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Crítica | Profissão: Ladrão

Um ingresso para saída definitiva da vida de crimes, por favor.

por Rodrigo Pereira
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Um ladrão especialista em arrombar cofres para roubar diamantes está pensando em se aposentar da vida de crimes. Para isso, ele planeja realizar um grande assalto que lhe renderá uma alta quantia em dinheiro, financiando sua sonhada aposentadoria e uma rotina mais tranquila. Ele, entretanto, se envolve com um poderoso gângster em busca de agilizar o processo e conseguir golpes que lhe rendam mais dinheiro, colocando em risco a sua vida e a dos outros ao seu redor. Essa é a sinopse de Profissão: Ladrão, um filme que fala muito mais sobre outras questões do que meramente assaltos.

A obra é o segundo longa do diretor Michael Mann e já conta com boa parte das assinaturas que nos acostumamos a ver em sua filmografia. As sequências mais longas e contemplativas, a trilha sonora marcante auxiliando nessas cenas, o destaque constante para a cidade onde se passa a narrativa, etc. A sequência de abertura é um belo exemplo disso, com o protagonista Frank (James Caan), junto de seus parceiros, finalizando um roubo e fugindo de carro, cada um indo para um lado. Nessa tomada, acompanhamos os personagens por uma cidade úmida, fria e escura, guiados por um instrumental com sons metálicos, reforçando essa sensação de frieza.

Todas essas questões não são por acaso, Mann passa quase a obra inteira criando cenários extremamente gelados e desconfortáveis. Sua intenção é evidente: mostrar como a realidade que Frank está inserido é incômoda. Quando não está nas ruas em meio a chuva e frio, ele se encontra cercado por grades de alguma forma. As janelas dos estabelecimentos, as cercas de alguma casa e até mesmo as estruturas de pontes são artifícios utilizados pelo cineasta não só para ilustrar o mundo do protagonista, mas para marcar seus pensamentos e reflexões.

Como um homem que esteve preso por mais de uma década, Frank tenta evitar a todo custo retornar para a prisão, mas sabe a dificuldade que é a vida de um ex-presidiário perante a sociedade, por isso ganha a vida dessa forma. Porém, o uso repetido desses recursos evidencia que não consegue tirar de sua mente o medo de retornar para trás das grades, refletindo em sua personalidade explosiva e sua constante busca pelo american way of life.

Inclusive, é interessante como Mann critica essa idealização do sonho americano. Se por um lado a propaganda dessa forma de vida é amplamente conhecida e já integra há muito tempo a cultura e o pensamento coletivo do país, por outro não há qualquer tentativa, seja do governo, empresas ou demais instituições, para que a totalidade da população tenha acesso a ele, tornando algo alcançável apenas para uma pequena parcela das pessoas. A realidade, no entanto, é que quase todos acabam buscando incessantemente, muitas vezes de maneira nociva, a realização desse sonho que só alguns são permitidos sonhar.

E Frank não fica de fora dessa equação. Se ele opta por viver uma vida no crime por saber como um ex-presidiário é visto socialmente, também é por considerar que é uma maneira mais rápida de atingir o tão sonhado resplendor social. Provas disso são o desejo efusivo e agressivo de conseguir uma esposa, quase que forçando Jessie (Tuesday Weld) a se casar com ele, a compra de uma enorme e confortável casa, a vontade de ter filhos com sua esposa e sua polpuda aposentadoria para, conforme ele mesmo admite, ter uma rotina mais pacata.

Outra forma que o diretor utiliza para indicar esses desejos do protagonista é através das cores. O azul e o verde são as duas cores predominantes no filme, sejam aparecendo em elementos durante a película, como em luzes e placas de neon, ou como filtros, deixando toda a cena em tons azulados e esverdeados. Duas cores frias que dialogam perfeitamente com os cenários gelados, úmidos e desconfortáveis da obra. Qual o único momento em que não há predominância dessas cores? Quando Frank está próximo do ideal de estilo de vida americano.

As sequências em sua confortável, espaçosa e até luxuosa casa junto de Jessie são sempre o extremo oposto das demais situações da obra. A umidade e as cores frias dão lugar ao sol e cores mais quentes, como vermelho e laranja, e as sensações desconfortáveis tão bem construídas por Mann dão lugar ao conforto de um aconchegante lar em um belo dia de primavera. É o mais perto que Frank consegue chegar do ideal de vida americano, mas sem conseguir sustentar aquilo pelo tempo que gostaria, já que, novamente, é algo limitado para apenas uma parcela social.

Assim como essa realidade é passageira na vida do protagonista, outro ponto que se mostra pouco duradouro é a relação dele com pessoas mais próximas. Normalmente, a falta de uma boa construção e desenvolvimento entre personagens importantes na trama é algo negativo, porém vejo como algo feito propositalmente pelo diretor nesse caso. As relações de Frank com Okla (Willie Nelson), uma espécie de tutor e figura paterna que adquiriu na prisão, e com Barry (Jim Belushi), seu parceiro nos assaltos, são pouco exploradas justamente para demonstrar outra faceta negativa da vida que leva. Por mais que se importe com a pessoa, é um meio muito cruel e  perigoso, sendo comum situações em que terá que escolher entre si mesmo ou a outra pessoa em uma fração de segundos, impossibilitando uma verdadeira construção de consideração, carinho e confiança entre os envolvidos.

Ainda que a relação com Jessie receba mais espaço de tela e seja melhor explorada, a forma súbita que Frank decide acabar com tudo explicita como não há espaço para nada que não a violência nessa realidade. Não à toa, o passado de Jessie, também ligado ao crime, mesmo que não influencie diretamente para o fim do relacionamento entre ambos, está presente como uma lembrança ingrata, como um aviso de que nada é estável dentro desse universo.

Profissão: Ladrão se apresenta como um filme sobre crimes e assaltos, mas usa essa premissa quase como mero pano de fundo para abordar a crueldade, a tristeza e a solidão que aqueles envolvidos nesse jogo são constantemente submetidos. Uma vez dentro, não se pode simplesmente sair quando bem entender, por mais que deseje. O ladrão torna-se refém do próprio meio. Um eterno ciclo de manda quem pode, obedece quem tem juízo.

Profissão: Ladrão (Thief) — EUA, 1981
Direção: Michael Mann
Roteiro: Michael Mann, Frank Hohimer
Elenco: James Caan, Tuesday Weld, Willie Nelson, Jim Belushi, Robert Prosky, Tom Signorelli, Dennis Farina, Nick Nickeas, W. R. Brown, Norm Tobin, John Santucci, Gavin MacFadyen, Chuck Adamson, Sam Cirone, Spero Anast, Walter Scott, Sam T. Louis, William LaValley, Lora Staley, Hal Frank
Duração: 123 min.

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