Home FilmesCríticas Crítica | Prefeitura (City Hall)

Crítica | Prefeitura (City Hall)

por Kevin Rick
559 views

City Hall é o último lançamento feito por Frederick Wiseman, cineasta que não é tão conhecido como Steven Spielberg, Martin Scorsese e Francis Ford Coppola, diretores que começaram sua trajetória na mesma época que Frederick, mas seu impacto e importância na indústria não fica aquém de seus colegas profissionais. Conhecido por seus trabalhos de documentário sobre instituições americanas, Wiseman é dono de um estilo distinto dentro do gênero, sendo considerado um dos mais importantes diretores trabalhando atualmente.

Em sua última parcela do estudo de carreira sobre lugares, vocações e instituições, o diretor traz um projeto ainda mais ambicioso que Ex Libris, que retratava a Biblioteca Pública de Nova Iorque, ou Monrovia, Indiana, um documentário sobre a pequena cidade de Monrovia. Em Prefeitura, Frederick analisa a cidade de Boston, Massachusetts. Uma das maiores e mais populosas cidades do Estados Unidos, e também uma das mais conhecidas mundialmente. Boston também é a cidade natal do diretor, e em face à sua gigante importância, Frederick toma seu tempo, em torno de quatro horas e meia, para dissecar o máximo de assuntos possíveis da capital.

Documentários normalmente utilizam narração e entrevistas como forma de exposição e imersão do espectador ao tema proposto, principalmente quando se trata de filmes sobre cidades ou instituições, que são conteúdos mais densos, mais facilmente digeridos pelo público com a ajuda de uma ou várias vozes como guia. Mas como dito anteriormente, Wiseman tem um processo distinto da maioria dos documentaristas, optando pela completa falta de entrevistas ou narração, criando uma espécie de estrutura para o filme, mas sem necessariamente um arco narrativo; uma série de sequências que não são sempre correlativas, mas que no escopo geral se completam. É bastante interessante.

A fita inicia-se em um Centro de Atendimento ao Constituinte para situações não-emergenciais; passa por várias reuniões políticas, um encontro emocionante do Dia dos Veteranos, múltiplos momentos do Red Sox, time de beisebol de Boston, um curto casamento, um almoço para idosos, um comício apoiando enfermeiras, eventos de Ação de Graças, e até uma coleta de lixo. Novamente, sequências sem aparente correlação, mas que pintam uma bela e completa imagem de Boston para aqueles que não a conhecem, e imagino que seja ainda mais emocionante e familiar para os cidadãos dela. A elegância com a qual Wiseman vai de uma cena a outra, a sutileza com que conduz um assunto para o outro é uma medida do talento inato do diretor, que também serve como editor do filme.

Se existe um condutor em Prefeitura, além do diretor e da geografia, é o prefeito democrata Marty Walsh, que tem múltiplas aparições durante o longa (com chefes policiais, com funcionários da cidade Latinx, entre outras). Ele acaba servindo como uma espécie de protagonista, um símbolo da cidade de Boston, mas também é claramente posicionado como uma figura anti-Trump. Política é um tema muito abordado pelo cineasta em seus outros filmes, e neste documentário, ainda que de forma sutil, o diretor demonstra sua vertente política, assim como sua crítica à atual administração presidencial.

Há muita coisa acontecendo sem Walsh, no entanto; o filme começa e termina com ligações mais diretas entre o governo da cidade e seu eleitorado. Também obtemos imagens que refletem a rica diversidade da cidade, de arranha-céus ao porto lendário, de casas e edifícios históricos (alguns restaurados, outros não) a salões de manicure castigados pelo sol. Muitas das discussões capturadas por Wiseman envolvem como melhor integrar e promover essas comunidades, especialmente quando se trata de habitação pública e criação de empregos. “Vamos fazer desta uma área de emprego multicultural?” um residente preocupado pede aos proprietários chineses de uma loja de cannabis que será aberta no bairro de Dorchester. Em outra cena, um palestrante explora uma “estratégia étnica para a criação de riqueza” em relação à considerável população cabo-verdiana da cidade.

Quase todas as sequências na prefeitura estão cheias de vibrações positivas, com pessoas ansiosas e trabalhadoras fazendo o seu melhor para tornar Boston o que ela é, estejam envolvidos na coleta de lixo, inspeção de segurança contra incêndio ou gerenciamento de tráfego. Por mais desinteressante e ocasionalmente provocador que pareça, sempre há tons de humor na visão de Wiseman sobre assuntos públicos e, neste caso, o prêmio vai para uma cena hilária de alguns cidadãos discutindo para evitar multas de estacionamento na prefeitura. Mas o cerne do filme é exatamente a paixão de Frederick em explorar a mecânica das instituições, principalmente aquelas que terão impacto direto no dia-a-dia dos cidadãos de Boston — mas ele prefere que os espectadores se envolvam em vez de apenas sentar e observar.

Wiseman exige que tiremos nossas próprias conclusões e também exige que nos ajustemos ao seu método de narrativa de não ficção. Seu uso rigoroso de câmeras fixas e tomadas longas requerem um nível diferente, mas não menos intenso, de envolvimento. Minha ressalva inicial era a duração do longa, que acaba se tornando cansativo, mas também não consigo imaginar nenhum acontecimento sendo cortado.  Pensei que talvez funcionasse melhor em uma forma de minissérie como Arremesso Final ou Making a Murderer, mas se tornaria muito didático e perderia a elegância do diretor nas passagens de cenas. Termino por preferir a versão lançada, ainda que exaustiva, é válida.

O que o cineasta faz é diferente da maioria dos documentários contemporâneos, mas ele o faz tão bem que seus filmes são consistentemente envolventes e informativos. Ele constrói drama com experiências ordinárias, sem a necessidade de narração, clímax ou conclusão. Para uma cápsula do tempo sobre o que as pessoas faziam em seus empregos e como ficava o ambiente enquanto o faziam, a filmografia de Wiseman é eterna. E City Hall é mais uma excelente adição ao seu currículo invejável. 

Prefeitura (City Hall) – EUA, 2020
Direção: Frederick Wiseman
Elenco: Marty Walsh
Duração: 272 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais