o animal pode causar, os insetos se tornaram uma representação das camadas que vão surgindo do casal. Não mais um pequeno inseto quase imperceptível que apareceu na cama, e sim um intermédio para exprimir a esquizofrenia, ansiedade, luto, e a teoria de conspiração até assumir um caráter de loucura, nem que esse fosse o único jeito deles relevarem os conflitos internos que os consomem; ou abraçar o medo, intranquilidade e desconfiança possibilite um momento de felicidade.

Embora a sua notória filmografia tenha sido ofuscada pela sequência de suspenses sem muita personalidade, Possuídos foi um dos últimos atos marcantes de Friedkin como diretor ao fazer da adaptação de uma peça, uma experiência radical e sufocante. Chega um momento, graças a performance intensa de Judd ao expressar tão bem as incertezas de sua personagem, que não mais nos lembramos quando a narrativa se fez aprisionante ao observar a atmosfera de loucura e perda de percepção que se assume entre duas pessoas num quarto.

Possuídos (Bug – EUA, 2006)
Direção: William Friedkin
Roteiro: William Friedkin, Tracy Letts
Elenco: Ashley Judd, Michael Shannon, Lynn Collins, Harry Connick Jr., Brian F. O”Byrne
Duração: 102 minutos

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