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Crítica | Power (2020)

por Luiz Santiago
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Certamente não é da era dos “filmes de bonequinho” que temos obras que retratam a introdução de algum tipo de droga, soro, dispositivo ou qualquer outro aditivo no corpo de alguém que passa a agir de forma diferente, manifestando habilidades especiais. Mas certamente é dessa era a cara super-heroica e muito frequentemente confusa que os roteiros de filmes com esse tema acabam exibindo.

Nos anos 2010, drogas como a Slo-Mo, que vemos em Dredd (2012), e a mais interessante delas, a NZT-48 de Sem Limites (2011) chamaram a atenção para novas possibilidades de tratamento desses componentes num filme, não só em relação aos seus efeitos físicos, mas principalmente em relação à percepção da realidade sob o efeito da droga,  a ação no corpo dos que a tomam e como é possível construir uma trama em torno de tudo isso. Aqui em Project Power, Mattson Tomlin procura aliar esse uso ao ambiente mais fácil de trabalhá-lo, que é o da criminalidade, do tráfico, adicionando a tiracolo a presença insossa e pouco estruturada da polícia na busca pelos bandidos que consumiram a tal “droga do poder”.

O que temos, logo de cara, é uma versão levemente piorada de Coffee & Kareem (2020), também da Netflix e num mesmo ambiente de criminalidade que tem a parceria de um policial diferentão com um parceiro mirim. A diferença aqui é que esse parceiro é uma garota, Robin (sim, o nome é proposital e devidamente referenciado num diálogo), personagem interpretada por Dominique Fishback. Até aqui, já são duas camadas gordas de um drama que não precisava de mais nada para validá-lo: Biggie (Rodrigo Santoro) está vendendo a droga Power, uma droga que dá 5 minutos de diferentes poderes para os seus usuários. Frank (Joseph Gordon-Levitt) é o policial diferentão dessa cidade, o típico homem de moral correta, mas de ética maleável, especialmente quando se trata de “fazer valer a lei, mesmo desobedecendo a lei” (discussão ótima que ganha uma mísera cena de contexto num diálogo entre Frank e seu chefe). Ah, e Frank é amigo de Robin, que é uma traficante mirim.

Esta posição social e as atitudes criminosas da garota abriam a oportunidade de uma porção de discussões interessantes, mas isso ganha um tratamento diferente quando o último ingrediente de peso entra em cena: Art (Jamie Foxx), que procura a filha sequestrada por ter “alguma coisa a ver” com a fórmula da Power. Aparentemente é um bloco tardio que vem para dar a sensação de fechamento de ciclo, correto? Bom, na intenção, sim. Mas como o roteiro não tinha conseguido criar uma linha lógica de direcionamento para a história até aquele momento, a busca de Art termina por minar ainda mais essa possibilidade. Por outro lado — e isso garante o mínimo de diversão aqui — ele protagoniza as melhores cenas de ação do filme, além de ter uma sequência de conversa a respeito de problematizações étnicas e colocação de grupos minoritários na sociedade que, por um momento, nos faz achar que o roteiro daria bom rumo ao esqueleto dramático.

O problema é que enquanto a dupla Henry Joost e Ariel Schulman (diretores de Atividade Paranormal 3 e 4 e também de Nerve: Um Jogo Sem Regras) foca em uma estilização densa para as cenas de ação, o espectador não consegue acompanhar uma real ligação entre esses atos, ao mesmo tempo que vê dispersar-se um possível desenvolvimento de personagens e até mesmo um bom encadeamento de dramas como o do papel da polícia, a parte familiar e pessoal de Robin e até coisas relacionadas à instituição por trás da droga. Existem momentos de boa construção de tensão ou uso do espaço na coreografia de lutas, como na cena do “bar” onde Biggie demonstra a Power para uma certa líder política da América do Sul (gosto muito da filmagem por dentro do lugar onde estava a jovem mulher que fez o teste da droga); como a cena em que Art invade um escritório em um caminhão; e claro, a sequência de busca no navio, que parece ser parte de um filme totalmente diferente, mas não no mal sentido.

Todavia, a ânsia de querer colocar mais e mais elementos chocantes faz o filme perder aquilo que poderia ter de melhor, já que a premissa poderia gerar um interessante filme de super-heróis. A capacidade de Robin fazer rap fica completamente sem sentido no meio da história, e à medida que o filme avança, também nos perguntamos por que inventaram de colocar uma certa importância da polícia na primeira parte, já que o foco seria completamente outro no restante da obra. Isso sem contar as narrações vergonhosas de contexto vindas pelo rádio (que ficam entre o extremo didatismo e a extrema inutilidade… ou seria tudo a mesma coisa?) e a falta de interação orgânica entre as partes, com a montagem agindo aqui como se tivesse a função de unir episódios de um filme coletivo.

O tratamento para mais um “problema com drogas” que Power apresenta consegue algumas vitórias ao longo da narrativa, mas não é de pequenos momentos isolados que uma boa sessão se faz. Sem foco e sem maior sentido para o produto como um todo, pouco sobra de realmente aproveitável, inteligível, interessante para o espectador.

Project Power (EUA, 2020)
Direção: Henry Joost, Ariel Schulman
Roteiro: Mattson Tomlin
Elenco: Jamie Foxx, Joseph Gordon-Levitt, Dominique Fishback, Rodrigo Santoro, Courtney B. Vance, Amy Landecker, Colson Baker, Tait Fletcher, Allen Maldonado, Andrene Ward-Hammond, Kyanna Simone Simpson, C.J. LeBlanc, CG Lewis, Joseph Poliquin, Jazzy De Lisser
Duração: 111 min.

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