Home FilmesCríticasCatálogos Crítica | Proposta Indecente

Crítica | Proposta Indecente

Indecente é ignorar a verdadeira proposta desse filme.

por Ritter Fan
4,1K views

Como 9 1/2 Semanas de Amor, é muito fácil e preguiçoso dispensar Proposta Indecente como “mais um filme erótico, machista e misógino”, mas, também como o filme estrelado por Kim Basinger e Mickey Rourke, há mais no longa do que sua superfície deixa entrever, certamente mais do que os “rotuladores afobados” querem enxergar. E isso sem contar que a premissa do longa de Adrian Lyne, por si só, é capaz de gerar conversas calorosas sobre a moralidade e sobre a eterna questão se o dinheiro é ou não, afinal de contas, capaz de comprar tudo.

Mas deixe-me tratar primeiro das acusações de machismo e misoginia. Todas as abordagens taxativas nessa linha giram em torno do fato de ser a mulher que recebe a proposta de um milhão de dólares para transar com um bilionário bonitão e não o homem para transar com uma bilionária bonitona. Ora, vejam bem, não só esse “fato” está errado em sua gênese, o que abordarei logo adiante, como o longa, baseado em romance de Jack Engelhard, usa essa premissa primordialmente porque é ela que chama atenção de nossa sociedade machista. Pensem o contrário e ninguém sequer cogitaria chamar o homem de “prostituto” e “imoral” por aceitar dinheiro para fazer sexo com alguém e o filme, portanto, não teria seu poder chamativo para também trazer essa discussão à tona.

O mais importante, porém, está na compreensão – e não é nada sutil ou que permaneça somente em subtexto – de que a proposta indecente feita por John Gage (Robert Redford), de forma a provar que o dinheiro pode sim comprar tudo, é dirigida a David (Woody Harrelson), não à Diane (Demi Moore), ainda que os dois estejam presentes no recinto simultaneamente. E mais. Todas as respostas de David à proposta são reações “de papagaio” às reações surpresas e indignadas de Diane que, antes, em uma sequência na cara loja de roupas do hotel onde conhece Gage, já havia dito que os vestidos estavam à venda, não ela. Ou seja, não é uma questão da moralidade de Diane somente, mas principalmente de David. É muito claramente ele que é colocado sob os holofotes e é ele que é julgado pelas lentes de Lyne (há até um nada discreto, mas bem bolado prenúncio ao que vai acontecer quando David referência a proposta irrecusável de O Poderoso Chefão quando os dois estão na suíte de luxo paga por Gage…).

Sim, Gage, o outro homem na história, é grosseiro em sua elegância, mas ele é, essencialmente, um homem de negócios em uma linha narrativa que inegavelmente lembra a de Uma Linda Mulher, de três anos antes, mas com um enfoque mais desafiador, menos de conto de fadas. David, por seu turno, é um homem que desesperadamente deseja construir sua casa dos sonhos e usá-la para erguer sua carreira de arquiteto. Seu desespero é tanto que os últimos cinco mil dólares que ele tem – emprestados de seu pai, ainda por cima – ele emprega em jogos de azar em Las Vegas, o que, lógico, é de uma burrice sem fim, mas que serve de gatilho para o filme. A Cidade do Pecado é o ambiente ideal para a transação que acaba ocorrendo e David, essencialmente, mesmo considerando que Diane concorda (mas concorda por David), vende sua esposa por uma noite. Ou a “aluga”… Nem mesmo a outra figura masculina do filme é poupada da pegada condenatória do diretor britânico, pois este é o advogado Jeremy Green (Oliver Platt), amigo do casal, cuja primeira reação ao saber das tratativas é ficar com raiva por David ter fechado o negócio sem sua interferência, já que ele tem certeza de que conseguiria dois milhões e não apenas um (e ele provavelmente tem razão…).

Portanto, não, Proposta Indecente não é, como alguns machões fazem questão de dizer, um longa que diz que toda mulher é potencialmente uma prostituta ou, como alguns outros que veem machismo em toda a esquina, que ele condena a única mulher da obra. E não é nem que as duas interpretações sejam razoáveis, mas que não deveriam prevalecer. Nada disso. Elas estão objetivamente equivocadas, pois partem de uma leitura maniqueísta e rasa de um filme que nem sequer é discreto em afirmar com todas as letras que não é nada disso e que, ainda por cima, prova justamente o contrário que Gage queria provar.

O problema do sexto longa de Adrian Lyne é que o roteiro, depois da marca de uma hora em que a grande noite elegantemente ocorre completamente em off, sem que o diretor, depois, sequer recorra a flashbacks, em uma decisão mais do que acertada, começa a descambar para uma história de separação e romance que envereda por caminhos novelescos e rocambolescos demais. Se a premissa não fosse tão fascinante e o diretor tão cuidadoso em colocá-la na mesa – a sequência da sedução pelo dinheiro em que Diane é chamada por Gage para ser seu talismã da sorte é muito bem trabalhada -, sequer o relacionamento idílico de David e Diane convenceria muito em razão de idealizações de anúncio de margarina com direito à narrações em off de Harrelson e Moore. Depois então, quando tudo desmorona e há um início de atração genuína ente Gage e Diane, a narrativa se perde e a direção de Lyne não consegue sustentar a segunda metade, tendo até mesmo que recorrer a elementos enfiados do nada na história (falo essencialmente dos hipopótamos) para torna possível seu “encerramento triunfal”.

Ou seja, havia um filme potencialmente excelente em Proposta Indecente – até porque os quatro principais atores atuam com honestidade e convencem em seus papeis um tanto quanto limitados por um roteiro pouco expansivo -, mas que precisava acabar não tanto tempo depois assim do que podemos chamar de verdadeiro momento climático no mega-iate de Gage. Ao estender-se demasiadamente após esse ponto e ao trabalhar o triângulo amoroso de maneira melosa demais que até poderia ficar bem encaixado em uma comédia romântica, mas não aqui, o filme começa a ratear e a tornar menos engajante sua premissa original, como se ela estivesse sendo propositalmente diluída para não chocar demais aqueles que, de um lado radical ou de outro da discussão, torcem o nariz já para a sinopse, sem sequer tentar entender a substância do que é posto em discussão.

Proposta Indecente (Indecent Proposal – EUA, 1993)
Direção: Adrian Lyne
Roteiro: Amy Holden Jones (baseado em romance de Jack Engelhard)
Elenco: Robert Redford, Demi Moore, Woody Harrelson, Seymour Cassel, Oliver Platt, Billy Bob Thornton, Rip Taylor, Billy Connolly, Pamela Holt, Tommy Bush, Sheena Easton, Herbie Hancock
Duração: 117 min.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais