Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Professor Godoy

Crítica | Professor Godoy

por Leonardo Campos
771 views

Um professor. Um aluno. Um jogo de sedução. Se for entre uma mulher e um garoto, é absurdo, mas palatável culturalmente. Se for entre um homem e uma garota, a palavra-chave pedofilia e abuso fica ainda mais delineada. No entanto, se for entre um homem e um garoto, isto é, uma relação homossexual, a polêmica e os tabus em torno da questão saltam ainda mais aos olhos. Professor Godoy, curta-metragem de Gui Ashcar, lançado em 2009, produção que possui grandioso potencial para um longa-metragem ou série televisiva, aborda na ambiguidade e na delicadeza, as celeumas psicológicas que gravitam em torno do assunto, sem ficar covardemente em cima do muro, mas também sem se entregar aos desejos que durante todos os 14 minutos do drama, mantém a sua atmosfera pulsante. É uma sensação de latência que pode ser interpretada como oriunda da sexualidade normal de qualquer ser humano saudável, como também uma reação ao atendimento de rejeições que sedimentaram desejos ao longo da vida.

Nos desdobramentos de sua breve história, o diretor que também assina o texto evita o clichê do professor “padrão de beleza” e investe numa narrativa com algo que muitos diriam improvável: um aluno jovem, em forma, a enviar mensagens provocantes para seu professor mais velho, baixinho, calvo, pouco barrigudo e sem os grandes atrativos de uma geração que na maioria dos casos, pensa exclusivamente em desempenhos abdominais formidáveis e experiências sexuais com galãs de capas de revistas da moda. Eu, particularmente, já testemunhei vários fetiches de colegas em relação aos seus professores que mantinha as exigências dentro deste padrão. Mas voltemos ao filme. Na trama, Godoy (Rooney Facchini) é um docente de matemática conhecido por sua alta exigência em sala de aula. Discreto, o professor é a representação humana de um enigma, algo que mexe com Felipe (Kauê Telloli).

Godoy é um homem de ampla trajetória, quase próximo da aposentadoria, ser humano que surpreso diante da situação, pode ter a chance de tirar a sua vida da condução automática. Isso tudo também vem com o risco de prejudicar para sempre a sua trajetória e “queimar” o seu legado de profissional sério e recatado, características que o definem, uma criatura que possui apenas a dimensão social (profissional) delineada em cena. Felipe pode ser apenas um moleque brincando, mas também pode realmente estar encantado com o seu professor, tipo de paixão transformada em tabu numa sociedade que possui relações religiosas com as práticas de ensino desde os primórdios de nossa história, algo que talvez explique a rejeição ou a sensação de situação pecaminosa quando o assunto é apenas mencionado, piorou se levado as vias de fato.

O que aumenta a carga polêmica aqui é a questão da menoridade. Felipe não é um aluno da universidade ou de alguma outra seara da vida que se encantou e deseja o seu professor que precisa frear os desejos por questões múltiplas. É um jogo ético complexo, desafiador, em especial quando a direção de fotografia de Carlos Firmino faz questão de nos mostrar olhares, pequenos gestos, trocas simbólicas entre quem deseja é quem é alvo da afeição alheia. O trabalho de som de Tiago Bittencourt também ajuda, sutilmente, sem estratégias narrativas intrusivas, recursos somados ao trabalho de Thais Albuquerque na direção de arte, responsável por dar aos espaços as características ideais para o desenvolvimento dos conflitos internos e externos, preambulares nesta narrativa com material para maior exploração dramática.

Tratados como transcendentais, indivíduos que nas dinâmicas das diversas esferas sociais que compõem o nosso cotidiano, estão situados em pontos espirituais elevados da nossa existência, os professores durante a história desta profissão, estiveram vinculados com a missão de afastar os jovens aprendizes das tentações da carne, dos prazeres mundanos. O ensino esteve vinculado por eras ao universo religioso, aqui, do catolicismo. Purificados, eles representam a mentoria em seu estado mais angelical possível, sem qualquer conexão com os atos e filosofias de pensadores da Antiguidade Clássica, por exemplo, autores que tiveram atribuídos às suas trajetórias, opiniões sobre o assunto que deixariam qualquer seguidor católico proveniente da era hipócrita desta religião, com a pele manchada de tons vermelhos, tamanho o rubor. Noutros casos religiosos, o enfrentamento da questão pode ser recebido com maior violência.

Ademais, em Professor Godoy, não encontramos um estudo sobre a homossexualidade, tampouco um debate sobre pedofilia ou desejos que muitos chamam de “obscuros”. É uma delicada trajetória em curta-metragem sobre pulsões que deixam as pessoas em constante tensão diante das escolhas que podem mudar para sempre a vida dos envolvidos. A série Segunda Chamada, salvaguardadas as devidas proporções, trabalhou a mesma questão, com maior desenvolvimento e explicitude, algo que ainda hoje é tema de discussões calorosas sobre ética, etc. Pode um professor se apaixonar por seu aluno? E o aluno, pode se apaixonar pelo professor? E a consumação dessa relação, fica apenas no campo do simbólico ou pode ganhar uma dimensão realista? São questionamentos que promovem profundos debates, não fechados no desenvolvimento do filme, apenas levantados para provocação. Você, leitor, o que acha?

Professor Godoy – Brasil, 2009.
Direção: Gui Ashcar
Roteiro: Gui Ashcar
Elenco: Rooney Facchini, Kauê Telloli
Duração: 14 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais