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Crítica | Primal – 2X04: The Red Mist

Os dois lados de um massacre.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.

The Red Mist é a perfeita demonstração do que é Primal e de como Genndy Tartakovsky criou muito mais do que apenas uma história ultraviolenta sobre a amizade trágica entre um homem das cavernas e uma T-Rex que perderam suas famílias. O que poderiam ter sido 23 minutos de puro e incessante derramamento de sangue, algo que eu estava mais do que preparado para encarar e, sendo bem sincero, feliz com essa perspectiva, tornou-se uma narrativa repleta de espetaculares nuanças que eu não esperava ver encapsuladas em uma minutagem tão curta e, mais ainda, de forma tão tocante, usando os limites do que uma animação sem diálogos é capaz de transmitir.

Começando exatamente do ponto em que Dawn of Man parou, com Spear prestes a enfrentar vikings cavalgando ursos gigantes (ou arctotheriums), as sutilezas já aparecem antes do embate. Os guerreiros estão voltando da caça e, assim que Mira e seu povo se deparam com eles, tendo apenas Spear armado com uma espada para protegê-los, a reação é de medo e completa submissão, com todos se ajoelhando e com Mira implorando a seu protetor – com um toque em seu braço – que baixe sua arma e entregue-se ao inevitável. Mas Spear é Spear e isso jamais aconteceria, especialmente quando ele percebe que Fang está à espreita para ajudá-lo. A tensão pré-combate é palpável, daqueles de fazer o espectador ficar na ponta do sofá esperando a pancadaria começar.

E quando ela começa, nossa, não tem palavras para descrever o festival de violência que se sustenta maravilhosamente bem por diversos minutos. Spear empunhando uma espada é, como esperado, uma fábrica de mortes e não tem guerreiros vikings e ursos gigantes suficientes para pará-lo. E o mesmo vale para Fang que, mesmo alvejado diversas vezes, refestela-se com os guerreiros e suas montarias. E o mais interessante é que o espectador está condicionado a “bater palmas” para o morticínio. Afinal, esses guerreiros são escravagistas e levaram Mira de Spear. Além disso, o episódio anterior fez o trabalho de nos induzir a detestá-los ainda mais quando a dupla protagonista precisa enfrentá-los na boca na caverna. E é justamente ao subverter esse condicionamento mais ou menos no momento em que a a “névoa vermelha” aparece que o episódio sobe diversos degraus de qualidades.

É a partir desse ponto que a ferocidade do combate começa a ser relativizada. Os guerreiros do início estão praticamente todos mortos e o restante da população do vilarejo – mulheres, idosos e crianças – então entram na pancadaria com a mesma força de vontade dos protetores iniciais. E a direção do episódio faz questão de mostrar que todos ali são guerreiros, mas eles, agora, estão protegendo suas famílias, seu vilarejo e é visível no rosto e na hesitação de Spear sua compreensão de que há sempre dois lados em uma moeda. É doloroso ver Spear fazendo de tudo para não matar o menino que incessantemente o flecha, até que um arremesso acaba com tudo. O sacrifício da esposa do líder da aldeia que, depois, descobrimos é mãe do garoto, que não titubeia em enfrentar Fang somente para ser semi-devorada é outro ponto alto. Mira defendendo-se e defendendo seu povo também merece destaque não só pela fúria momentânea, como seu próprio horror ao ver o que fez.

E, então, tudo acaba. O corte seco nos leva a um navio retornando de uma expedição. Nele, vemos o líder da aldeia (com voz do grande Fred Tatasciore), juntamente com seu filho mais velho, chegando depois do ocorrido e depois que Spear e Fang fugiram também de navio, somente para eles se depararem com o massacre completo e absoluto de sua aldeia, sua família e de seus pares. É um show de horrores que termina de relativizar tudo o que vimos antes e tudo o que aplaudimos antes. Como disse, estávamos condicionados a desgostar dos vikings em ursos e, desde o começo da série, aprendemos que Spear e Fang “estão sempre certos”. É só quando vemos uma devastação dessa magnitude a partir de outro ponto de vista é que entendemos as consequências de todos os atos. Sim, estamos falando de um povo escravagista que sequestrara Mira basicamente dos braços de Spear e sim, queríamos vê-los trucidados. Mas não, não queríamos ver o “depois”, não queríamos ver os efeitos de algo assim, o preço que é cobrado pelo ciclo de violência. Esse tipo de coisa é tão raramente mostrado até mesmo em filmes e séries, que é chocante ver aqui em The Red Mist.

E, claro, o ciclo de violência continuará, com pai e filho partindo para a vingança contra Spear e Fang, deixando aquela dúvida sobre quem agora está “certo” e por quem agora devemos torcer. Óbvio que ninguém, em sã consciência, deixará de vibrar por Spear e Fang, mas, agora, temos o outro lado. Os dois protagonistas nasceram de tragédias que ceifaram suas respectivas famílias e eles acabaram de infligir o mesmo tipo de tragédia em outro povo, deixando um pai e um filho sem absolutamente nada que não seja fazer tudo para vingarem-se. Como é que Tartakovsky consegue tudo isso em pouco mais de 20 minutos, eu sinceramente não sei, mas Primal continua sendo algo fora do comum na televisão e não há sinais de que essa magnífica abordagem deixará de ser a regra.

Primal – 2X04: The Red Mist (EUA – 05 de agosto de 2022)
Criação: Genndy Tartakovsky
Direção: Mark Andrews
Roteiro: Genndy Tartakovsky, Darrick Bachman
Elenco: Aaron LaPlante, Laetitia Eido-Mollon, Adam Fergus, Fred Tatasciore
Duração: 23 min.

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