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Crítica | Preacher: Vol. 4 – Histórias Antigas

por Ritter Fan
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Obs: Há spoilers somente dos volumes anteriores, cujas críticas podem ser lidas aqui. As críticas dos episódios da série de TV podem ser lidas aqui.

preacher_vol_4_historias_antigas_capa_plano_criticoO quarto volume de Preacher dá um tempo para os leitores respirarem. No lugar de continuar a história de Jesse Custer, Histórias Antigas reúne quatro HQs escritas por Garth Ennis que saíram entre 1996 e 1997 sob o título Preacher Presents. Como o título dá a entender, tratam-se de histórias do passado de alguns personagens da série: a primeira é uma minissérie em quatro edições sobre a origem do Santo dos Assassinos; a segunda um one-shot estendido sobre a origem do Cara-de-Cu (que é apenas mencionada em Preacher: Vol. 1 – A Caminho do Texas) e a terceira outro one-shot estendido, mas desta feita não sobre a origem, mas sobre um momento no passado dos dois caipiras texanos Jody e T.C., da fazenda Angelville da avó de Custer a quem fomos apresentados em Preacher: Vol. 2 – Até o Fim do Mundo.

Tratam-se de histórias diferentes, com times artísticos diferentes que podem ser lidas independentemente do resto da série e que fazem parte das seis “publicações extras” que Garth Ennis imaginou para que seu projeto de 66 + 6 edições de Preacher ficasse completo, formando o número “mágico” da Besta. Como julgar o volume em conjunto resultaria em uma crítica potencialmente injusta, provavelmente incompleta e certamente estranha, decidi abordar cada história separadamente, com notas também separadas.

estrelas 5,0

O Santo dos Assassinos
(Preacher Special: Saint of Killers #1 a #4)

preacher_vol_4_historias_antigas_o_santo_dos_assassinos_plano_criticoEsta minissérie em quatro números revela a origem do Santo dos Assassinos e funciona como um excelente western sobrenatural de vingança de deixar no chinelo muitos filmes e quadrinhos do gênero. Aproveitando-se da forte presença do Santo, que teve como uma das bases de inspiração o personagem de Clint Eastwood em Os Imperdoáveis, Ennis volta à segunda metade do século XIX para nos apresentar a um ex-pistoleiro que apenas deseja comprar remédios para sua filha doente em sua distante e isolada fazenda. Ele enfrenta uma nevasca inclemente para chegar à minúscula cidade mais próxima, mas alguns eventos no meio do caminho relacionados a uma gangue de pistoleiros, acaba atrasando-o.

Obviamente, quem procurar ler a minissérie mais do que provavelmente já terá lido os quadrinhos regulares de Preacher, onde o personagem tem grande relevância, especialmente no volume 3, Orgulho Americano e, portanto, já saberá muito do que acontecerá. Mesmo os que não leram, porém, perceberão que estão diante de uma tragédia, com um final já delineado pelo começo. O tom sobrenatural só vem mesmo a partir da metade da história, com uma visitinha do pistoleiro ao Inferno, gerando uma quebra de expectativas muito interessante quando não só o próprio Diabo nos é apresentado, como também o Anjo da Morte, ambos abordados de maneira clichê, mas que funciona dentro da estrutura proposta.

A grande questão é que, aqui, não é o final que importa, mas sim a jornada até lá. Assim como a nevasca que atormenta a região por onde o pistoleiro carrancudo passa, os acontecimentos são inclementes e incessantes e o grau de violência talvez o mais alto até aqui nos volumes de Preacher. Nada para o pistoleiro, nem mesmo a morte e sua transformação no Santo dos Assassinos ganha robustez e lógica interna quando Ennis empresta ao personagem uma roupagem muito maior do que um agente celeste cuja função – que inicialmente conhecemos – é caçar Jesse Custer.

