Home LiteraturaConto Crítica | Professor Shonku: O Diário do Viajante Espacial, de Satyajit Ray

Crítica | Professor Shonku: O Diário do Viajante Espacial, de Satyajit Ray

Satyajit Ray escrevendo sobre uma de suas paixões: a ficção científica.

por Luiz Santiago
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Em 1895, um homem chamado Upendrakishore Ray fundou uma editora em Calcutá chamada U. Ray and Sons. Foi através dela que, anos depois (mais precisamente em 1913), Upendrakishore iniciou a publicação mensal de uma revista infantil chamada Sandesh, publicando pequenas reportagens, perfis, contos, quadrinhos, jogos e ilustrações. Depois da morte de seu fundador, em 1915, a revista passou a ser gerida por seu filho Sukumar Ray, que veio a falecer em 1923, deixando a revista nas mãos de seu irmão. O projeto acabou não dando certo e, em 1925, encerrou pela primeira vez as suas atividades. Ao longo dos anos, a Sandesh conheceria alguns períodos de vida e morte, sendo 2 deles bastante notáveis. O primeiro, entre 1929 e 1934, com publicação de trabalhos literários de grande qualidade, mas reduzido de alcance. E o segundo e principal, entre 1961 e 1992, quando o neto do fundador e filho do segundo administrador e editor da revista reviveu o título e assumiu a editoria do projeto. Ao lado do poeta Subhas Mukhopadhyay, da tia e escritora Leela Majumdar e da educadora e prima Nalini Das, o escritor e cineasta Satyajit Ray encabeçou a Era de ouro desta publicação.

Foi na Sandesh que Ray publicou inúmeros de seus contos famosos, além de suas histórias em quadrinhos e ilustrações. Dentre esses trabalhos, dois se tornaram mundialmente famosos. O primeiro deles estreou num conto serializado nas edições de setembro a novembro de 1961 (Professor Shonku, num Universo de ficção científica) e o segundo estreou num conto serializado nas edições de dezembro de 1965 e janeiro de 1966 (Detetive Feluda, num Universo de literatura policial/investigativa). A presente crítica analisa a primeira aparição do excêntrico Trilokeshwar Shonku, em uma história deliciosa chamada O Diário do Viajante Espacial.

Algo importante a se dizer de imediato é que Ray não escreveu essa história para ser uma longeva série literária, tanto que a segunda trama com o personagem (Professor Shonku e o Terror Egípcio) só viria aparecer 2 anos depois nas páginas da Sandesh. E isso é bastante curioso, porque a maneira como o autor narra essa trama serviu de base para o estilo de toda a saga do cientista, com os relatos de seu diário pessoal assumindo a porta de entrada para a aventura da vez. Nesta estreia, isso acontece quando um pobre e amador escritor chamado Tarak Chatterjee encontra o diário do professor em uma cratera deixada pela queda de um meteorito nos Sundarbans (região de mangue arbóreo formado pelos deltas de importantes rios na  Baía de Bengala) e leva esse diário até o editor da revista Sandesh. O toque metalinguístico é notável, divertido e consegue contextualizar muito bem quem é o professor e o impacto de seu desaparecimento, que já dura 15 anos.

Um dos mistérios do conto — e não num sentido positivo — é o fato de que não existe uma explicação bem dada sobre como esse diário veio junto com um meteorito e caiu na Terra. Não tenho informações de que essa resposta é dada em trabalhos posteriores, mas mesmo que seja, para essa aventura inicial seria mais interessante que tivéssemos um caminho muito bem traçado entre o professor interromper o registro de suas aventuras, já sendo residente no planeta Tafa, e a ligação desse seu diário com um meteorito que vem a cair na Índia. Esse ponto cego da narrativa ajuda a dar uma cara apressada e reticente demais ao final do conto, assim como o salto dramático do autor, passando rapidamente de um enredo de exploração e ameaças em um planeta alienígena para o retorno à casa do editor da Sandesh, que, para sua infeliz surpresa, vê formigas muito peculiares destruindo o diário que ele mesmo tinha comprovado que era indestrutível.

Para mim, o melhor momento do conto está entre o seu início e a chegada de Shonku, de seu gato Newton, de seu empregado Prahlad e de seu robô Bidhushekar ao planeta Marte. Como temos acesso a essas informações através do ponto de vista do professor (estamos lendo o seu diário!), podemos perceber o humor às vezes ácido do personagem, seu espírito aventureiro e suas observações comicamente estereotipadas, pensadas para um cientista com “gloriosas invenções impossíveis”. A breve estadia do grupo em Marte começa bem, mais Ray não desenvolve muito o que acontece. Até a fuga que os viajantes fazem dos estranhos marcianos, tudo estava indo bem. Mas o professor simplesmente apaga e, quando acorda, já está vagando pelo espaço com sua equipe e seu foguete, e tudo assumidamente sem explicação. Para um autor que conseguiu explicar coisas muito complicadas com algumas fantásticas invenções ou frases bastante simples, esse tipo de resolução em elipse incomoda ainda mais.

Chegamos ao final de O Diário do Viajante Espacial pedindo mais. Se nos frustramos com a partida abrupta que o grupo faz de Marte, mergulhamos ainda mais na frustração quando o professor chega a Tafa, quando Bidhushekar simplesmente desaparece e os habitantes-formiga do planeta meio que tornam o professor uma espécie de prisioneiro. Então nos deparamos com um corte que nos traz de volta à Terra e às observações do editor desse material. Pior ainda: o conto seguinte não retorna para este ponto, mas conta uma história em outro momento da vida do personagem. O Diário do Viajante Espacial é uma aventura de estreia muito boa, mas com resoluções pouco exploradas e alguns buracos que poderiam, se tivessem sido preenchidos, gerar algo ainda mais interessante. Mesmo assim, o leitor termina o conto querendo ler mais aventuras desse professor. É um vício imediato.

O Diário do Viajante Espacial (Byomjatrir Diary) — Índia, setembro a novembro de 1961
Autor: Satyajit Ray
Publicação original: Sandesh Magazine
Publicação original em compilado: Professor Shonku (New Script, 1965)
Edição lida para esta crítica: The Diary of a Space Traveller & Other Stories (Puffin, 2015)
Tradução (do bengali para o inglês): Chitra Banerjee Divakaruni
45 páginas

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