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Crítica | Private Practice – A Série Completa

Drama médico derivado de Grey's Anatomy nos envolve em emoções e dispersões.

por Leonardo Campos
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Antes do universo de Grey’s Anatomy se expandir para a questionável Station 19, os realizadores do drama médico mais longo da atualidade também investiram noutro spin-off, intitulado Private Practice, material dramático voltado ao novo cotidiano da Dra. Addison Montgomery (Kate Walsh), médica que precisava fugir dos problemas sentimentais em torno do Seattle Grace Hospital para dar novos contornos para a sua vida. Há quem diga que o crescimento da personagem eclipsou Meredith Grey (Ellen Pompeo), a nossa querida protagonista da série que serviu como ponto de partida para a jornada que deixa os dias nublados de Seattle para adentrar na calorosa e dinâmica vivência de Los Angeles. A criadora da série, Shonda Rhimes, decidiu então ampliar o feixe de conflitos de Montgomery e a levou para a clínica Oceanside Wells, um lugar com interações médicas mais intimistas, agora com mais foco em temas não explorados em Seattle, tais como tratamentos homeopatas, atendimentos psiquiátricos e fertilizações.

Ao fugir do triângulo amoroso que a envolveu com o Mark Sloam (Eric Dane) e Derek Shepard (Patrick Dempsey), Addison ganha a chance de recomeçar e brilhar em outro lugar. E isso acontece com momentos que ficam entre o ótimo e o regular ao longo dos 111 episódios com seus habituais 42 minutos, tomados por situações dramáticas elevadas, debatedoras de questões sociais ainda polêmicas e muito relevantes, mas também estruturado por alguns momentos que ao longo do texto, chamarei de “é puro Shonda”, isto é, situações escalafobéticas da showrunner, conhecida por assinar algumas coincidências e conveniências excessivas em suas séries. Private Practice durou seis temporada e diferente de muitos outros produtos do segmento, soube a hora certa para encerrar a jornada de seus personagens. Inicialmente voltada aos casos mais exclusivos no consultório particular, a ação se espalha como um rizoma pelo St. Ambrose Hospital entre o final da primeira e começo da segunda temporada, com algumas cirurgias a adentrar na pauta dramática de alguns episódios.

A Dra. Addison é o foco central, pois os acontecimentos de todos gravitam em torno de sua estrutura dramática. Ela fez um aborto na ocasião em que teve um caso com o melhor amigo do marido, algo que lhe trouxe consequências físicas drásticas, dificultando-a de ter um novo filho. Isso também é agravado pela falta de compromisso e interesses dos homens que a namora. Insegura, ela geralmente põe o relacionamento a perder quando as coisas começam a se intensificar sentimentalmente. Existe entrega, mas também há receio. A Dra. Montgomery, no entanto, vai além disso. Ele é uma das mais renomadas cirurgiãs obstetras do país e possui uma carreira brilhante e coesa. Convidada pela Dra. Naomi Bennet (Audra McDonald) para trabalhar no consultório em Los Angeles, inicialmente a médica encontra resistência dos demais integrantes do grupo, pois conforme combinado interno, qualquer compromisso estabelecido pela clínica sempre leva em consideração as opiniões de todo o grupo.

Não demora muito para que a doutora recém-chegada do Seattle Grace Hospital conquiste a confiança dos novos colegas de trabalho, alguns que se tornarão seus namorados, outros apenas colegas, transformados em amigos depois. São eles: Cooper Freedman (Paul Adelstein), pediatra que vive de encontros na internet, alguns levados para a realidade; Sam Bennet (Taye Diggs), marido de Naomi, sócio da clínica, médico que vai se separar da esposa e viver um romance inesperado com a protagonista da série (uma das escolhas mais equivocadas da série em sua quarta temporada); Violet Turner (Amy Brenneman), dona de muitos excelentes momentos, terapeuta que adora analisar a todos, não apenas os pacientes, mas os amigos, colegas e companheiros; Peter Wilder (Tim Daly), médico com experiência militar no passado, exerce o seu trabalho na seara dos tratamentos homeopáticos, personagem que terá um filho com Violet no futuro da série; e Charlotte King (KaDee Strickland), a gestora do St. Ambrose Hospital, parceira da clínica que depois se torna concorrente, ao trabalhar na Pacific Wells, mais tarde também associada, ao firmar seu relacionamento com o pediatra, Dr. Freedman.

Antes de dar as caras em Grey’s Anatomy, a Dra. Amelia Sherperd (Caterina Scorsone) fez carreira antes em Private Practice. É na série derivada que compreendemos melhor o seu passado conturbado com o irmão, Derek, ambos vítimas de um assalto terrível na infância, situação que terminou com a morte do pai e um trauma longínquo que pulsa constantemente até que explode na quinta temporada, voltada aos diversos dramas dos demais personagens, mas com um tempo considerável de cenas para a trajetória destrutiva da médica diante das drogas e do álcool. Ela desce aos infernos, passa por experiências terríveis e constrói uma trajetória de reerguimento próximo ao final do já mencionado quinto ano. Outra situação trágica é o ataque sofrido pela Dra. Charlotte King, talvez o episódio mais dramático das seis temporadas, tamanha a delicadeza da temática do estupro, tratado com peculiaridade estética num capítulo sem uso de trilha sonora, editado nos pormenores e com situações que servem de gancho para debates posteriores para a vítima e os demais personagens que gravitam em torno do acontecimento.