A arte dos dois primeiros e do último número da minissérie ficou ao encargo de Steve Pugh que desenha o western de maneira mais suja, mas menos realista que Steve Dillon faz na série regular. E a abordagem é muito apropriada, na verdade, não só para passar a desordem e o caos daquele momento e daquele local perdido no meio do nada dos EUA, como para passar o espírito de desolação e desespero que a narrativa pesada de Ennis procura transmitir. Mas a proverbial cereja no bolo é o espanhol Carlos Ezquerra na arte do terceiro número, quando o pistoleiro vai para o Inferno. Co-criador do Juiz Dredd, o artista imprime seu estilo expansivo e detalhado para um capítulo chave na série, criando uma ambientação infernal que faz o leitor mergulhar no tormento do pistoleiro. Se Pugh já havia criado sua própria desolação, Ezquerra termina de reduzir as esperanças a zero ao literal e magistralmente congelar o inferno e fazer do pistoleiro uma figura mais imponente ainda.

O Santo dos Assassinos é um faroeste irretocável por méritos próprios, independente da série regular em que o personagem foi originalmente inserido. Mas não é para os fracos de coração!

Roteiro: Garth Ennis
Arte: Steve Pugh, Carlos Ezquerra
Arte-final: Steve Pugh, Carlos Ezquerra
Cores: Pamela Rambo
Letras: Clem Robbins
Capa: Glenn Fabry
Data original de publicação: agosto a novembro de 1996
Páginas: 98

estrelas 4,5

A História de Você-Sabe-Quem
(Preacher Special: The Story of You-Know-Who)

preacher_vol_4_historias_antigas_a_historia_de_voce_sabe_quem_plano_criticoO one-shot A História de Você-Sabe-Quem foca em Cara-de-Cu – ou Eugene Root – o jovem deformado que, conforme aprendemos no Volume 1 de Preacher, tentara se matar depois que seu ídolo Kurt Cobain do Nirvana, se matou. Conforme vimos em A Caminho do Texas, ele jura se vingar da morte de seu pai, o xerife Hugo Root, cuja culpa ele reputa ser – não sem razão, aliás – de Jesse Custer, mas que, até o final do volume 3, não havia reaparecido. Portanto, a leitura desta publicação, como um intervalo entre os volumes 3 e 5, faz muito sentido, por permite ao leitor voltar no tempo e ver aquilo que apenas havia sido mencionado antes: o que levou Eugene a tentar se matar com uma espingarda.

Mas muito mais do que apenas detalhar o trágico passado do jovem, Garth Ennis faz um verdadeiro alerta sobre os “perigos” de ser jovem. Calma, pois sua narrativa não é moralista nem óbvia. Ennis não se dá a essas coisas. O que vemos, porém, diferente da pegada completamente sobrenatural da minissérie O Santo dos Assassinos, é de uma lucidez lancinante, de um realismo que realmente impressiona e perturba. Claro, sabemos da grande e inevitável tragédia ao final, mas o gatilho “Kurt Cobain” para a tentativa de suicídio é um detalhe, a gota d’água em um oceano de problemas graves que muitos jovens, de todas as classes sociais, enfrentam de uma maneira ou de outra em nossa realidade fora dos quadrinhos. E é essa consciência dolorosa que torna este one-shot tão terreno, tão próximo de muitos leitores e, portanto, tão eficiente. E arriscaria dizer que ele se torna mais eficiente ainda se justamente for lido já com a consciência de que Eugene tenta se matar ao final.

Isto porque o esperado clímax não é o momento mais chocante da vida do rapaz, mas sim uma espécie de consequência quase natural de uma vida que ele percebe como vazia, inútil, completamente desvalorizada. Vivendo em uma casa com uma mãe que foge de sua vida mergulhando em bebida e com um pai racista, misógino, autoritário, abusivo e paranoico que também recorre à bebida, mas que, diferente da mãe, não se faz ausente, mas sim presente de maneira errada (fica a dúvida sobre o que é pior…), Eugene se socorre de sua amizade com seu melhor amigo – único, na verdade – que o leva em direção cada vez mais perigosa, ambos tentando equacionar o que é ser uma dupla isolada e perdida na microscópica cidade de Annville, no Texas. É como ver um trem desgovernado indo em direção a um muro de concreto.

Toda a pegada mais satírica de Ennis que ele destila brilhantemente em Preacher desaparece aqui e dá lugar a uma narrativa grave, séria e pesarosa que quase parece uma autobiografia (e pode muito bem ser, mas não consegui achar dados sobre isso). É uma história para ser lida, sem dúvida, mas que deixará o leitor em maus lençóis ao final…

Meu único “senão” é relacionado com a arte. Richard Case tem um desenho limpo demais para a tristeza que essa história pede e, por vezes, seus traços retiram um pouco da veracidade do texto de Ennis. Não é nada particularmente grave, mas é o suficiente para causar uma estranheza ruim, que distancia o leitor do personagem especialmente no começo, quando o drama ainda é “leve”. Mas não se enganem: A História de Você-Sabe-Quem é quadrinhos em sua melhor forma.

