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Crítica | Prevenge

por Fernando Campos
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Se o simples fato de ser mulher em uma sociedade machista como a nossa já é uma tarefa difícil, imagine então ser uma mãe solteira. Quem engravida sem a presença do marido está sujeita a sofrer agressões verbais, como, por exemplo, críticas à aparência, ou corre o risco de receber assédio, através de paqueras inconvenientes. Além disso, as futuras mães precisam lidar com outro grave problema de nossa sociedade: a dificuldade de entrar no mercado de trabalho com um bebê para cuidar. Em meio a esse contexto, Prevenge apresenta-nos uma protagonista que se rebela contra a sociedade que a rodeia da forma mais violenta e cruel possível, mas sem abrir mão do humor.

A obra mostra Ruth (Alice Lowe), uma grávida de sete meses que acredita ouvir seu filho. Porém, seu bebê desperta na mulher um instinto assassino, pedindo para que ela comece uma matança. Viúva há apenas alguns meses, Ruth segue as ordens da criança e inicia uma violenta jornada de mortes.

É através das vítimas que a protagonista escolhe que o roteiro faz suas críticas à sociedade e o machismo presente nela. Cada personagem morto por Ruth possui características repulsivas, vide o vendedor de animais que paquera com frases de duplo sentido, como, por exemplo, “minha cobra é grossa e lisa não é?”; ou o DJ que tenta convencer Ruth a transar com ele criticando a aparência dela, comentando “sempre me excitei com mulheres acima do peso”. Aliás, curiosamente, uma das únicas mulheres vitimadas por Ruth é uma executiva indiferente com com a causa feminina, dizendo que não pode contratá-la por estar grávida, destacando como uma mulher que não se importa com as demais pode ser tão prejudicial quanto um homem, mesmo que estes sejam os responsáveis pela cultura patriarcal.

Entretanto, o que se inicia como uma boa premissa torna-se algo repetitivo a partir da metade de projeção. Durante o segundo ato, a personagem mata alguém, visita sua médica, descansa em um hotel e repete o ciclo, tornando o longa previsível em alguns momentos. Entretanto, o que salva Prevenge da monotonia é a boa dose de violência que insere nos assassinatos, utilizando uma quantidade considerável de sangue e mostrando os ataques de maneira gráfica.

Além disso, a direção de Alice Lowe mantêm a câmera próxima da protagonista, com close-ups e planos médios, ressaltando sua psicopatia, algo também evocado pela atuação ótima de Lowe, que também protagoniza o filme, conseguindo demonstrar seu distúrbio sem abrir mão do lado maternal. Já a trilha sonora é perfeita em evocar os anos 80 através de faixas sintéticas que remetem diretamente aos filmes da época, marcada pelo terror slasher, subgênero que a obra claramente inspira-se.

Ademais, a estratégia de destacar a perturbação de Ruth é utilizada inteligentemente pelo roteiro, também escrito por Alice Low, para causar humor, uma vez que ela zomba de suas vítimas antes de matá-las, jogando na cara das pessoas as vidas monótonas e melancólicas que levam. Aliás, a oscilação entre gêneros aumenta o choque dos assassinatos, fazendo o público rir com as piadas da protagonista, mas causando incômodo, logo em seguida, com a violência. Para completar, os diálogos de Ruth com sua barriga complementam o humor da obra, servindo também para transmitir como uma gravidez inesperada pode “roubar” a vida da mãe, como diz a médica da protagonista: ‘‘você não possui mais nenhum controle sobre sua mente e corpo’’.

Já no terceiro ato, quando descobrimos as motivações de Ruth, o longa enriquece tematicamente, destacando como não superar perdas do passado pode machucar pessoas que surjam no futuro, vide o que a grávida faz com os homens que conhece, enquanto sua filha diz ‘‘eu não quero outro pai’’. Inclusive, no fim, o longa acerta em deixar em aberto se as vozes que Ruth escuta são realmente de sua filha ou se não passam de loucura, mostrando como o processo de gestação pode acarretar em um intenso desgaste emocional para a gestante, transformando-a em outra pessoa.

Em meio a um subgênero totalmente saturado, Prevenge é mais do que um respiro de originalidade para o slasher, sendo um filme que merece a atenção de qualquer fã de terror. Além disso, a obra mostra-se interessante até para aqueles que não gostam do gênero, apresentando uma protagonista emblemática e um roteiro que discute com eficiência temas como maternidade, machismo e psicopatia.

Prevenge (Idem) — Reino Unido, 2017
Diretora: Alice Lowe
Roteirista: Alice Lowe
Elenco: Alice Lowe, Jo Hartley, Gemma Whelan, Kate Dickie, Kayvan Novak, Tom Davis, Dan Skinner, Mike Wozniak, Tom Meeten
Duração: 98 min

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