Quem também faz um ótimo trabalho é o Dr. Sheldon Wallace (Brian Benben), psiquiatra que atua para a concorrente nos primeiros momentos, mas depois se torna fixo da clínica principal. Ele é o típico alijado dos relacionamentos amorosos mais fatais, pois diferente dos colegas médicos, sempre fica como segunda ou terceira opção de seus interesses. Carismático, o personagem desempenha o papel de balança para o comportamento dos demais, às vezes em consonância, noutros trechos em desavença com Violet Turner. Completa ainda o feixe de personagens, Dell Parker (Chris Lowell), parteiro que possui presença regular até a terceira temporada, pai de uma garota que é filha de uma mãe viciada em drogas, material para os realizadores intensificarem algumas passagens. Destaque também para Jake (Benjamin Bratt), médico que entra para o grupo nos 13 episódios finais, mas já tinha aparecido como convidado no quinto e penúltimo ano do programa, participação que representou uma boa soma ao grupo.

Na primeira temporada, lidamos com a mudança de Addison para Los Angeles, sua adaptação, seus primeiros amores e flertes, além de conhecermos melhor a parceria entre a clínica e o St. Ambrose Hospital. No ano seguinte, a série traz mais problemas para a médica, dentre eles, o irmão garanhão problemático arrogante Archer Montgomery (Grant Show), também cirurgião de renome. Ele esconde um suposto tumor cerebral que definha aos poucos a sua vida, mas num crossover com Grey’s Anatomy, o personagem é operado e descobre a origem de seus problemas num parasita que ao ser retirado, permite-lhe viver mais do que o esperado. Uma crise financeira abala o consultório e Addison se torna chefe, para colocar em ordem alguns erros cometidos por sua amiga Naomi, situação que enche a série de crises, algo “puro Shonda”. Ainda nesta temporada, Addison namora com um policial que não consegue acompanha-la em seu estilo de vida de mulher bem-sucedida. Esse é o primeiro de vários relacionamentos fracassados.

Na terceira temporada, próximo ao final, um personagem importante sai de cena após um acidente. Antes disso, uma paciente insana ataca a terapeuta Violet Turner e retira o seu bebê numa situação que é “puro Shonda” também. Adiante, na quarta temporada, temos como destaque o indigesto estupro de Charlotte King, a mudança de perspectiva de Violet, a publicação de um livro que expõe os métodos da clínica e a permanência de Amelia Sherperd como personagem regular. No quinto ano, Naomi Bennet já não é mais parte da série, personagem que retorna apenas no desfecho um pouco apressado, durante o casamento de sua amiga Addison com o seu mais novo amor. A manutenção da Dra. Sherperd como membro fixo do elenco permite a sua amarga jornada mencionada antes, algo que chega aos limites com a gravidez de um bebê anencefálico, gestação levada até o fim para a doação dos órgãos do bebê para outros tantos recém-nascidos que aguardam na lista de transplantes. O último ano fecha com o desenvolvimento final dos arcos dos personagens e um casamento, seguido da finalização do manuscrito do novo livro da terapeuta, Dra. Turner, intitulado Private Practice.

Ao longo de suas seis temporadas, a série foi acompanhada pela direção de fotografia de Lex duPont, responsável por dar aos episódios o brilho solar que constantemente tomou as janelas da clínica, espaço estruturado pelo design de produção coeso e coerente da série, supervisionado por Richard C. Honkins, Gregory Van Horn e Gregory S. Melton, profissionais na função em momentos distintos da série. Com uma roupagem urbana e contemporânea, as salas dos consultórios envidraçadas, o tom amadeirado dos demais espaços e a iluminação amarelada foram ideais para a construção de um programa em contraste com o seu universo ponto de partida, Grey’s Anatomy, conhecido por suas paletas hospitalares esverdeadas e azuladas. Nos figurinos, Linda M. Bass, Cynthia Bergstrom e Mini Melgaard deixaram sempre os personagens vestidos conforme as suas dimensões sociais, físicas e psicológicas, trajes elegantes sob medida para homens e mulheres, além das fardas hospitalares. Ademais, Chad Fisher e Timothy Bright assumiram a direção musical durante todos os anos deste programa que tinha Sooner of Later (não é a música da Madonna) como tema de abertura.

Como mencionado, temas sobre homeopatia, psiquiatria e abordagens sobre fertilização marcaram a série que também tratou de polêmicas na área do desenvolvimento sexual de jovens adolescentes, crises diante do aborto ou manutenção de fetos, abuso doméstico, paternidade, adoção, eutanásia, consumo inadequado de drogas, dentre outros. Na dinâmica da série, o espectador pode acompanhar uma relação de maior intimidade entre médicos e pacientes, com interações domiciliares, atendimentos mais personalizados e os constantes conflitos que fazem parte do que concebemos como trabalho em equipe, isto é, concordâncias e discordâncias, embates e aproximações, pessoas que cedem e outras que dificultam processos, em suma, personagens em situações humanas, tomadas pelas imprevisibilidades da vida. Com desfecho que dribla os demônios do cancelamento e seus finais não conclusivos, Private Practice encerrou trajetórias bem acima da média e deixou a sua marca na história do entretenimento televisivo, além de ser um ponto positivo no campo das séries médicas.

Private Practice (Idem, Estados Unidos/2007-2013)
Criação: Shonda Rhimes
Direção: Vários
Roteiro: Vários
Elenco: Kate Walsh, Paul Adelstein, KaDeeStrickland, TayeDiggs, Amy Brenneman, Tim Daly, Brian Benben, Audra McDonald
Duração: 42 min. (Cada episódio – 112 episódios no total)

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