Roteiro: Garth Ennis
Arte: Richard Case
Cores: Matt Hollingsworth
Letras: Clem Robbins
Capa: Glenn Fabry
Data original de publicação: dezembro de 1996
Páginas: 57

estrelas 5,0

Os Bons Companheiros
(Preacher Special: The Good Old Boys)

preacher_vol_4_os_bons_companheiros_plano_criticoO one-shot que encerra o volume 4 de Preacher é a antítese do anterior. Enquanto A História de Você-Sabe-Quem é séria e grave, Os Bons Companheiros é satírica e hilária. Em resumo: um escracho total; talvez os quadrinhos mais “Garth Ennis” de Garth Ennis dentro da série até agora.

O foco da vez são os dois caipiras ultra-violentos a quem somos apresentados no volume 2 de Preacher: Jody e T.C., os capangas da “simpática” avó de Jesse Custer. Um deles, T.C., praticamente só quer “transar” com todo tipo de animal que encontra (com a exceção, aparentemente, de seres humanos) e o segundo, Jody, é um valentão de rabo-de-cavalo com fortes tendências assassinas. O que Garth Ennis faz brilhantemente aqui é inverter completamente as expectativas, transformando esses dois seres asquerosos (especialmente para quem tiver lido o referido volume 2) nos efetivos heróis da história, em uma espécie de rasteira muito bem dada.

Quando a história começa, vemos um helicóptero caído e um policial e uma mulher saindo de lá. Os dois não se bicam. Ele é um policial durão cheio de frases de efeito, um Bruce Wyllis em seus tempos áureos, e ela é uma super-modelo transformada em advogada que tem uma fita que pode destruir o terrorista Saddam Hopper que, claro, a persegue. O que esperamos da história é o padrão, mas o que Ennis entrega é uma fortíssima destruição do “super-herói hollywoodiano” e de todos os clichês dos filmes de ação descerebrados. Bonitão, Carl Hicks é como um “bonequinho” G.I. Joe. Gostosona, Tommi Ryder é uma versão em quadrinhos de Pamela Anderson. Quando eles se deparam com os dois caipiras e com os minions de Saddam, a pancadaria e a diversão começam, com os quatro se juntando – ou quase – para lidar com os intrusos.

E o “mito” de Carl Hicks, então, representando aqui personagens como John Matrix, Cobra, John McLane e, mais recentemente, Bryan Mills e Mike Banning, é desconstruído peça por peça ao longo de cada página. E é absolutamente hilário ver Ennis destilar seu veneno mortal nos personagens sobre-humanos que fizeram a festa da cinematografia oitentista ao mesmo tempo que forçando seus leitores a “gostarem” dos nojentos Jody e T.C. e a verem a “mocinha em perigo” ser transformada em uma “mulher de ação”, algo que o autor já vinha trabalhando muito bem com Tulipa, a namorada valentona de Jesse Custer.

Carlos Ezquerra está de volta aos desenhos e, como de costume, dá um show aqui, com referências visuais a Apocalypse Now e diversos outros filmes, além de seu traço marcante, sujo, que ele usa brilhantemente para criar um Carl Hicks e uma Tommi Ryder que encapsulam todos os clichês possíveis, desde o cabelo armado loiro da super-modelo até o colete de cor vibrante do policial. É perfeitamente possível imaginar Ezquerra com um sorriso no rosto fazendo essa arte.

Os Bons Companheiros é diversão descompromissada, mas fortemente crítica. Uma história imperdível.

Roteiro: Garth Ennis
Arte: Carlos Ezquerra
Cores: Nathan Eyring
Letras: Clem Robbins
Capa: Glenn Fabry
Data original de publicação: agosto de 1997
Páginas: 57

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Preacher: Vol. 4 – Histórias Antigas (Preacher: Vol. 4, EUA – 1996/7)
Editora original: Vertigo Comics
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: novembro de 2014 (encadernado)
Páginas: 228

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